Inc�ndios j� superam poder de combate dos bombeiros
Na �poca mais cr�tica do ano, com quase 25% mais focos em �reas verdes que em 2019, corpora��o � obrigada a criar escala de prioridades e comunidades sofrem com demora
Quando a interven��o de militares demora por excesso de demanda, moradores se veem desamparados (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A. PRESS)
O fogo que consome as matas de Minas e a fuma�a que transforma em cinza o azul do c�u, a cada dia mais recorrentes e graves, j� superam a capacidade de combate do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. O alto n�mero de ocorr�ncias, somado ao d�ficit de pessoal, sobrecarrega a tropa, torna indispens�vel a presen�a de brigadistas e volunt�rios e acaba causando lentid�o no atendimento de demandas.
Para que se tenha ideia do tamanho do desafio, hoje, a corpora��o tem cerca de 5.500 militares em todo o estado. E, apenas no m�s de setembro, esses homens e mulheres tiveram de se desdobrar para atender a nada menos que 4.817 ocorr�ncias, considerados somente os inc�ndios florestais.
Em um per�odo extremamente cr�tico para o avan�o das chamas, com aumento de quase um quarto nos inc�ndios florestais em territ�rio mineiro entre agosto e setembro, o Estado de Minas destaca, em s�rie de reportagens iniciada hoje, as dificuldades que esses guerreiros, profissionais, mas tamb�m volunt�rios, enfrentam na linha de fogo. Desafio que n�o seria t�o grande n�o fosse a m�o do pr�prio ser humano que, se estima, est� por tr�s de 90% das queimadas.
Enquanto s�o demandados para debelar as chamas em �reas verdes, as ocorr�ncias de rotina que exigem a a��o dos bombeiros n�o param. Preven��o, atendimento pr�-hospitalar, busca e salvamento, acidentes de tr�nsito, defesa social, combate a inc�ndios em im�veis... S�o cerca de 30 mil ocorr�ncias atendidas por m�s pela corpora��o. Os inc�ndios florestais representam 12% desse total.
Com a alta demanda, quem sofre � a pr�pria popula��o, que sucessivamente reclama da demora no atendimento. Nas �ltimas semanas, o Estado de Minas registrou a insatisfa��o de den�ncias de volunt�rios e moradores vizinhos aos locais atingidos pelo fogo.
Na Lapinha da Serra, na Serra da Moeda, na Serra do Cip�, em Nova Uni�o e at� no bairro Santa Cruz, em Belo Horizonte, houve queixas da longa espera at� a chegada dos militares. Diante da situa��o, vizinhos se unem com mangueiras de jardim e at� baldes de �gua para tentar diminuir as chamas.
Focos simult�neos
Mas essa lentid�o na resposta n�o ocorre por falta de vontade ou desleixo da corpora��o. Muitos fatores est�o envolvidos, entre eles a disparada de ocorr�ncias, que deixa todas as viaturas empenhadas, como descreve o tenente Leonan Soares Pereira, do Batalh�o de Emerg�ncias Ambientais e Resposta a Desastres (Bemad), que chefia o combate a v�rios focos no estado.
“Est� havendo muito mais inc�ndio este ano”, diz o bombeiro militar, comparando a situa��o com a pandemia do novo coronav�rus. “Todo mundo come�ou a entender como ‘achatar’ a curva. Se todos os inc�ndios acontecem ao mesmo tempo, � imposs�vel colocar bombeiro para apagar tudo.”
Apesar de empenhar a maior parte dos militares nas ruas e liberar f�rias de apenas 5% do efetivo nesta �poca do ano, grande parte do controle est� na m�o da popula��o. Segundo o militar, a baixa umidade do ar e as maiores temperaturas da hist�ria, aliadas � falta de bom senso, fornecem o combust�vel que alimenta as queimadas.
“A condi��o clim�tica piorou juntamente aos maus h�bitos do ser humano. Isso faz com que um inc�ndio que a gente apagaria em dias se estenda por semanas”, afirma.
Enquanto isso, os bombeiros s�o obrigados a estabelecer uma escala de prioridades nos atendimentos. Pela ordem, ela contempla enfrentamento a inc�ndios que amea�am resid�ncias, ind�strias, empresas, parques e reservas ambientais. A ideia por tr�s dessa ordem � que, entre a vida e a mata, a vida prevalece.
Devasta��o abala tamb�m militares
A gigantesca quantidade de queimadas e o sentimento de impot�ncia diante da voracidade do fogo entristece at� os mais treinados militares da linha de frente. � o que admite o tenente Lucas Silva Costa, comandante do canil dos bombeiros, que tamb�m atua h� quatro anos no Bemad. “Como tenho contato com animal o tempo todo, quando vejo animais feridos nesses inc�ndios fico mais sentido”, conta.
Ele cita como exemplo o resgate de um coelho-do-mato no Parque do Itacolomi, em Ouro Preto, que teve 7% de sua �rea consumido pelo fogo no �ltimo fim de semana.
Animal foi resgatado no Itacolomi (foto: ARQUIVO PESSOAL)
“� triste vivenciar inc�ndios florestais, porque em v�rios momentos nos deparamos com animais mortos, j� carbonizados. Toda vez que fazemos um sobrevoo, � triste ver aquela devasta��o grande. � pesado pra quem gosta e tem consci�ncia de preserva��o do meio ambiente.”
H� oito anos na corpora��o vivenciando diversas ocorr�ncias, ele n�o se acostuma com a devasta��o da natureza e se incomoda com o fato de ter que priorizar o atendimento.
“Por mais que a gente trabalhe exaustivamente antes desta �poca do ano com preven��o, ficamos angustiados de n�o poder, �s vezes, combater todos os focos na temporada mais cr�tica. Mas, dentro dos recursos que temos, nos empenhamos ao m�ximo. Damos a vida nesses inc�ndios”, afirma o tenente Lucas. “O mais triste � saber que acontece pelo fator humano, e que por muitas vezes s�o atos criminosos. O ser humano tem essa capacidade de colocar fogo s� para poder ver a destrui��o.”
Espera angustiante
Ocorr�ncias recentes t�m em comum as queixas de moradores pela demora no atendimento, ligado � n�o disponibilidade imediata de efetivo dos bombeiros. Confira:
» Na semana passada, as chamas origin�rias do inc�ndio no Parque Nacional da Serra do Cip� se aproximaram de resid�ncias e estabelecimentos comerciais �s margens da MG-10. Propriet�rios reclamaram da demora da chegada dos bombeiros e tiveram de combater as chamas com baldes.
» No dia 2, um inc�ndio de grandes propor��es atingiu uma �rea de vegeta��o e chegou muito perto de im�veis no bairro Santa Cruz, Regi�o Nordeste de BH. Mais uma vez, moradores tentaram apagar as chamas com baldes e mangueiras at� a chegada dos militares. “Todas as pessoas dessa rua ligaram, mas o Corpo de Bombeiros demorou muito”, contou a bi�loga Fabiana Leandra de Souza Bittencourt, de 42 anos.
Moradores tentaram apagar as chamas com mangueiras dos quintais e baldes ate a chegada do Corpo de Bombeiros (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
» No inc�ndio que atingiu a Serra da Moeda no m�s passado, a comunidade local tamb�m se queixou da demora no atendimento. Uma das propriedades atingidas pelas chamas foi o Condom�nio Santu�rio, localizado no maci�o. Brigadistas do pr�prio residencial tiveram de conter as chamas pr�ximo da casa de uma moradora. O trabalho de combate foi refor�ado com dois caminh�es-pipa da Prefeitura de Moeda.
Convoca��o chega ao “quarto refor�o”
Atualmente, a corpora��o tem aproximadamente 5.500 bombeiros militares, incluindo os do servi�o operacional. At� o momento, apesar das dificuldades, n�o houve pedido de refor�o de outros estados para ajudar no combate �s chamas em territ�rio mineiro.
J� os bombeiros do setor administrativo, conhecidos como “quarto esfor�o”, est�o trabalhando normalmente em escala de sobreaviso, podendo ser convocados a qualquer momento. Nas �ltimas semanas, essa escala foi acionada em algumas ocasi�es, como no caso do inc�ndio no Parque Estadual de Ibitipoca, em Lima Duarte, na Zona da Mata.
Em nota, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais refor�a que est� combatendo inc�ndios em todas as regi�es do estado. “Alguns s�o de grandes propor��es, demandando, portanto, uma importante estrutura que inclui o empenho de dezenas de militares, viaturas e equipamentos. Al�m disso, o forte calor, os ventos comuns da esta��o e a dificuldade geogr�fica tornam o combate ainda mais demorado e dif�cil”, informa.
A corpora��o reconhece que tem dificuldade de atender a toda a demanda. “Contudo, o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais permanece empenhado em atender a todas as ocorr�ncias, considerando o crit�rio de prioriza��o de atendimento aos casos que oferecem maior risco para vida dos moradores da regi�o”, conclui o texto.