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Estado de Minas ENTREVISTA/DUARTE EUST�QUIO J�NIOR

Prefeito de Mariana: 'Nunca permita que decidam seu futuro sem que voc� seja ouvido'

Autonomia dos atingidos para reclamar repara��es � o motor de a��o no Reino Unido, diz administrador da cidade que foi epicentro do maior desastre socioambiental do pa�s


03/08/2020 06:00 - atualizado 03/08/2020 07:20

O prefeito Duarte Júnior (D) deixa o tribunal em Manchester ao lado do chefe do Executivo de Rio Doce, Silvério da Luz(foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)
O prefeito Duarte J�nior (D) deixa o tribunal em Manchester ao lado do chefe do Executivo de Rio Doce, Silv�rio da Luz (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)


Manchester – Mariana sempre esteve no centro das aten��es. Primeira capital mineira, de grande voca��o mineradora e muitas pol�micas, a cidade foi a mais arrasada pelo rompimento da Barragem do Fund�o, operada pela Samarco, em 2015, no distrito de Bento Rodrigues. L�, ocorreram as 19 mortes provocadas pelo desastre e quase 700 pessoas aguardam, enquanto vivem em im�veis alugados pela Funda��o Renova, por uma casa nova para morar. Antes de Duarte Eust�quio J�nior, de 39 anos, do partido Cidadania, que administra a cidade desde o ano da trag�dia e foi reeleito, Mariana teve cinco prefeitos em sete anos, devido a processos de impeachment, necessidade de trocas de presidentes da C�mara que atuaram como gestores municipais interinos e cassa��es. Um dos candidatos mais influentes, Jo�o Ramos Filho, tr�s vezes prefeito, foi assassinado em 2008 antes mesmo da campanha, por outro pol�tico que disputava o cargo, Francisco de Assis Carneiro, o Chico da Farm�cia, preso e condenado a 14 anos de pris�o.

A press�o sobre o mandato de Duarte sempre foi grande devido ao pior desastre socioambiental do pa�s, � situa��o dos atingidos e ao desemprego no munic�pio em fun��o da paralisa��o da Samarco, respons�vel por 28% do faturamento marianense. Sob sua administra��o, a cidade � o maior cliente da a��o internacional – de R$ 1,2 bilh�o – contra a BHP Billiton, controladora da mineradora ao lado da Vale. Duarte � neto de Geraldo Gon�alves, vereador de Mariana na d�cada de 1960 e filho do ex-vereador Duarte Eust�quio Gon�alves. Formado em direito, casado e pai de tr�s filhos, ele fala ao Estado de Minas sobre as dificuldades enfrentadas, inclusive no pr�prio munic�pio, para acompanhar, depois de uma quarentena de 14 dias, as audi�ncias em Manchester, na Inglaterra, em que mais de 200 mil atingidos pelo desastre tentaram demonstrar que o processo internacional � cab�vel no Reino Unido, enquanto advogados da multinacional falavam em duplica��o de a��es e alto custo como argumento evit�-lo. “Estamos vindo no pa�s da BHP dizer para a empresa que tem que respeitar as pessoas que ela atingiu”, afirma, ao comentar a import�ncia da a��o. A decis�o da Justi�a deve sair no pr�ximo m�s. Duarte Junior fala ainda do enfrentamento � COVID-19 no munic�pio que administra e de seus planos pol�ticos.

Prefeito, como foi enfrentar as resist�ncias que teve ao deixar Mariana em plena pandemia da COVID-19 para acompanhar, em Manchester, as audi�ncias sobre a jurisdi��o do Reino Unido para julgar a��o internacional contra a BHP Billiton?
Foi um pouco complexo. No in�cio, a C�mara Municipal questionou minha ida at� o Reino Unido. Mas, com o passar dos dias, tenho certeza de que todos v�o entender a import�ncia de estar presente. A nossa presen�a em Manchester mostrou para a corte nosso desejo de que a a��o seja julgada no Reino Unido.

Por que � importante para Mariana que esse processo seja julgado na Inglaterra?
O munic�pio de Mariana foi diretamente atingido, mas n�o foi ouvido e n�o participou das principais decis�es que norteariam o futuro da sua pr�pria repara��o. Se o processo for julgado aqui, isso vai mostrar que as primeiras pessoas que precisam ser ouvidas s�o aquelas que s�o diretamente afetadas. O acordo que foi assinado entre o governo federal, governos estaduais, BHP, Vale e Samarco, n�o respeitou a autonomia dos munic�pios. Somos atingidos diretos. A BHP foi ao Brasil fazer um acordo sem nos ouvir. E n�s estamos vindo ao pa�s da BHP dizer � empresa que tem que respeitar as pessoas que ela atingiu. Sem isso, n�s vamos buscar os nossos direitos dentro da casa dela, que � aqui na Inglaterra.

Na ida do senhor ao Reino Unido ocorreram contesta��es. Como ser� a volta a Mariana?
Infelizmente, como estamos em ano eleitoral, esse tipo de cr�tica sempre vai aparecer para (um pol�tico) tentar tirar algum proveito. As pessoas esclarecidas sabem qual � a import�ncia de demonstrar interesse em comparecer fisicamente numa causa de R$ 1,2 bilh�o. � importante dizer que nossa vinda para c� n�o resultou em nenhum custo para o munic�pio, nem mesmo em di�rias de alimentos. A viagem foi important�ssima para demonstrar que o comprometimento � total com o munic�pio de Mariana e com as demais cidades atingidas pelo rompimento.

J� que o senhor tocou na quest�o pol�tica, como n�o pode mais ser eleito, que posicionamento adotar� nas elei��es municipais deste ano?
Acabamos de definir que o nosso nome ser� o do atual vice-prefeito Milton Godoy, justamente pelo conhecimento que ele tem desse processo (contra a BHP). � importante que algu�m que conhe�a o processo do que est� acontecendo mantenha essas a��es. Caso contr�rio, tudo isso pode se perder. Se algu�m vier com uma nova ideia, uma nova metodologia, pode encerrar tudo que constru�mos ao longo desses cinco anos. Entendemos que seria um grande preju�zo para o munic�pio.

E quanto ao senhor? Pensa em concorrer ao Legislativo na elei��o seguinte? O que tem planejado?
Neste momento o foco � total em Mariana. Estou com 39 anos e � claro que, se houver uma aprova��o das minhas a��es, sei que isso abrir� caminhos para o futuro. At� 31 de dezembro, estarei firme no prop�sito da elei��o em Mariana. Ap�s isso, pretendo encontrar com os demais administradores municipais do F�rum de Prefeitos Atingidos pelo Rompimento da Barragem do Fund�o para construir uma resposta que dir� como o futuro vai ser e qual o melhor posicionamento sobre a quest�o para trazer mais benef�cios para a regi�o.

Qual a li��o que a batalha na corte da Inglaterra traz?
A li��o �: nunca permita que decidam o seu futuro sem deixar que voc� seja ouvido. � o que a gente fez aqui. � preciso respeito � autonomia dos munic�pios. Mesmo que n�o consigamos levar adiante o processo nas cortes inglesas, nunca mais uma BHP vai entrar no Brasil para negociar sem ouvir os principais atingidos, que s�o os mais interessados, para decidir o futuro deles. Na pior das hip�teses, a primeira coisa que far�o ser� bater na porta do Executivo e procurar saber qual � a situa��o daquele munic�pio e o que seria necess�rio para sua repara��o. Eles j� entenderam a gravidade do ato de n�o respeitar as necessidades dos munic�pios e das pessoas que foram atingidas.

A defesa da BHP fala em sobreposi��o de a��es e “abuso” em rela��o � causa que os atingidos tentam emplacar no Reino Unido. Como o senhor v� esses argumentos?
� importante que todos os atingidos, em toda a calha do Rio Doce, busquem seus direitos, seja na Inglaterra, seja na 12ª Vara Federal, jamais deixando que a l�gica seja invertida e as empresas que faturam bilh�es venham dizer que j� te deram muito depois de terem tirado tudo que voc� tinha. Errado � quem provocou essa trag�dia, quem trouxe a morte, quem tirou as pessoas de suas casas e acabou com a possibilidade de buscarem seu sustento no rio. Essas pessoas s�o dignas, devem manter a cabe�a erguida e buscar os seus direitos.

O fato de deixar a cidade durante a pandemia da COVID-19 foi motivo de cr�tica � viagem do senhor ao Reino Unido. Qual a situa��o de Mariana nesse ponto?
No in�cio, Mariana foi um dos munic�pios de Minas onde houve mais casos. S� que a cidade j� testou 27% de sua popula��o. Ou seja, mais de 20 mil testes j� foram aplicados na nossa popula��o. Dessa forma, encontramos muitas vezes aqueles casos assintom�ticos que, em lugares onde o n�vel de testes � mais baixo, n�o aparecem como pessoas infectadas. Quanto mais teste voc� aplica, mais casos ser�o confirmados. S� que isso nos d� a certeza de saber como trabalhar. Por exemplo, quando realizamos os testes em asilos, detectamos quatro doentes e os afastamos. Imagine quantas pessoas n�o poderiam ter perdido a vida caso esses doentes n�o fossem identificados rapidamente? Isso nos permitiu viver uma realidade oposta � de munic�pios do nosso entorno. Enquanto o n�mero de casos l� dispara, o nosso est� controlado.

E qual � a realidade hoje do munic�pio em rela��o ao funcionamento do com�rcio e servi�os?
H� poucos dias, tivemos at� uma manifesta��o. Os comerciantes fecharam a rodovia de liga��o at� Ponte Nova. Estavam revoltados com a decis�o do Tribunal de justi�a de Minas Gerais de que os munic�pios n�o teriam mais a sua autonomia e deveriam respeitar as determina��es do governo do estado. Como come�amos muito antecipadamente o combate � doen�a, j� est�vamos autorizando abertura de sal�es de beleza, lojas de roupas e barbearias. Ent�o, quando chegou a decis�o do Tribunal de Justi�a mandando fechar. Isso causou uma revolta muito grande, j� que n�s, em Mariana, sabemos que estamos fazendo o certo. Para se ter uma ideia, s�o 870 casos confirmados na cidade, mas 850 recuperados. Mas isso tudo tende a mudar, porque o governo estadual alterou o programa Minas Consciente (o novo formato entra em vigor dia 6), o que nos permitir� voltar ao patamar de abertura em que est�vamos h� 10 dias.

Como � ter que fechar ou escolher quais estabelecimentos que precisam abrir? Que fatores s�o levados em considera��o?
Olha, sinceramente, d�i muito dizer para um pequeno sal�o de beleza que est� controlando o n�mero de clientes que entram, higienizando, tomando todos os cuidados necess�rios, que ele agora ter� de fechar, enquanto nos bancos n�o h� qualquer tipo de controle. Fizemos uma avalia��o inicial e 85% das pessoas contaminadas tinham passado pelo banco. Ent�o, se � para solucionar fechando, pensamos em fechar os bancos, que s�o os locais onde est�o ocorrendo as contamina��es.

Por que isso n�o foi feito?
O pr�prio Minist�rio P�blico nos alertou que isso seria problem�tico, devido a normas federais. Chegamos a fazer um decreto para fechar os bancos do munic�pio. � importante saber, por exemplo, que no banco voc� tinha 200 pessoas na fila, e em uma barbearia, duas ou tr�s sendo atendidas. A gente teve que fechar um pequeno com�rcio, mas n�o tinha poder contra grandes institui��es financeiras. Sabemos que temos que combater o coronav�rus, mas n�o podemos acabar com os meios de subsist�ncia da popula��o, pois a dignidade das pessoas depende tamb�m dela.


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