Entrevista: Carlos Starling fala sobre 1 ano de combate � COVID-19 em BH
M�dico infectologista relata desafios encarados pelo Comit� de enfrentamento ao coronav�rus, criado pela PBH em 17 de mar�o de 2020, e a fase atual da pandemia
(foto: Arte sobre foto de Leandro Couri/EM/D.A Press)
O enfrentamento � pandemia do novo coronav�rus precisa de um time de especialistas para estudar seu comportamento e monitorar a evolu��o de casos e mortes em uma cidade. Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) instaurou o Comit� de Enfrentamento � Pandemia de COVID-19.
Nesta quarta-feira (17/03), ao completar um ano de exist�ncia deste grupo, o Estado de Minas inicia uma s�rie de entrevistas exclusivas com os integrantes que re�nem informa��es para orientar as decis�es de combate � doen�a na capital: os m�dicos infectologistas Carlos Starling, Estev�o Urbano e Una� Tupinamb�s, al�m do secret�rio de Sa�de, Jackson Machado.
Na edi��o de hoje, o mais experiente entre os m�dicos infectologistas: Carlos Starling, que considera uma honra o trabalho � frente das orienta��es ao prefeito.
“N�s n�o conseguimos agradar todo mundo, mas n�s ficamos muito satisfeitos de termos a menor taxa de mortalidade do pa�s nas cidades com mais de 1 milh�o de habitantes e a segunda menor mortalidade para cidades at� 100 mil habitantes”, diz o m�dico.
Com uma trajet�ria dedicada � sa�de p�blica, a pandemia for�ou Starling a trabalhar dobrado. Al�m da demanda di�ria de ver seus pacientes, discutir casos com os colegas, ele ainda trabalha com o controle de infec��es hospitalares e soma hist�ria ligada � pneumologia e ao controle de infec��es.
Tamb�m especialista em sa�de p�blica pela UFMG, o m�dico conta os bastidores do comit�, a rela��o com Kalil, aponta erros e acertos, engrandece o trabalho da equipe t�cnica de Sa�de e faz o alerta: “o v�rus evoluiu bem mais r�pido do que a nossa capacidade de cont�-lo.”
Confira a entrevista completa
O comit� completa um ano desde que foi instaurado e, depois de todo esse tempo, como podemos avaliar em que momento Belo Horizonte est� diante da pandemia?
N�s estamos num momento de extremo estresse epidemiol�gico. Certamente � um dos piores momentos da epidemia na cidade, no estado e no pa�s como um todo. N�s j� temos a experi�ncia do ano passado todo, n�s j� conhecemos as estrat�gias de manejo da epidemia, temos dados consistentes e temos tamb�m uma mostra de que a popula��o entende a necessidade das medidas e da postura do comit�.
Voc� se recorda como se deu a cria��o desse comit�?
Eu recebi uma liga��o me convidando para participar de uma reuni�o com o Kalil e os secret�rios de Sa�de e de Planejamento. Ao chegar no gabinete, tamb�m estavam Una� e Estev�o. Sentamos com o prefeito e mostramos as perspectivas epidemiol�gicas e como n�s enxerg�vamos a din�mica de controle dessa epidemia. Ele (Kalil) puxou uma cadeira e falou assim: “agora voc�s voc� sentam a� me falam o que eu tenho que fazer, porque eu entendo muito bem de enchentes e desabamentos, que eu aprendi ao longo desse per�odo, e voc�s entendem de v�rus, de infec��o, ent�o voc�s me falam o que tem que fazer’. Assim foi criado.
"Ele (Kalil) puxou uma cadeira e falou assim: 'Agora voc�s voc� sentam a� me falam o que eu tenho que fazer, porque eu entendo muito bem de enchentes e desabamentos, que eu aprendi ao longo desse per�odo, e voc�s entendem de v�rus, de infec��o, ent�o voc�s me falam o que tem que fazer'."
Carlos Starling, m�dico infectologista
Como � a rela��o entre os integrantes do grupo?
N�s ficamos em reuni�o constante ao longo desse um ano de exist�ncia. N�o tem um dia em que n�s n�o nos comunicamos pelo menos umas 10 vezes ao dia. � extremamente intensa a nossa rela��o e a discuss�o, seja de artigo cient�fico, seja de dados epidemiol�gicos. Temos uma rela��o extremamente clara entre n�s e com o pr�prio prefeito, que confiou e confia no trabalho e n�s vemos isso como um diferencial da cidade. � um prefeito que eu n�o conhecia, � importante dizer. N�s nunca tivemos nenhuma rela��o.
O que te fez aceitar essa miss�o?
� o mesmo motivo muito semelhante pelo qual me perguntam sempre porque aceito dar entrevista toda hora. Primeiro, eu estudei minha vida inteira em escola p�blica, e o m�nimo que eu tenho que fazer � retornar para a popula��o aquilo que ela me deu, que foi a minha forma��o. E no momento cr�tico como esse voc� ser convidado para um comit� com tamanha responsabilidade, isso � um mais do que uma honra, � uma obriga��o de cidad�o.
Entrevistas diariamente, coletivas de imprensa, reuni�es ao lado do Kalil. O que mudou na sua vida em um ano com toda essa exposi��o?
O que mudou esse ano foi a quantidade de lives, entrevistas, reuni�es, al�m do trabalho que j� executo normalmente, de ver os pacientes, dar suporte aos hospitais onde eu assisto, e aos colegas m�dicos. Posso dizer que aumentou muito a minha carga de trabalho e por incr�vel que pare�a como boa parte desse trabalho �s vezes � feito de casa, agora eu tenho tamb�m ficado mais perto das minhas quatro filhas.
Sua fam�lia de certa forma agradece?
Olha, eu n�o sei. Eu acho que essa exposi��o tem os seus pre�os, que � agress�o que eventualmente a gente sofre.
Como � lidar com essas agress�es?
Eu simplesmente ignoro, porque n�s temos uma linha de trabalho, n�s temos confian�a no que a literatura nos mostra como caminho e n�s seguimos nosso trabalho baseado em dados cient�ficos, temos a certeza que as pessoas est�o entendendo. A grande maioria das pessoas entendem bem o que vem sendo feito. Claro, agradar todo mundo � imposs�vel, principalmente com medidas eventualmente duras que t�m que ser tomadas, mas n�s temos que continuar fazendo, seguindo esse trabalho e dando sustenta��o �s medidas que s�o necess�rias no momento que elas devem ser tomadas. Quanto aos espinhos deste trabalho, eles fazem parte.
Agora, ao olhar para tr�s, � poss�vel ver alguma falha, algum erro, alguma tomada de decis�o que poderia ter sido diferente?
Algumas coisas que poderiam ser feitas diferentes: n�s poder�amos ter testado mais a popula��o e adotado estrat�gias de isolamento e testes (juntas), entretanto, isso n�o � muito f�cil de fazer porque n�s n�o t�nhamos no princ�pio a quantidade de testes.
Outra coisa que eu acho que n�s poder�amos melhorar, e temos que melhorar para os pr�ximos anos, � a quest�o da vacina��o, que tamb�m n�o depende da prefeitura. Ela depende do PNI, n�s precisamos de vacinas para poder executar esse trabalho. Foram feitas tentativas de aquisi��o de vacinas. Plano B para vacinas, isso foi feito e ainda pode ser lan�ado m�o dessa estrat�gia caso n�s n�o tenhamos a quantidade de vacina que n�s precisamos.
N�s poder�amos sim ter feito uma alguma flexibiliza��o talvez de a��es nas escolas, talvez rever a quest�o das escolas, entretanto, a prepara��o dessas escolas � um assunto complexo, dif�cil de se lidar e que �s vezes a discuss�o � muito apaixonada e com poucas certezas em rela��o a esse tema. De qualquer forma, poder�amos ter aproveitado uma ‘janela’ no meio do ano para abrir as escolas e logo depois ter�amos que fechar.
A falta de uma estrat�gia �nica de enfrentamento � COVID-19 no pa�s atrapalha o trabalho do comit�?
N�s estamos aprendendo a lidar com epidemia, aprendendo a lidar com um desafio mundial. Nesse pa�s ainda � mais complicado porque voc� tomar decis�es que eventualmente n�o tem conson�ncia com as posi��es federais, � muito complicado. E Belo Horizonte n�o � uma ilha, n�s recebemos influ�ncia pesada da pol�tica governamental federal, estadual e o di�logo e a conson�ncia dessas tr�s esferas de poder � fundamental para condu��o da epidemia, seja numa cidade, no estado, no pa�s, num continente. Mas n�s temos sim certeza que n�s tivemos mais acertos do que erros, e os n�meros mostram isso.
E quais s�o os principais acertos?
O primeiro acerto foi o in�cio do fechamento, a decis�o de fechar a cidade rapidamente logo nos primeiros casos porque foi isso que permitiu segurar a evolu��o da epidemia e fazer com que os hospitais se preparassem bem para enfrentar o problema.
A cria��o dos indicadores, a princ�pio os veloc�metros de progress�o da epidemia e a forma de comunica��o simples que foi criado com a popula��o. Alguns outros estados criaram regras �s vezes muito complexas que a popula��o n�o entende e n�s resolvemos trabalhar com a comunica��o super simples: vermelho, amarelo e verde, guardando a correla��o com sinal de tr�nsito.
Eu tinha feito uma proje��o e eu discuti isso em algumas reuni�es de que n�s ter�amos um primeiro trimestre muito parecido com o �ltimo trimestre de 2020. Eu errei pesado. Esse foi um erro de an�lise. O nosso primeiro trimestre tem sido bem pior do que n�s imagin�vamos. N�s estamos vivendo uma situa��o pior do que o ano passado, com variantes, uma acelera��o r�pida da epidemia e isso de uma forma homog�nea atingindo o pa�s inteiro. Nesse momento, se n�s n�o pararmos completamente o pa�s, certamente tamb�m n�s n�o vamos conseguir controlar esse v�rus. N�s seremos o para�so mundial das variantes e isso vai nos isolar do restante do mundo.
"N�s seremos o para�so mundial das variantes e isso vai nos isolar do restante do mundo"
Carlos Starling, m�dico infectologista
O pa�s hoje tem uma epidemia absolutamente fora de controle, com o aumento progressivo do n�mero de mortes, uma vacina��o acanhada frente a nossa compet�ncia para vacinar, ou seja, temos compet�ncia para vacinar mas n�o temos vacinas em quantidade suficiente e para atender e poder bloquear esse cen�rio que � ruim para 2021. Muito ruim se n�s n�o vacinarmos r�pido e fizermos interrup��es de mobilidade social ampliadas para o pa�s, certamente n�s vamos conviver com o drama social sem igual. N�s ainda n�o vimos e estamos come�ando a ver a pior face dessa epidemia.
Nos pr�ximos tr�s meses n�s vamos viver ainda, continuar vivendo um drama em progress�o, e que pode piorar com o surgimento de mais variantes, ainda mais adaptadas a n�s, acometendo faixas populacionais diferentes daquela faixa mais acometida inicial que era idosa, hoje jovens e crian�as come�am ser acometidas. O v�rus evoluiu bem mais r�pido do que a nossa capacidade de cont�-lo e n�s dependemos da consci�ncia das pessoas para segurar e conter essa progress�o e evolu��o viral. E a� que t� o complicador maior: a falta de unicidade na condu��o da epidemia no pa�s. Portanto eu acho que n�s vamos ter um 2021 ainda muito dif�cil e com idas e vindas nas medidas de restri��o de mobilidade social.
Quem � Carlos Starling?
Carlos Starling, m�dico infectologista e integrante do Comit� de Enfrentamento � COVID-19 da PBH (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)
IDADE: 63 anos
FORMA��O: M�dico
ESPECIALIZA��O: Medicina Preventiva e Social, Infectologia, Mestre em Medicina
LOCAL QUE ESTUDOU: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
OUTRAS ATUA��ES: Funda��o Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), Sociedade Mineira e Brasileira de Infectologia
O que � o coronav�rus
Coronav�rus s�o uma grande fam�lia de v�rus que causam infec��es respirat�rias. O novo agente do coronav�rus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doen�a pode causar infec��es com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte. V�deo: Por que voc� n�o deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp
Como a COVID-19 � transmitida?
A transmiss�o dos coronav�rus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secre��es contaminadas, como got�culas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal pr�ximo, como toque ou aperto de m�o, contato com objetos ou superf�cies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.
A recomenda��o � evitar aglomera��es, ficar longe de quem apresenta sintomas de infec��o respirat�ria, lavar as m�os com frequ�ncia, tossir com o antebra�o em frente � boca e frequentemente fazer o uso de �gua e sab�o para lavar as m�os ou �lcool em gel ap�s ter contato com superf�cies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.