
Belo Horizonte est� prestes a passar por mais um teste de fogo no enfrentamento ao novo coronav�rus. A flexibiliza��o do funcionamento de setores considerados mais sens�veis para o risco de cont�gio pela COVID-19 – academias e cl�nicas de est�tica, que reabrem nesta segunda (31), e bares e restaurantes, liberados para vender bebidas alco�licas a partir do dia 4 – encontrar� uma parcela da popula��o farta do distanciamento social e ansiosa por retomar atividades que eram rotina da pandemia.
O movimento intenso no domingo (30) de pessoas na orla da Lagoa da Pampulha e em pra�as � sinal claro disso. Uma inquieta��o que explode em redes sociais, onde a express�o “fadiga da quarentena” – ou alguma de suas incont�veis varia��es – se torna cada vez mais frequente. Tanto da parte de quem assume j� n�o conseguir ficar quieto em casa, quanto dos que, obedecendo aos alertas de que o risco permanece, mant�m-se recolhidos e se sentem desrespeitados pelos “loucos para aglomerar”.
O empres�rio Mozart Gomes, de 34 anos, pertence ao segundo grupo. Ele n�o abre sua loja de jogos de tabuleiro desde mar�o, e mant�m com a esposa uma rotina rigorosa para evitar a infec��o pela COVID-19, que j� contaminou 33.092 pessoas e matou outras 968 na capital mineira. Mesmo com a flexibiliza��o do com�rcio, Mozart mant�m a decis�o de alugar e vender jogos com hora marcada, para impedir as aglomera��es.
“Meu n�vel de estresse est� extremo, n�o por causa do isolamento, mas pelas pessoas que s�o ego�stas e n�o ajudam a melhorar. Se l� em mar�o elas tivessem ficado 15 dias em casa, s� 15 dias, as coisas n�o estariam assim”, queixa-se. “De l� para c� o que eu vejo s�o pessoas irrespons�veis e ego�stas, sem um pingo de consci�ncia. Que acreditam que � tudo brincadeira, briga pol�tica, press�o da m�dia. Se essa situa��o est� acontecendo no mundo inteiro, por que s� o Brasil tem que ser diferente?”, questiona.
De fato, � praticamente imposs�vel n�o conhecer algu�m que n�o tenha desrespeitado medidas de seguran�a ou questionado a exist�ncia ou o alcance da doen�a. No mundo virtual, se multiplicam relatos de pessoas que podiam ficar em casa, mas desistiram da quarentena ou acabaram “furando” a reclus�o por algum motivo. E tamb�m h� quem, como Mozart Gomes, se revolte ao ver a desobedi�ncia.
Eu sinceramente desisti
%u2014 @rafael_colorado (@rafaelcolorad17) July 19, 2020
Me sinto um trouxa de estar fazendo o isolamento e quando saio pra ir trabalhar e vejo muitas pessoas seguindo como se nada estivesse acontecendo
Isso me irrita muito pq pessoas est�o perdendo seus empregos por conta desses que n�o se cuidam
Mas o que nos trouxe at� essa polariza��o? “As explica��es correntes t�m sido de que a gente n�o aguenta permanecer em um estado de vigil�ncia, de aten��o constante – porque � estressante. Da� come�amos a relaxar”, explica o professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Paulo Evangelista. Ele estuda e leciona psicologia existencial e tamb�m � um dos coordenadores do servi�o de plant�o psicol�gico que atende � comunidade acad�mica.
“Evidentemente que esse relaxamento nos coloca em risco, a n�s e �s pessoas � nossa volta. E por isso devemos considerar o quanto as coisas � nossa volta v�o contribuindo para formarmos esse senso de realidade que vai promovendo esse relaxamento”, alerta o especialista. “Olhamos ao nosso redor e parece mesmo que tem mais gente na rua, as coisas est�o voltando ao normal. Vemos informa��es de que n�o � t�o grave, que j� pode voltar, informa��es desencontradas que v�o contribuindo para que a gente relaxe. O termo fadiga fala de um cansa�o de manter-se em vig�lia, mas ele pode sinalizar esse comportamento de relaxamento e entrega a uma certa sensa��o de normalidade, que desconsidera a amea�a que o coronav�rus �”, pontua.
"Furei a quarentena" hoje. Fui ver uma pessoa querida, com distanciamento social, banho de �lcool, o escambau. No fim dei e recebi meu primeiro abra�o em tr�s meses. Quem t� em isolamento estrito que me perdoe, vcs s�o melhores que eu, mas se n�o fosse isso eu teria enlouquecido.
%u2014 Bemfica de Oliva %u267F%u26A2%u26A7 (@jornautista) August 3, 2020
Observando os n�meros e relatos dispon�veis, quem defende o rigor do isolamento pode pensar que o medo da morte devia ser o suficiente para evitar que as pessoas abandonassem a reclus�o. Mas o professor Paulo Evangelista destaca que esse enfrentamento � inerente � condi��o humana. “Poder�amos considerar que o medo da morte raras vezes prevalece. Em certo sentido, � necess�rio que seja assim. Se pensarmos em termos das grandes civiliza��es humanas, todas elas s�o formas de enfrentamento desse medo”, analisa.
Mas ele faz um alerta: “Isso n�o quer dizer que seja ato de coragem ir para a rua, n�o se cuidar direito. � preciso entender que isso que recebe o nome de ‘fadiga de isolamento’, sem d�vida alguma � fruto de uma sensa��o de que eu n�o me cuido e n�o me acontece nada”. Isso parece ser o que encoraja pessoas que t�m furado a quarentena ap�s verem familiares ou vizinhos que n�o se protegem e teoricamente n�o se contaminam. Essa falsa sensa��o de seguran�a tamb�m tem explica��o.
“A gente processa, escuta, entende e reconhece informa��es que tendem a ser condizentes com o que j� � nossa predisposi��o, que confirmam o que sentimos e acreditamos. Em raz�o disso, a gente acaba tendo uma facilidade maior tamb�m para desconsiderar uma s�rie de outras informa��es. Por exemplo, temos a informa��o da letalidade do coronav�rus, mas ela n�o � necessariamente assimilada, processada, compreendida e transformada em mais um elemento de autocuidado para muitos de n�s”, afirma o professor. “Todos temos essa tend�ncia a processar as informa��es assim, e esse estado de constante estresse, ansiedade e amea�a favorece tamb�m o relaxamento desse cuidado”, acrescenta.
brasil � o pais da:
%u2014 Leumas | de luto (@deutschsamukka) July 29, 2020
- normaliza��o da morte
- normaliza��o da quebra de quarentena
- normaliza��o do fim do isolamento
- normaliza��o de qualquer desgra�a
- normaliza��o da troca do bem da coletivo pelo seu bem estar individual
serio msm, eu sei la pq ainda n desisti desse pa�s
Nesse sentido, o excesso de informa��es aparentemente contradit�rias e tamb�m a “desinforma��o”, at� por parte de autoridades, acaba piorando o cen�rio. “As not�cias que dizem que n�o � nada, que � uma gripezinha, favorecem esse comportamento de deixar para l� e n�o se cuidar”, destaca o professor de psicologia da UFMG. “Chegam a n�s o tempo inteiro not�cias e informa��es de que � um v�rus que n�o devia ser levado a s�rio, e chegam informa��es sobre a gravidade dele. Tem a ver com o (mundo) digital, que coloca todo tipo de informa��o � nossa disposi��o. Isso exige muito mais aten��o, muito mais esfor�o para ler, entender, processar, tirar a pr�pria conclus�o, o que � algo muito exaustivo. Acaba favorecendo tamb�m que essas informa��es sejam processadas do jeito mais autom�tico, menos cr�tico e menos atencioso”.
E os que s�o obrigados a sair?
O especialista da UFMG faz quest�o de alertar que a situa��o de quem acaba sendo obrigado a sair de casa para trabalhar � mais complexa, e cria uma condi��o de maior ansiedade. “A pessoa raciocina: ‘Se eu fico em casa me protegendo do v�rus, estou ao mesmo tempo cuidando para que eu morra de fome no futuro, para que minha empresa feche, para que isso gere d�vida’”, exemplifica Paulo Evangelista. Segundo ele, isso amplia a sensa��o de necessidade de agir, em detrimento do cuidado. “Uma vez na rua, a pessoa pode tomar os cuidados necess�rios, mas, de novo, entra nesse clima de amea�a constante, que � exaustivo. E da� acaba relaxando. O modo de suportar essa ansiedade constante � amenizando-a. O que acaba refor�ando ainda mais a sensa��o de vida normal”, diz o professor da UFMG. acabou o coronavirus no brasil todo mundo indo pra parque praia fazendo festa que lindo este momento %uD83D%uDE4F%uD83D%uDE2D%uD83D%uDE4F%uD83D%uDE2D
%u2014 tuco terrorista (@victordurau) August 8, 2020
Apesar de todas as press�es, o professor de psicologia destaca que as pessoas n�o devem se esquecer de que n�o est�o colocando somente a si mesmas em risco. “Ao meu ver, a quest�o mais interessante e mais complicada da pandemia � o quanto ela tem revelado sobre nossa conex�o com os outros. N�o estou s� pondo a minha vida em risco, mas a possibilidade de contra��o do v�rus coloca muita gente com quem eu tenho contato em risco. Contato direto, mas tamb�m com as pessoas com quem cruzo pela rua. Se eu estiver infectado, h� grande potencial de eu disseminar isso”, enfatiza.
O dilema da hiperconviv�ncia
Outros fatores que entram no dilema entre se manter recolhido ou sair de casa t�m a ver com rela��es familiares. Para quem est� sob o mesmo teto, diz o professor de psicologia Paulo Evangelista, o aumento da conviv�ncia pode promover o surgimento de conflitos que antes ficavam velados, devido � multiplicidade de rela��es que as pessoas tinham. “Algumas situa��es eram at� f�ceis de relevar quando se podia sair, conversar com outras pessoas, ter outros climas de rela��o. Uma vez que n�o se tem essa possibilidade, as dificuldades da conviv�ncia v�o crescendo, porque v�o se tornando a �nica ou uma das poucas situa��es que a pessoa vai enfrentando”, analisa.A conjun��o de fatores tamb�m afeta os idosos, que podem sentir perda de autonomia. “N�o podemos deixar de lado o fato de que a preocupa��o com a sa�de dos meus pais ou dos meus filhos aponta para um bem querer deles, querer que continuem bem. Mas, se a conviv�ncia faz com que essa rela��o preocupada com o outro fique o tempo inteiro em primeiro plano, esse cuidado e prote��o se apresentam como vigil�ncia”, diz Evangelista.
“Da� a vontade, muito compreens�vel, que d� de, para evitar essa vigil�ncia e cuidado intensos, sair de casa ou fugir. Isso vale para os velhinhos, ou para todo mundo que acaba encontrando raz�es, como ‘Preciso comprar a��car’, para sair de casa e ir ao supermercado. Mas o que est� realmente em jogo � poder sair um pouco dessas rela��es”, analisa o psic�logo.
Mano sim! Infelizmente n�o pude impedir a festa que fizeram pra minha av� na semana passada. Mas n�o fui. E provavelmente pra alguns familiares ainda sou o errado da hist�ria https://t.co/8AhLyrde1B
%u2014 Eduardo Cordeiro (@oeducordeiro) August 30, 2020
Outro fator afeta pessoas que est�o isoladas e sofrem cobran�as para se fazerem presentes fisicamente, seja comparecendo � festa de anivers�rio de um parente ou encontrando a pessoa com quem t�m um relacionamento, mesmo no meio da pandemia. “Se j� n�o houvesse ‘sinucas de bico’ o bastante na pandemia, entra mais essa: precisar escolher do que abrir m�o. Eu abro m�o de uma rela��o, perco algu�m que amo em nome de preservar a minha sa�de e a da comunidade, ou eu me coloco em risco em nome do amor? � um dilema muito complicado. e que n�o tem uma resposta direta”, avalia o professor Paulo Evangelista.
Perceber a hora de buscar ajuda
Em meio a tantas press�es e decis�es, o cuidado espec�fico com a sa�de mental n�o pode ser deixado de lado em benef�cio apenas da sa�de f�sica. O c�rebro precisa de aten��o, assim como qualquer outra parte do corpo, e cuidar dele �s vezes demanda aux�lio profissional. “Eu recomendo fortemente �s pessoas que estiverem se sentindo mal, estressadas, deprimidas, ansiosas, que procurem ajuda especializada – psic�logos, psiquiatras se for o caso –, para buscar modos individuais de enfrentamento da situa��o, e mesmo para poderem considerar quais aspectos j� existiam e agora est�o acentuados com o isolamento social e a pandemia”, orienta Evangelista.
E para quem chegou at� a ser alvo de piadas e estranhamento por um dito “exagero” nas medidas de seguran�a, tamb�m h� um conselho. “� ruim, de fato, mas n�o chega a afetar se eu estiver ancorado numa sensa��o de que o que estou fazendo faz sentido. Eu estou certo daquilo que estou fazendo, ou estou fazendo por h�bito, por conveni�ncia? Se eu estiver sustentado pela sensa��o de o que minha conduta faz sentido, eu suporto essa zombaria”, conclui o especialista.
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O que � o coronav�rus
Coronav�rus s�o uma grande fam�lia de v�rus que causam infec��es respirat�rias. O novo agente do coronav�rus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doen�a pode causar infec��es com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
V�deo: Por que voc� n�o deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp
Como a COVID-19 � transmitida?
A transmiss�o dos coronav�rus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secre��es contaminadas, como got�culas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal pr�ximo, como toque ou aperto de m�o, contato com objetos ou superf�cies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.V�deo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronav�rus?
Como se prevenir?
A recomenda��o � evitar aglomera��es, ficar longe de quem apresenta sintomas de infec��o respirat�ria, lavar as m�os com frequ�ncia, tossir com o antebra�o em frente � boca e frequentemente fazer o uso de �gua e sab�o para lavar as m�os ou �lcool em gel ap�s ter contato com superf�cies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.V�deo: Flexibiliza��o do isolamento n�o � 'liberou geral'; saiba por qu�
Quais os sintomas do coronav�rus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas g�stricos
- Diarreia
Em casos graves, as v�timas apresentam:
- Pneumonia
- S�ndrome respirat�ria aguda severa
- Insufici�ncia renal
V�deo explica por que voc� deve 'aprender a tossir'
Mitos e verdades sobre o v�rus
Nas redes sociais, a propaga��o da COVID-19 espalhou tamb�m boatos sobre como o v�rus Sars-CoV-2 � transmitido. E outras d�vidas foram surgindo: O �lcool em gel � capaz de matar o v�rus? O coronav�rus � letal em um n�vel preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar v�rias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS n�o teria condi��es de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um m�dico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronav�rus.Coronav�rus e atividades ao ar livre: v�deo mostra o que diz a ci�ncia
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