
Um impasse gerado pela falta de informa��o sobre a distribui��o de vacinas contra a COVID-19 aos grupos priorit�rios em Pedro Leopoldo, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, � reflexo das diretrizes do Programa Nacional de Imuniza��es, que n�o deixa claro como os povos e comunidades tradicionais quilombolas ser�o vacinados. O Plano Nacional de Operacionaliza��o da Vacina contra a COVID-19 somente se refere a “povos e comunidades tradicionais quilombolas”, o que pode abrir espa�o para erros.
Um dos l�deres do Quilombo de Pimentel, Marcelo Evaristo, v� como falha a forma que a vacina��o est� sendo conduzida. Ele afirma que 53 fam�lias est�o cadastradas no Instituto Nacional de Coloniza��o e Reforma Agr�ria (Incra), como pertencentes � comunidade, mas apenas 16 delas receber�o as doses do imunizantes na cidade, porque a Secretaria de Sa�de de Pedro Leopoldo seguiu o cadastro feito pelo Programa Sa�de da Fam�lia, PSF Magalh�es, dando a entender que considerou s� os moradores como povo do quilombo.
De acordo com informa��es nas redes sociais da Prefeitura de Pedro Leopoldo, as doses que chegam � cidade j� vem direcionadas pelo governo de Minas Gerais e, por isso, o munic�pio vacinou de acordo com a remessa enviada. Todos os moradores do Quilombo Pimentel acima de 18 anos, que passaram pela triagem da equipe da Secretaria de Sa�de, ser�o vacinados e receber�o a primeira dose.
Ainda segundo a prefeitura, os agentes de vacina��o foram at� � comunidade para aplicar a primeira dose nessa ter�a-feira (13/4). Para os que n�o foram encontrados no local, as vacinas ficar�o reservadas e a Secretaria de Sa�de vai fazer um novo contato para que os cadastrados sejam vacinados.
Segundo Evaristo, os governos t�m acesso ao quantitativo de pessoas que pertencem ao Quilombo Pimentel, porque o Incra fez o cadastro delas em setembro de 2019. Evaristo conta que muitos quilombolas n�o moram dentro do quilombo, mas s�o parte dele, s�o da mesma fam�lia, da mesma raiz e tradi��o. Sa�ram em busca de estudo e trabalho, mas sempre est�o l� e agora com a COVID-19 n�o podem ter acesso aos costumes, devido �s medidas de distanciamento social.
“O pessoal da sa�de de Pedro Leopoldo esteve no quilombo, mas encontraram poucas pessoas e s� cinco foram vacinadas. Eu mesmo n�o fui vacinado e achei o cronograma ruim, porque foram em hor�rio de trabalho e fiquei sabendo de �ltima hora. Assim como eu, muitos n�o tiveram tempo para se organizar, disseram que na pr�xima ter�a-feira retornar�o. Estou aguardando."
Plano nacional de vacina��o
A Coordena��o Nacional de Articula��o das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas (Conaq) classificou o Plano Nacional de Operacionaliza��o para vacina��o das comunidades quilombolas como insuficiente. Na avalia��o feita pela Conaq, o plano n�o contempla a totalidade da popula��o quilombola e utiliza n�meros subdimensionados. Por enquanto, a estimativa geral do plano contabiliza 1.133.106 quilombolas distribu�dos em 1.278 munic�pios e 25 estados e Distrito Federal. O quantitativo demostrado no plano nacional � baseado no senso do IBGE de 2010.
Entretanto, segundo estimativas da Conaq, os quilombolas somam mais de 16 milh�es de indiv�duos no pa�s. Ou seja, de acordo com o planejamento do governo, as doses seriam suficientes para pouco mais de 7% da popula��o quilombola.
A estimativa da popula��o quilombola em Minas Gerais foi realizada pela Coordena��o Estadual de Equidades da Secretaria de Estado de Sa�de de Minas Gerais (SES-MG), em conjunto com os movimentos sociais a partir das orienta��es estabelecidas pelo Minist�rio da Sa�de, no Plano Nacional de Operacionaliza��o da Vacina��o contra a COVID-19. A estimativa identificou o quantitativo de 67.574 pessoas que habitam em comunidades tradicionais quilombolas no estado.
Para o l�der da comunidade Quilombo Pimentel, Marcelo Evaristo, muitas pessoas que fazem esses cadastros n�o entendem o sentido de pertencer e ser quilombolas.
“Eu acho que tem duas vias de entendimento a serem pensadas. A via da �rvores geneal�gicas ou a via das fam�lias cadastradas pelos governantes, que n�o levaram em considera��o que todos somos um povo s�. Essa � a minha luta de agora para a sobreviv�ncia do meu povo. As pessoas que est�o cadastradas no Incra t�m direito adquirido”, defende.
Povo tradicional de Pedro Leopoldo

De acordo com o Centro de Documenta��o Eloy Ferreira da Silvam (Cedefes), no final do s�culo XIX, negros escravizados receberam as alforrias e foram parcialmente libertos do trabalho escravo, nos grandes latif�ndios de todo o Brasil. Em Pedro Leopoldo, para manter os escravos pr�ximos e na continuidade da explora��o do trabalho, os fazendeiros cederam terras localizadas na Regi�o Centro-Sul da cidade, batizada de Pimentel.
De acordo com o site da prefeitura de Pedro Leopoldo, estima-se que a popula��o era de tr�s mil negros e Evaristo � descendente de um deles. Bisneto do pioneiro sr. Paulo, o l�der conta que os antigos batizaram o quilombo de nome Pimentel por causa da palavra pimenta, pois os moradores eram conhecidos como sendo bravos como as pimentas.
O reconhecimento veio mais de s�culo depois. Em 7 de mar�o de 2010, o quilombo foi certificado pela Funda��o Palmares – institui��o p�blica voltada para promo��o e preserva��o dos valores culturais, hist�ricos, sociais e econ�micos decorrentes da influ�ncia negra na forma��o da sociedade brasileira. A comunidade do Quilombo do Pimentel revela a import�ncia do povo negro para a constru��o da hist�ria do munic�pio de Pedro Leopoldo.
Para a Conaq, o territ�rio � visto como um espa�o f�sico, mas tamb�m como um espa�o de refer�ncia para a constru��o da identidade quilombola. A inven��o de identidades pol�tico-cultural � recorrente, ela acontece sempre que determinado grupo p�e-se em movimento para reivindicar o que lhe � essencial. Nesse sentido, o direito � vacina��o de todos que se declaram pertencentes a esse territ�rio deve ser respeitado.
Plano de vacina��o espec�fico
A Conaq questiona que o documento apresentado pelo Minist�rio da Sa�de n�o trata-se de um Plano Nacional de Operacionaliza��o de Imuniza��o/Vacina��o para Quilombola, mas sim de diretrizes nacionais, passando a responsabilidade aos estados e, em especial, aos munic�pios para a viabiliza��o dessa opera��o.
Segundo a Conaq, muitos problemas poderiam ser evitados se tivesse um plano espec�fico que atuasse na defesa dos direitos quilombolas e assim, evitaria a falta de vacina��o dos povos tradicionais bem como impossibilitaria o fura-fila de pessoas que aproveitam a situa��o para serem imunizadas.
Essa �ltima possibilidade gerou suspeita que culminou na interrup��o da vacina��o dos povos quilombolas nessa ter�a-feira (13/04), em Macap�, (AP), ap�s acordo entre o Minist�rio P�blico Federal e a Conaq.
Em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, a prefeitura decidiu vacinar todos que autodeclarassem pertencentes � comunidade quilombola de Pinh�es, mas houve a obrigatoriedade de as pessoas assinarem um termo no qual se declaram quilombolas. Dessa forma, segundo a prefeitura, os direitos aos quilombolas como grupo priorit�rio s�o garantidos e a prefeitura resguardada. Cerca de 2 mil pessoas tomaram a primeira dose do imunizante.
A SES-MG ressalta que se a popula��o quilombola estiver dentro dos crit�rios estabelecidos pelo Minist�rio da Sa�de e n�o tiver sido atendida com a vacina��o, a Secretaria de Sa�de de Pedro Leopoldo, respons�vel pelos dados de pessoas vacinadas, dever� contactar com a Unidade Regional de Sa�de de refer�ncia para o envio das doses da vacina contra a COVID-19 para a vacina��o desse p�blico.
Dia aguardado no Quilombo Pimentel

Pietro Henrique, de um m�s de vida, � o mais novo membro da comunidade Quilombo Pimentel. A m�e, Jana�na Silva, em um bra�o carrega o pequeno e no outro recebe a primeira dose da vacina contra a COVID-19. Ela faz parte das 16 fam�lias cadastradas no PSF Magalh�es, em Pedro Leopoldo.
“A nossa comunidade aguardava ansiosa por esse dia, vivia aflita porque minha m�e faz parte do grupo de risco e passei boa parte desse per�odo em gesta��o. Agora, nos sentimos mais protegidas e capazes de proteger o Pietro”, conta.
Tamb�m vacinada, a prima de Jana�na, Gessy Silva, conhecida como dona Nin�, afirma que nenhum membro do Quilombo Pimentel pegou COVID-19, mas teme pelos que ainda n�o foram imunizados e n�o est�o cadastrados na Secretaria de Sa�de como membros do quilombo.
“Me sinto aliviada, mas somos uma �nica fam�lia, n�o vejo a hora de reunirmos e podermos festejar juntos e todos vacinados mais essa vit�ria."