
“As chuvas, que no passado se iniciavam em meados de setembro, n�o v�m mais na �poca certa. O agricultor prepara a terra e planta a semente. A�, ocorrem uma ou duas chuvas. Depois, a chuva vai embora e a ro�a fica perdida”, descreve Caetano. “Muitas vezes, o agricultor planta. A ro�a fica bonita e cresce. Mas na hora da flora��o do feij�o ou do milho, vem o sol forte e acaba com tudo”, observa o t�cnico.
Ele salienta que o grande obst�culo da regi�o n�o � exatamente a falta de chuvas, mas a m� distribui��o delas. “Nos �ltimos, a regi�o alcan�ou m�dia de 700 a 900 mil�metros anuais de chuvas. O problema � que elas s�o concentradas em determinado per�odo. Antigamente, chovia 30 dias seguidos. Hoje, chove em apenas um dia. No outro, o sol bate forte e acaba destruindo a produ��o”, explica.
O assessor t�cnico salienta que as mudan�as clim�ticas resultam da degrada��o da natureza, sobretudo pelo desmatamento do cerrado, da caatinga e da floresta amaz�nica. “Esses biomas atuam no sentido de promover o equil�brio hidrol�gico e clim�tico do planeta. Com a destrui��o deles, as mudan�as clim�ticas tendem a ser aceleradas. O que, talvez, ocorreria em s�culos, pode acontecer em anos”.
Samuel Caetano destaca que dentro dessa dura realidade, o CAA-NM auxilia os pequenos agricultores, orientando as pr�ticas ambientalmente corretas para a supera��o das altera��es do clima. “Orientamos o manejo adequado da agrobiodiversidade, com t�cnicas e medidas paliativas, como a constru��o de barraginhas, o cercamento e recupera��o de nascentes, o agroextrativismo e os sistemas agroflorestais, voltados para a produ��o de alimentos em cons�rcio com a manuten��o das esp�cies do cerrado”.
Samuel Caetano chama a aten��o para a import�ncia das “sementes crioulas” – de milho, feij�o e outras esp�cies, mais resistentes �s altas temperaturas e � baixa disponibilidade de �gua. H� algum tempo, o uso delas � incentivado pelo CAA-NM junto aos pequenos agricultores e povos tradicionais do Norte de Minas j� como estrat�gica para a supera��o das mudan�as clim�ticas.
“As sementes crioulas s�o adaptadas ao semi�rido. S�o sementes mais resistentes e v�m passando por um processo de sele��o gen�tica natural. S�o sementes que conseguem produzir mais e d�o autonomia para os pequenos agricultores. Elas s�o manuseadas h� s�culos pelos povos e comunidades tradicionais”, destaca o representante do Centro de Agricultura Alternativa.
Perdas elevadas

Os preju�zos decorrentes das adversidades clim�ticas constam em relat�rio agroclimatol�gico divulgado pela coordena��o regional da Empresa de Assist�ncia T�cnica e Extens�o Rural (Emater-MG) em Montes Claros, na quarta-feira (18/08). De acordo com o levantamento, as quedas nas lavouras de milho, feij�o, arroz e sorgo em 22 munic�pios da regi�o foram de 51,6%. A produ��o, que deveria ser de 105.690 toneladas, foi reduzida para 51.122 toneladas, com a perda de 54.568 toneladas. A maior perda foi no feij�o, que teve um preju�zo de 73,9%.
A Emater-MG cita a irregularidade na distribui��o de chuvas no Norte do estado no ano agr�cola 2020/2021, com veranico entre os meses de outubro e janeiro e concentra��o da densidade pluviom�trica em fevereiro. “O volume de chuvas n�o foi suficiente para a reposi��o de aqu�feros e mananciais devido aos d�ficits de anos anteriores, afetando, principalmente, o volume acumulado em barragens da regi�o”, diz relat�rio.
O �rg�o lembra que os efeitos negativos da seca se acumulam ao longo de 10 anos. “Desde 2011 que o Norte de Minas vem acumulando preju�zos com as safras agropecu�rias, com reflexos negativos nas �reas econ�mica, social e ambiental – com reflexos na vida das popula��es rurais e urbanas”, relata.
“Diante desse quadro hist�rico de conviv�ncia com os efeitos das secas e estiagens na regi�o semi�rida do Norte de Minas, muitas comunidades e centros urbanos ainda t�m dificuldades de acesso � �gua pot�vel, necessitando de apoio governamental, atrav�s da implementa��o de pol�ticas p�blicas permanentes, de forma a melhorar a qualidade de vida das popula��es urbanas e rurais dessa regi�o”, alertam os t�cnicos da Emater-MG.
Veredas cada vez mais amea�adas

Os impactos ambientais nas veredas s�o observados pela professora e pesquisadora Maria das Dores Magalh�es Veloso, a Dora, do Laborat�rio de Ecologia Vegetal (Leve), vinculado ao Departamento de Biologia Geral da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). H� mais uma d�cada ela monitora o ecossistema na regi�o.
“No Norte de Minas, os efeitos das mudan�as clim�ticas s�o potencializados pelas press�es antr�picas que o ambiente vem sofrendo no decorrer do tempo e s�o visualizados por todos de forma contundente, atrav�s das mudan�as na paisagem. � muito comum na nossa regi�o depararmos com rios intermitentes, e, na grande maioria, secos, al�m de mudan�as estruturais na vegeta��o, como a convers�o de fitofisionomias, assim como o empobrecimento e ressecamento gradual dos solos”, afirma Dora.
A pesquisadora afirma que, diante da intensidade dos efeitos adversos das mudan�as clim�ticas, as expectativas para o futuro das veredas s�o “desalentadoras”. Ela lembra que vem acompanhando os impactos ambientais nas veredas desde 2008. “As mudan�as v�o desde a entrada de solo arenoso na zona turfosa e �mida, secamento das calhas que funcionavam como pequenos c�rregos que inundavam a zona de fundo das veredas e serviam de fonte para as comunidades veredeiras, convers�o de vereda em cerrado, at� o abandono das terras em beira de veredas pelos seus moradores, que j� n�o conseguem produzir para o seu sustento e n�o t�m �gua suficiente para a sua manuten��o”, relata.
A pesquisadora da Unimontes salienta que todos os impactos da degrada��o sofrida pelo cerrado acabam atingindo tamb�m as veredas, locais de nascente, “por serem ambientes sens�veis ao d�ficit h�drico”. Entre os problemas est� a transforma��o de veredas em �rea de cerrado, com o secamento das fontes de �gua,um processo, at� ent�o, irrevers�vel.
Dora destaca que vem “atuando em v�rias frentes”, com a realiza��o de pesquisa “para entender os processos ecol�gicos interativos em ambientes de veredas, como a ciclagem de nutrientes”. Desde 2012, conta, ela trabalha na restaura��o de �reas de veredas nos munic�pios de Janu�ria e Bonito de Minas, no Norte de Minas; e de Jo�o Pinheiro (Noroeste do estado). A partir dos seus projetos, j� foram plantadas cerca de 18 mil mudas, viabilizadas por meio de parcerias com a iniciativa privada, tendo como objetivo a recupera��o das veredas.
Na opini�o da especialista, o poder p�blico deve priorizar a inser��o do veredeiro “nos processos de restaura��o e preserva��o das veredas, atrav�s de projetos capazes de garantir a sua sustentabilidade, assim como a sustentabilidade deste ecossistema”. E nesse sentido, salienta, uma das formas de restaura��o que tem se mostrado mais eficiente � a agroflorestal”.
Constru��o de barragens em quest�o
O poder p�blico tem investido na constru��o de barragens com a finalidade de segurar �gua e at� mesmo para regularizar a vaz�o dos rios. Mas n�o adianta implantar os barramentos se n�o houver a recupera��o das nascentes, pois, sem os minadouros, n�o vai existir �gua para abastecer os reservat�rios, opina o professor e pesquisador Fl�vio Pimenta de Figueiredo, do c�mpus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em Montes Claros. Doutor em engenharia agr�cola, ele trabalha com gest�o de recursos h�dricos e ambientais.
“O 'plantio' de �gua n�o est� nas barragens, mas sim nas �reas de recarga, nas mais altas das bacias hidrogr�ficas, nas nascentes e nas veredas. Se esses locais estiverem protegidos, a �gua da chuva vai cair e infiltrar e carregar os aqu�feros, recuperando automaticaments os rios, as �guas superficiais”, explica Pimenta.
O pesquisador aponta as vo�orocas como uma dos fatores da degrada��o ambiental que mais devastam as nascentes e rios. “As vo�orocas s�o consequ�ncia das a��es humanas, resultantes do desmatamento, da constru��o de estradas e de resid�ncias, das atividades agropecu�rias e da minera��o em �reas de recarga. Tudo isso causa o processo erosivo”, lamenta Fl�vio Pimenta.
A��es do estado
Consultado pela reportagem, o governo do estado informa que vem acompanhando as consequ�ncias da estiagem prolongada em Minas e tomando provid�ncias para amenizar os danos, “por meio de um Plano de A��o para o per�odo”. As a��es envolvem as secretarias de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel (Semad) e de Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento (Seapa), informou o governo. Entre elas, transporte e distribui��o de �gua na regi�o, emiss�o de alertas e apoio aos munic�pios que enfrentam problemas com a estiagem.O governo do estado destaca ainda que o Norte de Minas � beneficiado com o Programa �gua Doce (PAD), que visa levar �gua de qualidade, pr�pria para o consumo, a cerca de 30 mil pessoas no semi�rido mineiro at� o final de 2021, beneficiando 69 comunidades rurais na regi�o, com a implanta��o, recupera��o e gest�o de sistemas de dessaliniza��o, com investimentos de R$ 15,4 milh�es – sendo R$13,9 milh�es empenhado pelo governo federal e R$1,5 milh�o de contrapartida do estado.