Enquanto falta efetivo aos bombeiros, concursados lutam por nomea��o
Militares enfrentam rotina extenuante com d�ficit de 2,5 mil oficiais, enquanto excedentes em concurso tentam se juntar � corpora��o
12/10/2020 06:00
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atualizado 12/10/2020 09:06
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P�tios vazios no 2� Batalh�o do Corpo de Bombeiros, em Contagem, evidenciam a forte movimenta��o dos combatentes: corpora��o cobra conscientiza��o da popula��o (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Em qualquer guerra, toda tropa precisa de armas. E armas precisam de pessoas para ser acionadas. Nas batalhas que Minas Gerais enfrenta contra o fogo ano a ano n�o � diferente. As queimadas aumentam de forma desenfreada, e, mesmo com apoio material, a quantidade de soldados n�o acompanha essa matem�tica. O estado apresenta um d�ficit de aproximadamente 2.500 militares nas fileiras do Corpo de Bombeiros. O resultado desse quadro � dram�tico: sobrecarga de trabalho dos guerreiros em campo.
H�, no entanto, uma leve esperan�a enquanto as cinzas caem sobre a vegeta��o devastada pelo fogo. No pr�ximo m�s, 500 pessoas aprovadas em concurso come�am treinamento para atuar no Corpo de Bombeiros.
Outras 248, que passaram em todas as etapas, mas n�o foram chamadas devido � limita��o de vagas imposta no certame, lutam para entrar na corpora��o e dividir o peso do calor extenuante com quem j� est� em campo.
Pela Lei estadual 22.415/15, deveriam compor a agenda de servi�o 7.999 pra�as e oficiais. Hoje, a institui��o alcan�a aproximadamente 70% dessa recomenda��o. E esses 30% faltantes ainda podem n�o ser suficientes. � o que aponta o presidente da Associa��o dos Pra�as Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais (Aspra/PMBM), subtenente Heder Martins de Oliveira.
Ele lembra que a National Fire Protection Association (NFPA), entidade que re�ne os bombeiros dos Estados Unidos, recomenda de 0,5 a 2,7 oficiais para cada mil habitantes. Em Minas, o n�mero rasteja na equival�ncia de 0,26 bombeiro por mil habitantes, j� que a popula��o gira em torno de 20,87 milh�es, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).
Inc�ndio na Serra do Cip�. Linha de fogo na Lapinha da Serra chega a 2 quil�metros de extens�o e necessita de brigadistas volunt�rios para ajuda no combate (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
“Serras do Curral, da Piedade, da Moeda, do Cip�. Tudo est� pegando fogo e a gente n�o tem efetivo suficiente. E o bombeiro � o mesmo para inc�ndio, salvamento, v�tima de acidente, enchente, soterramento. O fogo vai embora e daqui a pouco come�a a chuva”, alerta o militar.
No pr�ximo m�s, a corpora��o deve iniciar o Curso de Forma��o de Soldado (CFSd/2020) com 500 aprovados no concurso de 2019. O atraso ocorreu devido � pandemia do novo coronav�rus. “A estrutura da Academia de Bombeiros forma at� 1.500 (oficiais) se necess�rio. A quest�o � o governo definir que quer investir numa cultura de preven��o.”
Heder acredita que, al�m da exaust�o do militar, a popula��o � a maior afetada com a escassez do efetivo. “Pela necessidade, se os bombeiros tivessem 20 mil profissionais o combate seria mais eficaz. Isso significa melhor presta��o de servi�o � sociedade. O estado de Minas Gerais est� sentindo falta”, afirma.
A fala refor�a a reportagem do Estado de Minas publicada na edi��o de ontem sobre o tema, que mostra que moradores t�m reclamado da demora no atendimento.
Do efetivo total da corpora��o, os n�meros mais recentes levantados pela Aspra, em julho deste ano, mostram que existem 492 militares no abono perman�ncia e outros 35 que integram a evas�o imediata poss�vel.
Isso significa dizer que 527 j� t�m tempo para ser transferidos para a reserva, mas optam por permanecer na institui��o. Enquanto isso, continuam trabalhando recebendo um adicional de 30% do sal�rio.
Sobrecarga
O EM conversou com um militar que trabalha h� 21 anos na corpora��o e prefere n�o se identificar. Para ele, esses n�meros representam sobrecarga, tanto f�sica quanto emocional.
“A gente tem que trabalhar no combate aos inc�ndios. Na volta, tem que tirar sentinela. Faz resgate de suicida, acidente de autom�vel. Depois, trabalho especializado em produtos perigosos. A tropa fica desgastada e, mesmo assim, a gente n�o foge da responsabilidade de modo algum. Mesmo com sacrif�cio da pr�pria vida, esse � o lema, porque o militar vive com amor pela institui��o”, declara.
Inc�ndio em vegeta��o amea�a casas no Bairro Santa Cruz, em BH (foto: 02/10/2020 - Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
O bombeiro acredita que a chegada de novos colegas pode dar al�vio ao combate aos inc�ndios florestais, que, para ele, est�o entre as ocorr�ncias mais dif�ceis de enfrentar, por causa do calor e acesso em relevo dificultoso.
“� um servi�o muito desgastante e estamos trabalhando com efetivo reduzido. Percebe-se que a popula��o teve uma crescente e a vertente da institui��o diminuiu o efetivo. Totalmente desproporcional � nossa popula��o”, diz.
Combatentes costumam usar o lema “� no fogo bem mais forte que se forja o a�o bom”. � nesse mesmo fogo, por�m, que a exaust�o f�sica pode assolar o aguerrido. A falta de colegas de farda para dividir o suor di�rio faz com que o esp�rito de abnega��o e entrega, t�pico de todo bombeiro militar, se torne insuficiente para a excel�ncia do combate.
“O atendimento n�o fica inapropriado, a gente d� o nosso melhor, mas �s vezes pode acontecer de atrasar. N�o por falta de comprometimento com o trabalho, mas com a exorbitante falha de efetivo”, desabafa o militar.
“Evidentemente, � muito dif�cil ter um efetivo que consiga fazer frente a isso. O que a gente faz � uma gest�o adequada”, afirma o porta-voz da corpora��o, tenente Pedro Aihara. “Hoje, temos uma gest�o muito eficiente. Nos casos dos inc�ndios em parques de preserva��o, por exemplo, contamos com ajuda das brigadas. Mas o principal problema � a postura da popula��o. � uma quest�o cultural. Nem se colocarmos um milh�o de bombeiros vamos dar conta”, afirma.
Minas em chamas. Bombeiros registram s�rie de inc�ndios no estado (foto: Divulga��o/Corpo de Bombeiros)
Para o tenente Leonan Soares Pereira, que chefia a linha de frente de v�rios inc�ndios no estado, o efetivo � suficiente, mas as condi��es clim�ticas n�o est�o ajudando.
“Tem hora que n�o adianta, o fogo � t�o forte que n�o adianta. Simplesmente aumentar o efetivo n�o vai ser o suficiente. O que adianta?”, ele indaga. “N�o colocar fogo. Caso contr�rio, mesmo com mais bombeiros, chega um ponto em que a melhor tecnologia n�o vai resolver. A grande quest�o � evitar mesmo”, responde de bate-pronto.
Luta para entrar na equipe
Grupo de excedentes do concurso pedem convoca��o (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A. Press)
Aprovados na sele��o de concurso para o Corpo de Bombeiros, mas fora da corpora��o devido � limita��o de vagas para chamada imediata, 248 candidatos excedentes lutam para entrar na corpora��o, por meio de comiss�o criada com esse objetivo.
Em 6 de outubro, foi publicado o resultado final do concurso. A partir dessa data, o prazo de validade � de 30 dias, podendo ser estendido para mais um m�s. Pelo edital, esses remanescentes s� podem ser chamados nesse per�odo. Caso contr�rio, perdem todo o processo de sele��o e ainda n�o h� previs�o para outros concursos.
“Esses homens e mulheres podem gerar impacto imediato no efetivo da corpora��o”, afirma texto da comiss�o. “A realiza��o de um novo concurso p�blico dessa natureza � muito demorada, com tempo m�dio de um ano entre a prova objetiva e o in�cio do curso de forma��o, que ainda demora oito meses para ser conclu�do, formando um militar apto a exercer a fun��o de bombeiro”, defende o grupo.
Os candidatos ao cargo foram avaliados em diversas fases al�m da prova objetiva, como teste f�sico, de nata��o e exames m�dicos, psicol�gico e toxicol�gico. “Teve muito investimento por parte deles e dedica��o para estar dentro do padr�o esperado pela corpora��o”, diz a porta-voz do grupo, Ana Paula Galv�o.
Mais importante do que isso � trilhar a carreira dos sonhos. Aos 23 anos, a estudante est� no 4º per�odo de direito. Tentar ser bombeira � um objetivo alinhado ao seu prop�sito de vida. “Eu me sinto atra�da pelo
que eles fazem. Espero muito ser convocada para poder contribuir com a sociedade”, afirma.
Ana e Heyllon: esperan�a de realizar o sonho de integrar a corpora��o (foto: Ed�sio Ferreira/EM/D.A Press)
Ana Galv�o conta que se sente aflita ao ver de longe o trabalho dos her�is do fogo. “A gente sempre segue as redes sociais de bombeiros, fica se imaginando na situa��o. Vira parte da sua vida”, revela. “Acho que neste momento o que essas 248 pessoas mais querem � poder ajudar”, acrescenta a jovem.
Uma das limita��es do grupo � a idade, j� que para estar apto a se inscrever no curso � preciso ter menos de 30 anos at� o dia da matr�cula. Dessa forma, prestar um novo concurso pode n�o ser poss�vel para muitos desses excedentes.
� o caso de Heyllon Rodrigues Matias Barbosa, de 29, que tenta ser aprovado desde 2008. “� a �ltima oportunidade que tenho para entrar. Ser bombeiro sempre foi um sonho”, conta o rapaz. “� um concurso muito demorado. N�o tem como pegar um militar na prateleira. � muito angustiante ficar de fora porque a pessoa que enfrenta todo o processo quer entrar para fazer diferen�a mesmo”, conclui.