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Estado de Minas EDUCA��O

Ensino remoto � prova de fogo tamb�m para professores

Se as aulas on-line desafiam alunos, para educadores a li��o � ainda mais dif�cil: al�m de encarar a novidade, eles temem pelo emprego e enfrentam dificuldades dos pr�prios filhos na escola


07/09/2020 07:00 - atualizado 07/09/2020 08:23

Com a escola 'dentro de casa', professora desabafa: 'Tive que comprar webcam, mouse, aumentar minha internet, tudo isso com 30% de salário a menos'(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Com a escola 'dentro de casa', professora desabafa: 'Tive que comprar webcam, mouse, aumentar minha internet, tudo isso com 30% de sal�rio a menos' (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Fam�lia, obriga��es dom�sticas, trabalho. N�o necessariamente nessa ordem de prioridade e, em tempos de pandemia, tudo ao mesmo tempo. A rotina se tornou comum a in�meros lares, que agora t�m escrit�rios e escolas dentro de casa.

Mas, e quando esses tr�s ambientes se tornam a mesma coisa? E quando ainda � preciso abrir par�nteses para tamb�m receber o col�gio das crian�as pela tela do computador?

N�o menos complicado que o cotidiano de tantos brasileiros, o dos professores ganha contornos especiais com sobrecarga de atividades, um modo de trabalho in�dito e, n�o raro, o desafio de viver os dois lados: dar aulas e orientar alunos e seus familiares, enquanto sentem na pele, com os pr�prios filhos, os mesmos desafios enfrentados pelos pais dos estudantes

Em um momento no qual o abismo da educa��o brasileira se torna ainda mais evidente e exacerbado, o Estado de Minas ouviu quem est�, mais do que nunca, na linha de frente do ensino para mostrar ang�stias, o medo de perder o emprego, as dificuldades pessoais e profissionais e a dedica��o para tentar romper barreiras do magist�rio. E a sensa��o � de que, entre os professores, a incerteza domina as mais variadas situa��es. 

Eles tiveram de se adaptar a uma nova rotina de um dia para outro. As novas formas de dar aula ainda passam por transforma��es quase semanais nas escolas, que buscam a maneira mais adaptada de se conectar aos estudantes por meio de aplicativos, aulas gravadas e ao vivo, corre��es a dist�ncia.

Em um modelo de educa��o considerado arcaico, a moderniza��o – cujas discuss�es j� eram debatidas, embora sem avan�ar significativamente – est� sendo feita “na marra”, com responsabilidade mais do que nunca atribu�da ao professor. 

Para dar conta das mais recentes exig�ncias, o desafio n�o � s� profissional; � tamb�m econ�mico: foi preciso aumentar a capacidade da internet em casa, melhorar o computador, ter um celular mais potente, comprar materiais para as aulas – um custo que n�o � dividido com os col�gios. Al�m disso, na rede particular, os professores de muitas escolas se veem diante de outro baque: redu��o de carga hor�ria e de sal�rio.

Foi o que ocorreu com Paula (nome fict�cio), professora da educa��o infantil em um col�gio na Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, que, como outros, prefere n�o se identificar, por medo da repercuss�o na escola e entre os pais. A institui��o em que trabalha s� recentemente adotou o ensino remoto. At� ent�o, as atividades eram disponibilizadas para ser buscadas na escola ou enviadas por e-mail. 

A transi��o n�o foi tranq�ila. “Na escola dos meus filhos, por exemplo, as professoras tiveram treinamento em mar�o e abril para trabalhar na plataforma virtual. J� n�s n�o tivemos treinamento nem acesso a nenhuma equipe de TI (tecnologia da informa��o). Tive um fim de semana para preparar minha aula on-line. N�o sabia nem mexer no Zoom (aplicativo de videoconfer�ncia). E tudo isso com dois meninos em casa. Sou eu quem cozinha, arruma a casa, cuida deles”, enumera.

A isso se somaram aulas tr�s vezes por semana, mais o planejamento, pesquisa de v�deo, atividades escritas... “Quando est�vamos fazendo aulas gravadas, fazia com meu celular e pagava do meu bolso algu�m para editar. Quando os v�deos n�o eram aprovados, tinha que regravar e pagar de novo a edi��o, pois no celular n�o fica bom”, conta.

O filho da educadora que est� no 4ª ano do fundamental tem aula pela manh� e, tr�s vezes por semana, tamb�m � tarde. “Acordo cedo, o acompanho, dou almo�o, banho, lanche. �s 15h, tenho que terminar toda a minha parte pessoal para preparar as aulas. Fa�o os planos de aula � noite, depois que os dois dormem”, relata.

“Tive que comprar webcam, um mouse, aumentar minha internet, tudo isso com 30% de sal�rio a menos, para dar aula on-line. E ainda precisei pagar uma pessoa para me ensinar a usar o programa que o col�gio adotou”, diz.

“Estou trabalhando 10 vezes mais. Fico muito desgastada, sobretudo pelos conflitos pedag�gicos com a escola. Isso se reflete na aula, na minha motiva��o. O ser humano n�o � s� f�sico, � muito emocional. Emocional, sal�rio reduzido, cobran�a triplicada, pois os pais cobram da escola e a escola, do professor... E quando a cobran�a � com a gente, o tom muda”, afirma. “O �nico apoio que estou recebendo � das crian�as, quando entro on-line e recebo o carinho delas.”

Montanha-russa de obriga��es


A professora Rebeca (nome fict�cio) enfrentou v�rias mudan�as  nesta pandemia para adequar as aulas � turminha do maternal 3 tamb�m em uma escola da Regi�o Centro-Sul de BH. Come�ou com rotina escrita enviada aos pais, que mudou para aulas di�rias gravadas, passou para tr�s vezes por semana e, a partir de junho, gravadas e ao vivo.

O contato direto com os pequenos se d� uma vez por semana, por causa da redu��o da carga hor�ria. “Nunca se precisou tanto de um bom computador e de um �timo telefone. Tenho hor�rios e despertador para tudo o que se pode imaginar. N�o consigo mais usar a minha agenda. S� o computador”, conta.

E n�o � para menos. Al�m da escola, Rebeca agora � consumida 24 horas por dia pela rotina da fam�lia: uma filhinha de 2 anos que tamb�m tem sua aula on-line, marido, casa, os cuidados de sa�de com a m�e acamada... E as aulas, planejamentos e os “extras”. “Toda hora � uma reuni�o, uma live, um curso, as obriga��es que a coordena��o passa. S�o relat�rios, presen�a, dar aten��o aos pais mais do que nunca”, relata.

A rotina desgastante � acrescida de outra preocupa��o: o risco de perda do emprego. De 18 crian�as, hoje ela d� aula para oito. “Est�o fazendo de tudo para n�o fechar a educa��o infantil. Todo dia levanto e agrade�o por ainda estar empregada. Estamos vivendo o dia, o momento atual. N�o podemos planejar nada, pois n�o sabemos como ser� o amanh�. Fico apreensiva e fazendo o melhor.”

Com a filha, o desafio � duplo. “Ela tamb�m quer aten��o, quer brincar, passear no jardim de casa”, diz. A aula das 16h coincide, muitas vezes, com a hora do sono, por isso, depois, Rebeca se senta com a menina para mostrar as aulas gravadas e fazer as atividades, aproveitando as brincadeiras cotidianas para inserir as propostas passadas pela professora da filha.

Nas p�blicas, dificuldade muito al�m da pedagogia


Se na rede particular a press�o � grande, inclusive para manter alunos, na estadual, ficou a cargo de cada escola e professor complementar ou n�o o conte�do repassado via Rede Minas, a TV estatal.

Quem optou por manter ativos o contato e a rotina com os alunos tamb�m vive uma sobrecarga e a transfer�ncia, para a vida privada, do cotidiano escolar de centenas de alunos, de v�rias turmas, muitas vezes de mais de uma escola.

Os problemas pessoais e familiares dos estudantes – muitas vezes o educador se torna um confidente e a sala de aula, ref�gio – est�o agora em tempo integral estampados na tela do celular.  

Com 240 alunos, a professora Camila Hespanha Almeida, de 39 anos, que leciona ci�ncias do 6º ao 9º ano, teve que mergulhar no mundo da tecnologia para preparar as aulas da Escola Estadual Padre Jo�o Botelho, no Bairro Ind�strias I, na Regi�o do Barreiro, em Belo Horizonte. “N�o temos obriga��o de montar aulas, porque elas est�o prontas e isso facilita o planejamento. Vejo a videoaula antes e seleciono v�deos que eu mesma crio a partir de um aplicativo.”

Na escola, cada educador “apadrinhou” uma turma para ser o professor de refer�ncia. Pelo WhatsApp, eles cobram atividades, presen�a, mandam recados da coordena��o e de professores de outras disciplinas. “Esse meio � bom, pois ter grupos com todas as turmas seria imposs�vel. Mas, independentemente disso, tenho que responder para minhas oito turmas.”

Na monitoria, �s quintas-feiras, a professora responde a d�vidas e posta v�deos complementares. “Parece algo simples, mas ocupa nosso tempo todo. Foi dif�cil entrar no ritmo. Ensinamos acesso ao Google Sala de Aula para alunos que n�o sabiam nem o que � Gmail. Um ou outro ainda tem dificuldade de acesso e recebe as apostilas. Mas o aluno que � batalhador, que quer fazer, entrega tudo pronto. Tem classe de 9º ano com 100% dos estudantes na sala virtual. Tem outras com 20% de faltosos”, conta. “Dentro de sala tem aluno que n�o quer, mesmo se voc� estiver dando a melhor aula do mundo. Nas teleaulas, percebo o mesmo.”
  
Antes, Camila trabalhava enquanto o filho Daniel, de 8, estudava. Agora, dividem o mesmo ambiente de escola. “Tento fazer uma rotina para cada um. Mas n�o sei mais o que � almo�ar, cuidar da casa e do meu filho sem estar trabalhando. Porque, se eu desligo por uma horinha que seja, quando olho novamente tenho um monte de mensagens”, diz.

Impacto
tamb�m nas coordenadas pessoais. “Antes, nenhum aluno tinha meu n�mero de celular. Agora, � o meio de comunica��o. Teve um dia em que �s 23h30 recebi 18 mensagens de uma aluna. Isso consome a gente”, afirma.  

No estado, n�o est�o sendo contabilizadas notas, apenas presen�as, por meio dos planos de estudos tutorados (PET). Cada PET tem quatro semanas de estudo e no fim de cada apostila o professor entrega � escola documento informando quais semanas o aluno fez, o que se converte em presen�a. Por isso, a parte pedag�gica significa ainda correr atr�s dos estudantes.

“Aluno que n�o entrega a atividade est� no grupo dos evadidos. Tem menino no grupo de WhatsApp que n�o responde a mensagem. No presencial, marcamos a presen�a com a observa��o de que n�o fez atividade. Com teleaula, s� com entrega de atividade. E alguns estudantes est�o demorando para entender a import�ncia da frequ�ncia.”

Toda essa obriga��o tem de ser cumprida sem descuidar da escola do filho. E paralelamente � participa��o de reuni�es com coordena��o, com pais e de palestras com psic�logos. “Vivo os dois lados, e o pior: ao mesmo tempo.”  

‘Tem aluno que me chama � meia-noite’


N�o s� entre professores, mas tamb�m entre os estudantes da rede estadual a rotina precisou ser adaptada. Tem aluno que s� faz as atividades do PET nos fins de semana, outros � noite, quando o pai chega com o telefone.

E � nessa hora que muitos acionam a professora Edv�nia Aguiar, de 44, que d� aulas de portugu�s e literatura na Escola Estadual Padre Jo�o Botelho e na Escola Sandoval Soares de Azevedo, em Ibirit�, na Grande BH, para mais de 300 adolescentes. “Tem aluno que me chama � meia-noite. Abro a tela com ele e resolvemos. No presencial tamb�m sou assim. � um cansa�o bom, porque tenho a sensa��o de ter feito o que pude”, afirma. 

M�e, ela se desdobra entre controlar a ansiedade do filho de 21 anos, aluno do curso de qu�mica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e acompanhar os afazeres do menor, de 10, aluno do 5º ano do fundamental da Jo�o Botelho. A velocidade da internet em casa teve de dobrar. “Isso o estado n�o v�. Mas est� mais barato que em sala de aula, porque l� temos que comprar tudo, pois nem folha a gente tem.”

Como madrinha, sempre chama a aten��o e cobra que fa�am atividade de outros professores. “Para pensar na forma��o completa do meu aluno, tenho que pensar tamb�m na forma��o do car�ter dele. Fico o dia inteiro correndo atr�s. Entro na plataforma, vejo pend�ncia e j� chamo cada um. Nessa fase, n�o lidam com a responsabilidade do estudo.”

Atleta de fisiculturismo, Edv�nia conta que s�o frequentes as vezes em que conversa com marido, alunos e treinador simultaneamente. Dorme pouco, acorda cedo, limpa casa, cuida das dietas e do visual. O cabelo moicano rosa � sensa��o entre os adolescentes, que se esbaldam durante os caf�s liter�rios, oportunidade de corrigir atividades e prosear sobre obras como as de Machado de Assis.

De “analfabeta digital”, passou a rainha dos v�deos. “Meus filhos e marido ajudam demais no quesito tecnologia, com planilhas e na cria��o de �cones e f�rmulas.” 

Educadores como Edvânia Aguiar se preocupam com estudantes, com a educação dos filhos e com as novidades: velocidade da internet dobrou e ela se desdobra para ser a 'rainha dos vídeos'(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press )
Educadores como Edv�nia Aguiar se preocupam com estudantes, com a educa��o dos filhos e com as novidades: velocidade da internet dobrou e ela se desdobra para ser a 'rainha dos v�deos' (foto: T�lio Santos/EM/D.A Press )


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