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Estado de Minas EMO��O

O homem que venceu duas pandemias

Seu Mundico deixou o hospital sob aplausos da equipe de sa�de. O que nem todos sabiam � que foi o segundo v�rus letal que o mineiro, hoje com 102 anos, derrotou


20/09/2020 07:00 - atualizado 20/09/2020 07:57

Momento em que o paciente centenário deixou o hospital foi de festa para toda a equipe de saúde. Enfermeiro, neto era interlocutor e fazia boletins para a família(foto: Hospital César Leite/Divulgação)
Momento em que o paciente centen�rio deixou o hospital foi de festa para toda a equipe de sa�de. Enfermeiro, neto era interlocutor e fazia boletins para a fam�lia (foto: Hospital C�sar Leite/Divulga��o)

Mineiro de Durand�, na Zona da Mata, trabalhador, alegre, em seus 102 anos de idade criou 12 filhos, tem 22 netos, 25 bisnetos, dois trinetos... A simples trajet�ria de vida de Raimundo Leonardo de Oliveira – seu Mundico, para os mais pr�ximos –, j� tem cap�tulos suficientes para uma grande hist�ria. Mas ela fica ainda maior quando se sabe que, al�m de superar todas as adversidades do dia a dia em sua exist�ncia mais que centen�ria, seu Mundico enfrentou – e venceu – simplesmente os dois maiores inimigos que a sa�de p�blica mundial encarou at� aqui em dois s�culos: a gripe espanhola, em 1918, e a COVID-19.     

 

Casado h� 75 anos com Nivercina Maria de Jesus, de 92, seu Mundico recebeu alta do Hospital C�sar Leite, em Manhua�u, tamb�m na Zona da Mata, no �ltimo dia 31. Foi a mais recente vit�ria inscrita no curr�culo do mineiro, obtida depois de ficar internado por 15 dias para tratamento da COVID-19. Vit�ria maior, porque foi compartilhada com a companheira de d�cadas, que tamb�m havia adoecido.

 

A sa�da do hospital teve a emo��o que o momento merecia: enfermeiros, m�dicos, funcion�rios e familiares festejaram bastante a vit�ria na luta de seu Mundico contra o coronav�rus. Um dia antes, dona Nivercina tamb�m havia recebido alta ap�s tratamento bem-sucedido contra a COVID-19. E o casal, com tantos anos de hist�ria junto, nem sabia que havia se curado praticamente ao mesmo tempo: ela estava internada em outro hospital, em Vit�ria, no estado vizinho do Esp�rito Santo.

 

De acordo com a neta e cuidadora de seu Mundico, Tatiana Cristina de Amorim, o av� segue em casa, recuperando-se muito bem. “Ele usa o oxig�nio s� em uma parte do dia, est� se alimentando normalmente, gosta de tomar leite e n�o dispensa o queijo. Sempre alegre, gosta de tomar sol na varanda, de conversar comigo ou com os filhos sobre lavoura de caf�... � a �rea em que sempre trabalhou, por isso � o assunto preferido dele”, explica.

 

Raimundo com a esposa, dona Nivercina, com quem está casado há 75 anos: internados em cidades distintas, eles tiveram alta com um dia de diferença(foto: Arquivo de família/Divulgação)
Raimundo com a esposa, dona Nivercina, com quem est� casado h� 75 anos: internados em cidades distintas, eles tiveram alta com um dia de diferen�a (foto: Arquivo de fam�lia/Divulga��o)
 

Uma vida de muitas batalhas

A vida de seu Mundico sempre foi a de homem batalhador, mas a vit�ria contra a COVID-19 ocorreu depois da segunda grande luta de sua vida. E a primeira ocorreu logo antes de completar o primeiro ano. Aos 9 meses de idade, o beb� Raimundo de Oliveira pegou a gripe espanhola, pandemia que assolava o planeta no in�cio do s�culo 20. Na �poca, morava em sua terra natal, Durand�, pequena cidade a 34 quil�metros de Manhua�u. Ele conta que a contamina��o ocorreu durante a amamenta��o, pois sua m�e tamb�m havia contra�do a doen�a.

 

Como na �poca a fam�lia n�o tinha recursos e morava na zona rural, m�e e filho n�o tiveram nenhum tipo de atendimento m�dico. At� porque, o deslocamento at� um hospital de alguma cidade vizinha era dif�cil e, em geral, feito a p�. Foram aproximadamente dois meses de conv�vio e sofrimento com a gripe espanhola. Em casa, m�e e filho s� puderam contar para se curar com os chamados rem�dios “da ro�a”: uma combina��o de ervas, ch�s e plantas que fazem parte da cultura do interior.

 

J� rapaz, mas ainda morando e trabalhando na lavoura, em 1945, aos 27 anos, seu Mundico se casou com Nivercina, na �poca com 17. Depois da uni�o, na cidade vizinha de Lajinha, o casal formou fam�lia: criou 12 filhos com dificuldade, sempre trabalhando na lavoura. Hoje, nove deles est�o vivos: o mais velho tem 72 anos e os mais novos – que s�o g�meos – 52.

 

Entre as muitas dificuldades enfrentadas pelo casal, a epilepsia diagnosticada no primog�nito foi das mais marcantes. Devido �s crises e dificuldades na cidade de interior, o filho foi internado em Cachoeiro de Itapemirim (ES). Tempos depois, o casal descobriu que ele havia morrido, e que acabou sendo sepultado como indigente. A cria��o dos ca�ulas g�meos foi outra batalha, pois os beb�s nasceram fracos, o que causou muito sofrimento ao casal.

 

Emocionado, um dos g�meos, Nelcimar Leonardo de Oliveira, fala com orgulho do homem forte, que derrotou duas pandemias, perdeu a vis�o para os anos, mas n�o perde a alegria. Ele n�o tem d�vida de que � um privil�gio ter um pai como seu Mundico, que sempre ensinou: “Conquistar as coisas da vida com trabalho e dignidade”. “Meu pai sempre est� alegre. Mesmo na dificuldade, no passado, manteve compromisso com a fam�lia. Antes da COVID-19, a gente n�o tinha dimens�o do que ele e a m�e dele, nossa av�, passaram em 1918. Tenho muito orgulho dele. Veja que, apesar de n�o enxergar, ele ainda � muito independente, l�cido e alegre. E nunca o ouvi levantar a voz. Agora, � hora de cuidarmos dele”, resume. 

A pandemia de 1918

A gripe espanhola – assim batizada devido ao grande n�mero de mortos na Espanha – apareceu em duas ondas em 1918. Na primeira, em fevereiro, embora bastante contagiosa, era considerada uma doen�a branda. Na segunda, a partir de agosto, se tornou mortal e devastou o mundo. No Brasil, o v�rus do tipo influenza chegou em setembro de 1918, a bordo de um navio ingl�s que desembarcou infectados em Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Em pouco tempo a doen�a se alastrou, primeiro por outras cidades do Nordeste e em S�o Paulo. Diante do desconhecimento de medidas terap�uticas, autoridades aconselhavam apenas que se evitassem aglomera��es. Com o avan�o da pandemia, sal de quinino, usado no tratamento da mal�ria e muito popular na �poca, passou a ser distribu�do � popula��o, mesmo sem qualquer comprova��o cient�fica de sua efici�ncia contra o mal. At� 1920, estima-se que o n�mero de mortos tenha ficado entre 17 milh�es e 50 milh�es de pessoas, v�timas de uma das maiores epidemias da hist�ria. No pa�s, estima-se que 65% da popula��o tenha adoecido.  

'A gente v� pessoas mais novas morrerem'

Enquanto seu Mundico esteve internado, o neto Am�s Vieira Gon�alves, que � enfermeiro no hospital em que o av� se tratava, era o elo com a fam�lia, passando not�cias di�rias sobre o paciente. Am�s admite que foi muito dif�cil estar na fun��o de familiar no mesmo local onde tinha a tarefa de cuidar dos doentes. “A gente v� pessoas mais novas morrerem por causa dessa doen�a, ent�o, ficamos apreensivos ao saber que meu av� estava com COVID-19”, conta.

 

Como trabalha em outro setor, ele n�o teve contato direto com o av� durante a interna��o. Mas sempre buscava not�cias com a equipe m�dica. “O meu av� teve boas respostas ao tratamento, est� l�cido. N�o precisou ser entubado, mas usou oxig�nio enquanto estava internado na UTI. Somente um dia, na enfermaria, � que houve uma altera��o, mas depois ele voltou ao normal. Os m�dicos disseram que as sequelas foram m�nimas, por isso que ele foi liberado para continuar a recupera��o com oxig�nio em casa”, comemora.

 

J� esposa de seu Mundico est� com mais dificuldades na recupera��o, e ainda tem algumas sequelas. A neta Tatiana explica que a av� ainda est� com a mente bem confusa, e com dificuldades para respirar. Em 1º agosto, a idosa apresentou os primeiros sintomas da doen�a, e foi internada em Vit�ria (ES). “Foi uma situa��o mais complicada para a fam�lia, pois eram tr�s horas de viagem para chegar ao hospital onde ela estava. Mas n�o tinha como ir, n�o podia ficar ningu�m com ela, ent�o as not�cias s� chegavam por telefone. E meu av� estava muito preocupado, perguntava todo dia por ela”, conta. Mal sabia seu Mundico que a esposa teria alta praticamente no mesmo dia dele. 

 


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