
Dois anos depois do rompimento da Barragem B1 da Mina do C�rrego do Feij�o, em Brumadinho, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, o Corpo de Bombeiros continua procurando v�timas. Os mais de 700 dias de trabalho fazem dessa a opera��o de busca e resgate mais longa da hist�ria do Brasil. A luta incans�vel para a tropa � localizar os restos mortais das 11 v�timas que j� passaram por duas vezes de janeiro a dezembro soterradas debaixo de min�rio, terra e lama. Depois de 24 meses de buscas diante do maior desastre da hist�ria brasileira, somadas as perdas humanas e ambientais, a reportagem do Estado de Minas retornou ao vilarejo e � �rea onde militares e oper�rios trabalham incansavelmente sob sol e chuva.
Por l�, j� passaram mais de 3 mil bombeiros de diversos estados. No in�cio da opera��o, tamb�m houve ajuda de militares e equipamentos que vieram de Israel. A opera��o j� teve sete fases, que resultaram na recupera��o de 259 corpos. Em 2021, ao completar dois anos, a corpora��o mineira deve entrar numa oitava estrat�gia em busca das 11 v�timas. O novo sistema que vai ajudar nas buscas deve ser divulgado hoje, em cerim�nia com o governador Romeu Zema, em Brumadinho. A reportagem do EM apurou que ser� adotado o uso de uma m�quina sensorial capaz de separar a terra de objetos e fragmentos corp�reos.
A inten��o � tentar se adequar com as caracter�sticas do terreno e as mudan�as que aconteceram ao longo desses dois anos. “Para a gente ter um trabalho efetivo, vai desde o primeiro momento, onde a gente tinha uma satura��o de homens. N�o era poss�vel operar com m�quinas pesadas porque a lama estava muito umidificada. At� chegar ao est�gio onde hoje a gente tem um conceito de utilizar tanto homens quanto m�quinas pesadas, pois o terreno j� permite essa utiliza��o para um revolvimento sist�mico da lama”, explica o tenente Pedro Aihara, porta-voz dos bombeiros.
Outro vi�s de ajuda � corpora��o � o trabalho de intelig�ncia. Na chamada “Base Bravo”, local que abriga os bombeiros, h� uma esp�cie de for�a-tarefa tecnol�gica que desenvolve modelos preditivos de cruzamento de dados que indicam pontos de interesses locais onde pode ser mais prov�vel localizar as v�timas. Esse trabalho � complexo, pois, durante estes dois anos, al�m de elementos externos – que s�o complicadores, como a chuva e a pandemia do novo coronav�rus – h� uma quest�o que � a decomposi��o do material humano.

"A maior satisfa��o pessoal e profissional para cada bombeiro envolvido nessa trag�dia � conseguir abreviar o sofrimento, eliminar essa ang�stia que est� no cora��o dessas pessoas"
Tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros
Em caso de chuva forte, os trabalhos precisam ser interrompidos imediatamente pela seguran�a dos soldados. J� por causa da pandemia, os trabalhos operacionais ficaram parados por cinco meses em 2020. Desde 27 de agosto, em um novo cen�rio, com solo diferente e comportamento de higiene refor�ado, cerca de 60 bombeiros militares d�o continuidade aos trabalhos di�rios, com revezamento de equipe todas as semanas. Desses, aproximadamente 40 atuam diretamente nas chamadas “zonas quentes”, �reas de buscas operacionais sinalizadas com a placa “pendente de vistoria”.
A orienta��o dos locais de buscas, priorizada depois de um extenso trabalho de intelig�ncia, vai para quem comanda os trabalhos operacionais da Opera��o Brumadinho. Esse � o papel do tenente Daniel Lipovetsky, que explica como � feito o trabalho em campo. “Inicialmente, a gente trabalhava com cobertura superficial, de at� 3 metros. Mas tem �reas de profundidade de 16 metros, por exemplo. Ent�o, a gente trabalha agora tentando fazer uma busca em extens�o. N�o tento aprofundar muito em um lugar s�. Vou tirando v�rias camadas, de tr�s em tr�s metros. Tento explicar para a tropa assim: imagina que a frente de trabalho � um bolo, vou tirando camada por camada at� conseguir chegar no final. Tento mostrar dessa forma para ficar mais f�cil o entendimento”, esclarece o militar.

"Sonho muito com o dia que a gente vai conseguir encontrar as 11. Tentar dar um pouco de conforto para essas fam�lias"
Tenente Daniel, que participa das buscas
Como a �rea � extensa (3,1 milh�es de metros quadrados), � necess�ria uma combina��o de fatores para definir os locais escolhidos para a tropa atuar: onde t�m material mais seco e espa�os em que as estat�sticas mostram que t�m maior probabilidade de encontro. Apesar de os bombeiros j� terem vasculhado 100% da �rea superficial, a grande opera��o segue sem data para terminar. Isso porque as buscas v�o aumentando de profundidade, conforme explica o tenente Daniel. Segundo a corpora��o, duas situa��es podem fazer chegar ao fim dos trabalhos: o encontro de todas as 11 v�timas � o ideal. No entanto, h� ainda a possibilidade de investigar todo o terreno e n�o conseguir a identifica��o. N�o � poss�vel prever o que vai acontecer primeiro.
“Nosso compromisso foi de s� sair daqui quando localizar todas as v�timas ou ent�o quando n�o houver mais condi��o f�tica da busca. Por isso, a gente permanece sem previs�o de t�rmino, por enquanto”, diz o tenente Aihara. O bombeiro explica que, mesmo resgatando materiais humanos, pela caracter�stica do vest�gio, pode n�o ser poss�vel aplicar nenhuma t�cnica de identifica��o forense.
Um ano sem identifica��o
Apesar do avan�o nas buscas, nenhum corpo foi identificado desde 28 de dezembro de 2019. Embora n�o tenham ocorrido identifica��es no �ltimo ano, o IML ainda recebe fragmentos de corpos encontrados pelos militares. Cada material humano � tratado como um “caso”. No total, o instituto j� recebeu 902 deles. Desses, 864 foram finalizados – significa que 259 foram identificados, outros se tratavam, na verdade, de peda�os de animais ou o material gen�tico n�o p�de ser decodificado em raz�o do estado avan�ado de decomposi��o.
At� ent�o, faltam 38 casos que podem se tratar de nova identifica��o ou nem se tratar de v�tima humana. A reportagem entrou em contato com a Pol�cia Civil para esclarecer como est� o andamento desses trabalhos. A institui��o se limitou a dizer que “o governo ir� divulgar, nos pr�ximos dias, um balan�o completo sobre as a��es de Brumadinho”.
Apoio
A Vale informou, por meio de nota, que vem mantendo o apoio �s buscas das 11 v�timas da trag�dia ainda n�o encontradas. "At� o momento, 259 foram identificadas (123 empregados pr�prios, 117 terceirizados e 19 moradores da regi�o). A empresa segue apoiando integralmente o Corpo de Bombeiros nas buscas e a Pol�cia Civil no trabalho de identifica��o", afirmou. Segundo a empresa, 25% do rejeito vazado j� foram remanejados e este trabalho est� diretamente ligado �s buscas e � feito junto com os bombeiros. A estimativa � concluir tudo at� o fim de 2025.
Do total de 9 milh�es de metros c�bicos de rejeito que vazaram da barragem, 2,3 milh�es j� foram manuseados e come�aram a ser dispostos na cava da mina de C�rrego do Feij�o.
Compromisso para aliviar sofrimento
A preocupa��o dos bombeiros que trabalham no C�rrego do Feij�o continua a mesma desde o primeiro dia da Opera��o Brumadinho: o compromisso de aliviar o sofrimento dos familiares. Durante esses dois anos, os militares tiveram a oportunidade de conhecer as hist�rias de perto e saber o nome de cada uma das 11 pessoas que ainda est�o debaixo da lama: Angelita, Cristiane, Juliana, Lecilda, Luis Felipe, Maria de Lurdes, Nathalia, Olimpio, Renato, Tiago e Uberl�ndio.
“Os militares conhecem as peculiaridades de cada hist�ria. A maior satisfa��o pessoal e profissional para cada bombeiro envolvido nessa trag�dia � a gente conseguir realmente abreviar o sofrimento, eliminar essa ang�stia que est� no cora��o dessas pessoas”, conta o tenente Pedro Aihara.
Bombeiro h� 14 anos, o tenente Daniel tamb�m resume o objetivo da opera��o: “Nosso trabalho � realizar as buscas das 11 joias (corpos) ainda n�o encontradas”. � com esse intuito que ele trabalha a motiva��o da tropa. “Fazemos isso atrav�s de escavadeiras, maquin�rio pesado, para fazer inspe��o visual no material e assim ir fazendo a elimina��o de �reas. Mesmo quando a gente n�o encontra uma 'joia', um segmento ou algum objeto relevante, estamos evoluindo na opera��o porque estamos descartando uma grande quantidade de material. Ent�o, quando a gente est� no ‘n�o’, estamos mais perto do ‘sim’, mais perto dos encontros”, disse.
Em um trabalho de grande magnitude e que envolve tantas pessoas, fica dif�cil n�o se envolver emocionalmente. “Eu, particularmente, tenho muita empatia. Estou h� praticamente um ano e meio aqui. Sonho muito com o dia que a gente vai conseguir encontrar as 11 e finalizar a opera��o. Tentar dar um pouco de conforto para essas fam�lias. � imposs�vel ser totalmente t�cnico, acaba que a gente coloca o nosso cora��o aqui tamb�m”, revela o tenente Daniel.