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Estado de Minas DESASTRE DE BRUMADINHO

Incertezas dois anos depois do desastre de Brumadinho

D�vidas sobre indeniza��es, abastecimento de �gua e seguran�a ainda angustiam moradores da �rea onde a barragem se rompeu em janeiro de 2019


24/01/2021 04:00 - atualizado 24/01/2021 07:09

Sobrevivente, Aílton Moreira nunca mais voltou à área do desastre e teme pelo futuro: 'Queríamos decidir nossa vida, mas tomaram a vida da gente'(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Sobrevivente, A�lton Moreira nunca mais voltou � �rea do desastre e teme pelo futuro: 'Quer�amos decidir nossa vida, mas tomaram a vida da gente' (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
A men��o da palavra “barragem” � suficiente para transtornar o agricultor A�lton Vitor Moreira, de 38 anos. Sobrevivente do rompimento da Barragem B1 da Mina C�rrego do Feij�o, em Brumadinho, que completa dois anos neste segunda-feira (25/01), A�lton ficou com um pavor t�o grande que jamais retornou � casa devastada pela lama para buscar nada. “Nunca mais vou p�r os p�s naquele lugar. Sa� com a roupa do corpo. O que eu passei, ningu�m sabe. Vi foi a morte me perseguindo. Nunca mais as coisas v�o ser como antes”, diz, relutante, num dos raros momentos em que se permite comentar o assunto. O abalo nele � n�tido: no olhar perdido, nas m�os que se esfregam repetidamente, no rosto s�rio.


Como ocorre com A�lton, o sofrimento pela perda de amigos entre os 270 mortos no desastre � suportado � base de medicamentos psiqui�tricos de uso controlado. Um vazio deixado e que os atingidos como ele precisaram suportar, ainda mais sabendo que ningu�m ainda foi preso. Dois anos depois, novas quest�es angustiam os atingidos. Entre elas, a falta de informa��es sobre seu destino e o de suas fam�lias.

Moradores dos bairros devastados e de outras �reas do Vale do Rio Paraopeba afirmam ser pegos de surpresa, em plena pandemia do novo coronav�rus, com cortes no fornecimento de �gua ou seu recebimento sem qualidade ou garantia, al�m de n�o ter perspectivas sobre a continuidade dos aux�lios emergenciais e a disponibilidade de recursos para serem indenizados. “A gente n�o sabe de nada. Quer�amos decidir nossa vida, mas tomaram a vida da gente”, reclama A�lton.

 

Para cobrar mais transpar�ncia da Vale, a mineradora respons�vel pela estrutura que se rompeu, e do poder p�blico, os atingidos e suas assessorias t�cnicas lan�aram um manifesto, que foi entregue � Justi�a. O texto representa a vontade dos atingidos no curso da repara��o que vem sendo negociada em audi�ncias do governo do estado com a empresa.

Uma dessas assessorias, a Associa��o Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), reuniu uma “matriz de medidas reparat�rias emergenciais de 365 p�ginas depois de ouvir 3.823 pessoas em Brumadinho. No trabalho foram elencados os principais danos sofridos e como os atingidos desejam ser reparados, bem como participar das decis�es. A falta de informa��es e de garantias � o que mais tem sido cobrado pelos entrevistados.


As principais informa��es faltantes ou mal disseminadas, segundo essa matriz, s�o referentes � seguran�a das barragens remanescentes, �s condi��es t�xicas e ecol�gicas do Rio Paraopeba, �s interrup��es e � qualidade da �gua distribu�da �s comunidades. Ao mesmo tempo, querem garantia de acesso a �gua de qualidade, direito a moradia a quem perdeu sua casa ou teve im�veis e estruturas danificados, recebimento e a manuten��o de estruturas de sa�de, assist�ncia social, saneamento, educa��o, seguran�a alimentar, trabalho, cultura e lazer para as comunidades atingidas pelo rompimento, entre outras necessidades.

 

Vista do Córrego do Feijão, área invadida pela lama no desastre que matou 270 pessoas em 25 de janeiro de 2019: trauma ainda é nítido na comunidade(foto: MATEUS PARREIRAS/EM/D.A.PRESS)
Vista do C�rrego do Feij�o, �rea invadida pela lama no desastre que matou 270 pessoas em 25 de janeiro de 2019: trauma ainda � n�tido na comunidade (foto: MATEUS PARREIRAS/EM/D.A.PRESS)

 

INFORMA��O


Pelo perfil dos atingidos atendidos pela Aedas s�o evidentes as dificuldades de acesso a informa��es por falta de condi��es financeiras e t�cnicas. Ao todo, entre os atendidos, 54,7% n�o exercem qualquer atividade remunerada, a maioria mulheres (58%), que com frequ�ncia precisam atender a obriga��es dom�sticas, quando n�o sustentam completamente a fam�lia. Os programas de transfer�ncia de renda ou aux�lio social chegam a 18,6% do n�mero total de pessoas atingidas que participaram do registro familiar; desses, 47% recebem o Bolsa-Fam�lia.

 

A necessidade de �gua tamb�m � latente. Apenas 45% recebem fornecimento formal de �gua por rede. Do restante, 34% usam po�os artesianos, 15% �gua de nascentes e 6% dependem ainda de caminh�es-pipa. Entre as pessoas atingidas com acesso a �gua por rede, apenas 32% declararam receb�-la regularmente, ao passo que para 68% o abastecimento � irregular, com interrup��es em diferentes per�odos da semana. Chega a 62% o �ndice de quem declara se sentir inseguro quanto ao uso da �gua fornecida pelas redes.


 Clenilson Geraldo depende de água fornecida pela mineradora(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Clenilson Geraldo depende de �gua fornecida pela mineradora (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

�xodo esvazia C�rrego do Feij�o

O bairro C�rrego do Feij�o, em Brumadinho, experimentou grande movimento de resgate, bombeiros, policiais e parentes em busca de not�cias de suas v�timas. Passados dois anos do maior desastre brasileiro em minera��o, com 270 mortes, ap�s o rompimento das barragens B1, B4 e B4A, o lugarejo se tornou um deserto habitacional. Das 415 pessoas vivendo no local registrados pelo Censo de 2010, moradores estimam ter restado 60.

H� momentos em que se encontra mais oper�rios da Vale – mineradora que operava as barragens – circulando ou fazendo obras do que pessoas locais. Menos � noite, quando as ruas ficam praticamente vazias. Somando-se a isso os relatos de problemas de infraestrutura comuns aos demais territ�rios, a situa��o para muitos � descrita como de abandono, o que se agravou com a pandemia do novo coronav�rus, j� que as condi��es sanit�rias s�o fundamentais para evitar essa doen�a e outras mais.

Nelson Maia recorre a apoio psicológico e a remédios, mas tem dificuldade com o sono: 'A gente só dorme quando o corpo não aguenta mais'(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Nelson Maia recorre a apoio psicol�gico e a rem�dios, mas tem dificuldade com o sono: 'A gente s� dorme quando o corpo n�o aguenta mais' (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

“Aqui, cada dia vai embora um vizinho, um amigo, um compadre. Os problemas que ainda temos nos fazem muita raiva. Qualquer pessoa que sai, sabe que vai carregar a saudade e a indigna��o, mas n�o d� para viver todos os dias sendo humilhado, num lugar em que a gente nem dorme com medo de outra barragem descer”, reclama o aposentado Nelson Alves Maia, de 75 anos, que mora no C�rrego do Feij�o com a mulher.

Mudança no bairro atingido pelo desastre: moradores estimam que somente 60 das mais de 400 pessoas que viviam no local ainda estejam lá(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Mudan�a no bairro atingido pelo desastre: moradores estimam que somente 60 das mais de 400 pessoas que viviam no local ainda estejam l� (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

A experi�ncia de ter perdido os amigos e parentes da esposa, como cunhados e sobrinhos que trabalhavam na mina, o obriga a fazer uso de rem�dios psiqui�tricos. “Vou ao posto de sa�de tr�s vezes ao m�s para consultar com o psic�logo. Os rem�dios nos trazem 20 minutos de sono, mais 20 depois. A gente s� dorme quando o corpo n�o aguenta mais”, conta.

O drama do passado se soma a problemas que, na vis�o dele, fazem com que as pessoas deixem a comunidade. “A vida se tornou um inferno. Obras todos os dias. Ru�do de geradores das obras funcionando por 24 horas. Os comerciantes foram embora. N�o temos mais a�ougue, venda, lanchonete, padaria, farm�cia: para tudo precisamos ir a Brumadinho”, afirma. A viagem � de 50 minutos de �nibus por 15 quil�metros, mas s� h� dois hor�rios, de manh� e de tarde.

O agricultor Clenilson Geraldo de Paila, de 39, perdeu o acesso a sua horta pela avalanche de lama que destruiu estradas, rede el�trica e impede o uso da �gua. Na sua casa, no C�rrego do Feij�o, o drama da falta de �gua tamb�m impede que o recurso seja usado por ele, a mulher, a filha e o sogro. “Nos dias em que n�o falta, vem uma �gua de cor marrom, depois de cor branca. N�o nos apresentam an�lises. Assim, n�o a usamos para nada e temos de nos virar racionando a �gua mineral que a Vale fornece. Vivemos com aux�lio emergencial, mas n�o sabemos at� quando. Enquanto isso, indeniza��o nem cheiro”, critica. 

Efeitos expandidos


Por seis meses, o pedreiro Ant�nio Soares, de 44 anos, a mulher e as duas filhas, de 10 e de 22, tiveram de deixar a tranquilidade de S�o Sebasti�o das �guas Claras, o distrito de Macacos, em Nova Lima, por uma vida conturbada no bairro Lagoinha, Noroeste de BH. O rompimento das barragens da Mina C�rrego do Feij�o, em Brumadinho, fez com que todos os planos de seguran�a desse tipo de estrutura da mineradora Vale fossem revistos e centenas de pessoas precisaram ser evacuadas de �reas pr�ximas a barragens em risco, como ocorreu com a fam�lia do pedreiro.

Hoje, 446 fam�lias est�o fora de suas casas desde o desastre de Brumadinho, enquanto 432 perderam a habita��o em Mariana e Barra Longa, �reas atingidas pelo rompimento da Barragem do Fund�o, operada pela Samarco e pertencente � Vale e � BHP Billiton, em novembro de 2015. Dessa vez, no entanto, as indeniza��es t�m sido feitas mais rapidamente.

Em Macacos, a sirene que deu o sinal para que o pedreiro e sua fam�lia de casa sa�ssem de casa soou na noite de um s�bado, 17 de fevereiro de 2019, tirando turistas de pousadas e restaurantes em meio ao desespero de um poss�vel rompimento da Barragem B3/B4, da Mina de Mar Azul. “Mesmo quando conseguimos voltar, as coisas n�o melhoraram muito. N�o est� f�cil conseguir trabalho nos restaurantes, pousadas e casas de fim de semana. Ningu�m quer investir e fazer obra nem reforma, porque n�o sabe como vai ser com essa barragem”, desabafa Ant�nio Soares.

Morador de Macacos e auxiliar de servi�os gerais em uma pousada na comunidade, Pedro Bertoldo, de 31, afirma que comerciantes, empres�rios e trabalhadores t�m sofrido repetidas vezes desde que a sirene soou. “Quando as pessoas estavam voltando a ter confian�a e a frequentar, mesmo as �reas protegidas, com acessos livres dos efeitos da barragem para pousadas e restaurantes, veio a pandemia afugentando de novo os h�spedes e clientes”, afirma.  

“Agora temos pontos de fuga por rotas livres, mas as pessoas ficam receosas. Por isso, era importante terminar logo o desmanche da barragem”, disse.

Se por um lado h� mais pessoas desalojadas desde o rompimento ocorrido em Brumadinho, dois anos ap�s o desastre, os atingidos t�m conseguido ser indenizados com tr�s vezes mais agilidade do que os que sofreram com o desastre envolvendo a Barragem do Fund�o, em Mariana, em 2015.

Em 2019, a Vale celebrou uma m�dia de 2,3 acordos por dia, que passaram a 8,4 acertos judiciais no ano passado. No primeiro ano de atua��o, em 2017, a Funda��o Renova, respons�vel pela repara��o de Mariana, o ritmo era de 6,15 acordos di�rios, que caiu pela metade no segundo ano. At� o fim de 2020, foram celebrados 3.800 acordos c�veis e trabalhistas entre a Vale e os atingidos


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