
Sobreviver, em mais de um sentido, � pandemia de COVID-19 n�o vem sendo f�cil. Ainda mais para quem j� tem a sa�de f�sica, mental e financeira fragilizada por outra trag�dia, como � o caso das v�timas do rompimento da barragem de rejeitos de Fund�o, em Mariana, que devastou as comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, provocando bem mais que perdas materiais em novembro de 2015.
Muitas das fam�lias atingidas ainda n�o conseguiram retomar a vida. E agora t�m de encarar o desafio de se proteger da contamina��o pelo novo coronav�rus, que j� provocou a morte de mais de 90 mil pessoas no Brasil e contaminou mais de 900 s� no munic�pio cuja sede faz parte do patrim�nio hist�rico brasileiro.
“O rompimento foi uma coisa muito tensa, a gente n�o consegue nem sonhar mais. Estamos aqui esperando a vontade deles (da Funda��o Renova, institui��o criada para conduzir a repara��o e compensa��o dos danos causados pelo desastre). A gente fica no centro vendo todo mundo que est� em volta ganhando dinheiro. Afinal, se resolver, acaba a festa (dos funcion�rios da institui��o). J� s�o cinco anos e n�o resolvem nada. Gastam mais para deixar as coisas como est�o do que para resolver os problemas”, afirma Marino D’�ngelo, que tinha propriedades rurais tanto em Paracatu de Baixo quanto em Paracatu de Cima.
Ele passou a morar de aluguel em um s�tio em outro distrito de Mariana, �guas Claras. � l� que, ao lado da mulher e dois filhos, uma jovem de 22 anos e um menino de 8, que tenta se proteger de outra amea�a, que n�o � vis�vel como os rejeitos da minera��o, mas que pode ser t�o letal quanto, o novo coronav�rus. “A gente est� tentando fazer nossa parte, estamos isolados. A expectativa � que, caso contaminados, j� tenha tratamento ou rem�dio. Uma vez ou outra a gente vai � cidade, � obrigado a ir, mas tomando todos os cuidados. Tudo que a ci�ncia oriente a gente segue. At� porque sou do grupo de risco, desenvolvi v�rias doen�as desde o rompimento da barragem, como diabetes, press�o alta, depress�o. Minha esposa ficou hipertensa e tem s�ndrome do p�nico. Meu sogros s�o de idade, meus pais tamb�m. Temos de tomar muito cuidado”, explica ele, que era saud�vel e bem disposto e hoje, mesmo tomando medicamentos por orienta��o m�dica, se v� muitas vezes desanimado para realizar tarefas simples.
H� reclama��es, inclusive, de que a Renova esteja se aproveitando da pandemia de COVID-19 para pressionar as v�timas da trag�dia a aceitarem acordos. “Tarde da noite, a media��o contratada pela Renova envia, pelo WhatsApp, uma proposta mesquinha de indeniza��o a um atingido, que, indignado, responde � mensagem com reclama��es diante do desrespeito. Sem pestanejar, a Renova recomenda que a fam�lia envie um e-mail de recusa da proposta. Com esse modus operandi, a Funda��o ignora a dignidade das pessoas que, h� tanto tempo, aguardam e lutam por uma indeniza��o justa”, afirmam integrantes da C�ritas, uma organiza��o social que presta assessoria t�cnica �s pessoas atingidas.

"Estamos bem na medida do poss�vel. Vivendo essa espera de resgatar a nossa dignidade"
Marino D'�ngelo, agricultor que perdeu propriedade rural no desastre
Segundo essas pessoas, � clara a t�tica de “vencer pelo cansa�o” por parte das mineradoras. Ainda mais porque sabem que a maioria dos atingidos est� cada vez mais fragilizada pelo distanciamento social e a pr�pria incerteza sobre os rumos da pandemia, que n�o parece nem perto de acabar.
“O desrespeito aos direitos das fam�lias atingidas durante a pandemia se estende aos atendimentos remotos sobre reassentamento. Foi acordado entre Funda��o Renova, atingidos, assessoria t�cnica da C�ritas e Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG) que Renova envie, toda sexta-feira, at� as 12h, a agenda de atendimentos, para que a Assessoria T�cnica possa acompanhar as fam�lias que assim desejarem. No entanto, nem sempre a Renova cumpre esse prazo e, al�m disso, tem feito revis�es nas agendas ao longo da semana, o que por si j� � uma viola��o do acordo. Houve semanas em que foram enviadas at� tr�s vers�es da agenda”, diz texto de membro da C�ritas.
De acordo com o mesmo texto, “a situa��o se agravou ainda mais durante a pandemia e a Renova tem mudado a data da reuni�o para o dia anterior ao agendado, ou pior, tem feito a videochamada para a fam�lia no mesmo dia, por�m em hor�rio anterior ao combinado. Com isso, realiza as reuni�es sem informar a Assessoria T�cnica, inviabilizando a participa��o de assessoras e assessores da C�ritas. Trata-se de um grave desrespeito ao direito ao assessoramento t�cnico dessas fam�lias.”
Diante de tudo o que vem ocorrendo, Marino � lac�nico quando perguntado pela reportagem, dois meses depois do primeiro contato, se ele e a fam�lia est�o bem: “Estamos bem na medida do poss�vel. Vivendo essa espera de resgatar a nossa dignidade, ter a nossa identidade de volta”.
Testagem
A Prefeitura de Mariana n�o tem levantamento espec�fico sobre contamina��o por COVID-19 entre os atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos. Mas tem procurado aumentar o n�mero de testes para poder combater a dissemina��o da doen�a, que j� tirou a vida de 11 cidad�os no munic�pio, segundo o �ltimo boletim local, divulgado no s�bado, que registra 903 casos confirmados da doen�a.
Ao menos as obras de reassentamento dos ex-moradores de Bento Rodrigues, que estavam paradas desde 23 de mar�o, retornaram em 15 de junho. As entregas das novas moradias est�o previstas pela Justi�a para janeiro de 2021.
Contato remoto � medida de seguran�a, diz institui��o

J� quanto �s acusa��es de estar se aproveitando da pandemia para conseguir acordos mais vantajosos, a entidade nega e diz que tudo est� sendo feito para proteger os envolvidos. “A Funda��o Renova esclarece que adotou o atendimento remoto em Mariana como uma das medidas de preven��o e seguran�a para reduzir a dissemina��o da COVID-19. Est�o sendo atendidas as pessoas cadastradas que tenham seu dossi� da C�ritas liberado para a Funda��o ou que manifestaram o interesse em serem atendidos antes do dossi� e as que possuem a��o judicial. Com o atendimento remoto, a Funda��o Renova trabalha para dar continuidade ao processo de repara��o e reduzir o risco de cont�gio de atingidos, funcion�rios e parceiros nos territ�rios onde atua. Neste momento, o atendimento remoto foi ampliado tamb�m aos atingidos que n�o est�o representados por advogado particular”, diz, em nota.
Segundo a Renova, as ferramentas que permitem comunica��o a dist�ncia s�o usadas para facilitar o trabalho. Mas os “atingidos que preferirem o atendimento presencial poder�o aguardar a reabertura dos escrit�rios, o que, neste momento, n�o tem previs�o de ocorrer”. J� sobre o fato de algumas pessoas terem sido contatados fora do hor�rio comercial, a Renova diz que isso s� ocorre “excepcionalmente e a pedido do atingido, nos casos de indisponibilidade da fam�lia em hor�rio comercial”, sendo que reuni�es podem ser agendadas em hor�rio diverso, “conciliando as agendas”.
Ainda segundo a instui��o, “a Comiss�o de Atingidos, a C�ritas, a Defensoria P�blica e o Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG) foram informados formalmente sobre o in�cio dos atendimentos remotos para indeniza��o em Mariana”. A Renova sustenta ainda que, “como praticado nos atendimentos presenciais, os agendamentos de indeniza��o s�o encaminhados semanalmente pela Funda��o Renova � Comiss�o de Atingidos e C�ritas, mediante autoriza��o pr�via dos atingidos. O acompanhamento por um assessor Jur�dico da C�ritas � solicitado pelo pr�prio atingido”. O texto informa ainda que “o envio da rela��o de agendamentos semanais n�o vincula acompanhamento por assessor jur�dico nas reuni�es de negocia��o de indeniza��o” e que “a proposta pode ser avaliada livremente pelo atingido, se aceita ou recusa a indeniza��o ofertada pela Funda��o Renova. H� um prazo final de um ano para conclus�o dessas negocia��es contado a partir do recebimento do dossi� do atingido pela Funda��o Renova”.
A Renova informa ainda que, em Mariana, o pagamento de indeniza��es passou por processo diferente do ocorrido no restante da regi�o impactada, em raz�o de diversos fatores, que incluem o ajuizamento de a��o civil p�blica pelo Minist�rio P�blico e as decis�es dos pr�prios atingidos, que escolheram que o cadastro fosse realizado pela Assessoria T�cnica C�ritas. “Em respeito a essa decis�o, a Funda��o Renova n�o iniciou o processo de pagamento das indeniza��es na regi�o antes de um acordo no �mbito da a��o civil p�blica. O acordo foi ratificado pelo Tribunal de Justi�a de Minas Gerais (TJMG) e pelo Centro Judici�rio de Solu��o de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da comarca de Mariana, em outubro de 2018”, argumenta.
