
Ao tomar o poder pol�tico no Afeganist�o ap�s a partida dos EUA, o grupo radical isl�mico Taleb� passou a deter tamb�m o controle sobre uma riqueza mineral estimada em algo entre US$ 1 trilh�o e US$ 3 trilh�es.
Ao mesmo tempo em que � um dos pa�ses mais pobres do mundo - em 2016, mais de metade da popula��o estava abaixo da linha da pobreza, segundo dados do Banco Mundial -, o Afeganist�o possui extensas reservas de cobre, l�tio, cobalto, ferro, ouro, que permaneceram relativamente intocadas nas �ltimas d�cadas, per�odo em que o pa�s esteve mergulhado em diferentes conflitos armados.
Entre 1996 e 2001, quando o Taleb� governou a na��o, sua principal atividade econ�mica foi a produ��o de papoula para extra��o do �pio, mat�ria prima para a fabrica��o de hero�na.
O pa�s era considerado um p�ria nas rela��es internacionais e comerciais. Agora, por�m, as coisas podem ser diferentes.N�o porque o Taleb�, que tenta vender uma imagem mais moderada ao mundo, tenha efetivamente mudado de status no xadrez global.
Mas porque as condi��es de explora��o e sobretudo o mercado desses min�rios se alterou drasticamente nos �ltimos anos, impulsionado pela necessidade do mundo de se mover em dire��o � uma economia verde.
Recentemente, um relat�rio do Painel Intergovernamental de Mudan�as Clim�ticas da Organiza��o das Na��es Unidas mostrou que os efeitos do aquecimento global t�m se acelerado e que ser� preciso fazer mais para impedir uma cat�strofe ambiental que ameace a sobreviv�ncia humana na Terra.
Vai ser preciso mudar - e r�pido - como produzimos e como consumimos.
E � exatamente por deter recursos necess�rios para essa mudan�a que o grupo isl�mico pode ter uma janela de oportunidade.
Para Rod Schoonover, cientista especializado em mudan�as clim�ticas e ex-funcion�rio de intelig�ncia americana, o Taleb� "n�o est� s� sentado sobre valiosas jazidas de pedras preciosas, mas de min�rios centrais para a produ��o industrial mundial como o ferro e, especialmente, de parte dos recursos mais cr�ticos no processo de transi��o econ�mico ambiental no s�culo 21".
Afinal, o que h� no subsolo afeg�o?
H� centenas de anos, sabe-se que a regi�o onde fica o Afeganist�o � rica em min�rios.
Mas foram os sovi�ticos, nos anos 1960 e 1970, quem primeiro mapearam a composi��o geol�gica do Afeganist�o, resultado de uma s�rie de colis�es entre placas tect�nicas que liberaram para a superf�cie terrestre partes do manto e do magma do planeta.
Entre os anos 2000 e 2010, o Centro de Pesquisa Geol�gica dos Estados Unidos e o Centro Afeg�o de Pesquisa Geol�gica retomaram as an�lises sovi�ticas do solo e se lan�aram a um extensivo invent�rio de cerca de mil minas e dep�sitos minerais ao redor do pa�s.
Para fazer o levantamento, os pesquisadores contaram n�o s� com o aux�lio de sat�lites da Nasa, mas tiveram que ser levados �s regi�es pesquisadas a bordo de Black Hawks, os helic�pteros militares americanos, e fazer suas escava��es e coletas paramentados com trajes dos Marines e sob a vigil�ncia de soldados armados.
Basicamente, todo o trabalho foi feito em zonas de guerra.
Isso explica porque, apesar da qualidade desses estudos, boa parte do conhecimento que se tem sobre as riquezas minerais afeg�s ainda est�o limitadas a estimativas e a realidade em solo pode ser ainda mais impressionante.
� �poca do estudo, o cientista americano Robert Tucker, que liderou a expedi��o no Afeganist�o, afirmou � revista Scientific American que suas proje��es sobre quantidades dos metais eram "conservadoras".
O esfor�o gerou um mapa com mais de 800 milh�es de pixels de dados - onde estariam potenciais reservat�rios de min�rios - o que corresponde a uma �rea de 440 mil quil�metros quadrados, cerca de 70% do pa�s.
Os c�lculos de Tucker e seu time indicam, por exemplo, que o pa�s poderia produzir 60 milh�es de toneladas de cobre.
Em 2021, a escassez do metal levou o pre�o a subir mais de 40% em rela��o ao valor de 2020 e afetou pesadamente a ind�stria automotiva, por exemplo, que n�o conseguia produzir por falta de pe�as feitas de cobre.
O cobre � ainda fundamental na produ��o de placas de luz solar e outras solu��es sustent�veis.
H� ainda estimadas 2,2 bilh�es de toneladas de min�rio de ferro, que, em 2010 valiam cerca de US$ 420 bilh�es, e s�o a principal mat�ria prima do a�o. Al�m de quase cem minas diferentes de ouro e prata.
Mas a an�lise das rochas vulc�nicas do perigoso deserto afeg�o mostraram tamb�m a exist�ncia de 1,4 milh�o de toneladas de um grupo de 17 elementos qu�micos conhecidos como terras-raras, como o lant�nio e o neod�mio, que possuem incomuns propriedades catal�ticas, metal�rgicas, nucleares, el�tricas, magn�ticas e luminescentes.
E dep�sitos de l�tio em quantidades t�o significativas que um documento interno do Departamento de Defesa dos EUA qualificou o Afeganist�o como a "Ar�bia Saudita do L�tio".
Nas estimativas das autoridades americanas, apenas na prov�ncia de Ghazni, na por��o sudeste do pa�s, haveria reservas de l�tio de tamanho equivalente �s da Bol�via, onde est� o maior dep�sito conhecido desse metal no mundo.
"Mas pode haver muito mais do que isso, s� que n�o foi poss�vel analisar, dada a inseguran�a no terreno", explica Schoonover.
Um mercado em ebuli��o
Tanto as terras-raras quanto o l�tio s�o fundamentais no desenvolvimento de produtos de alta tecnologia verde.
Eles s�o usados em celulares, televisores, motores h�bridos, computadores, lasers e baterias de todos os tipos, incluindo os de carros el�tricos.
Entre as terras-raras, h� ainda algumas fundamentais para fazer supercondutores, ligas que conduzem energia com m�nimas perdas presentes em diferentes ind�strias.
Esses minerais s�o t�o centrais para a economia atual que o Congresso americano os classificou como "cr�ticos para a seguran�a nacional".
"A crescente demanda por cobre, l�tio e cobalto, em particular, est� sendo impulsionada em grande parte pela transi��o para a energia verde.", afirmou � BBC News Brasil Micha�l Tanchum pesquisador do Instituto Austr�aco para Europa e Pol�tica de Seguran�a e do Instituto do Oriente M�dio, em Washington D.C.

At� 2030, os EUA planejam ter metade de sua frota automotiva composta por ve�culos el�tricos (hoje s�o cerca de 2%). E em 2035, a Uni�o Europeia espera eliminar todos os carros com motor � combust�o.
Em sua fabrica��o e funcionamento, carros el�tricos demandam em m�dia seis vezes mais minerais, como l�tio e cobalto, dos que os convencionais.
Assim, � f�cil entender porque, nos pr�ximos nove anos, a proje��o � que a demanda mundial por l�tio aumente cerca de quatro vezes. J� a demanda por terras-raras deve quase triplicar at� 2030.
Em maio, a Ag�ncia Internacional de Energia alertou que a produ��o de l�tio, cobre, cobalto e terras raras precisa crescer drasticamente ou o mundo perderia a chance de combater o aquecimento global.
A entrada do Afeganist�o no mercado tamb�m representaria uma bem-vinda diversifica��o de fornecedores.
Atualmente, apenas 3 pa�ses - China, Congo e Austr�lia - respondem por 75% da produ��o global de l�tio, cobalto e terras-raras.
O fator China

"N�o resta d�vida que as potencialidades econ�micas para os afeg�os da explora��o desse subsolo seriam enormes e essenciais, mas se fosse assim t�o f�cil os pr�prios americanos j� teriam come�ado a explora��o.
� imposs�vel criar condi��es de minera��o industrial ao mesmo tempo em que se tenta desviar de balas", afirma Schoonover.
N�o apenas os sucessivos conflitos militares explicam o motivo pelo qual a riqueza mineral afeg� nunca foi sistematicamente explorada.
O pa�s n�o tem vias rodovi�rias asfaltadas ou malha ferrovi�ria capaz de escoar a produ��o.
Al�m disso, a atividade mineradora exige enorme quantidade de energia el�trica - recurso escasso em um pa�s onde somente 35% da popula��o t�m acesso � eletricidade - e de �gua, tamb�m limitada e com distribui��o prec�ria no pa�s.
Nessas condi��es, o pouco de minera��o at� hoje foi irregular e artesanal.
Todos esses problemas j� existiam antes, mas agora, sem os EUA por perto, h� tamb�m novas oportunidades.
"Em contraste com a primeira vez em que o Taleb� chegou ao poder na d�cada de 1990, a China, vizinha do Afeganist�o, � agora uma pot�ncia manufatureira com alcance global. Isso muda a equa��o, j� que o controle do Taleb� sobre o Afeganist�o agora chega em um momento em que h� uma crise no fornecimento desses minerais no futuro pr�ximo e a China precisa deles", afirma Micha�l Tanchum.
De acordo com Tanchum, se o Taleb� oferecer aos chineses condi��es m�nimas de seguran�a para a opera��o, � poss�vel que a China seja capaz de cruzar a fronteira - com maquin�rio, pessoal treinado e at� com insumos para constru��es de vias - e criar as condi��es para uma produ��o em escala de min�rios.
A depender do mercado, seria inclusive uma solu��o lucrativa.
E a China n�o � conhecida por rela��es internacionais baseadas em san��es por assuntos de direitos humanos e liberdades individuais, temas, ali�s, que frequentemente trazem problemas ao governo de Pequim.
"Fora da pr�pria China, os maiores produtores desses minerais s�o a Austr�lia, o Chile e a Argentina. Assim, o Afeganist�o poderia ajudar a China a obter maior seguran�a de abastecimento a uma dist�ncia muito mais pr�xima, reduzindo a participa��o de mercado para os produtores de l�tio da Am�rica Latina", diz o pesquisador.
- Mudan�a do clima acelera cria��o de deserto do tamanho da Inglaterra no Nordeste
- Como filme 'Rambo 3' ajuda a explicar origem do Taleb�
Embora n�o costume operar em zonas de guerra, a pr�pria China j� tem uma posi��o pioneira no Afeganist�o para extrair minerais.
Em 2007, a Corpora��o Metal�rgica da China (MCC) adquiriu um contrato de arrendamento de 30 anos para minerar cobre em Mes Aynak, no Afeganist�o, por US$ 3 bilh�es, no que � considerado o maior investimento estrangeiro na hist�ria do pa�s.
As opera��es de minera��o da MCC foram duramente afetadas pela instabilidade no pa�s devido ao conflito entre o Taleban e o ex-governo afeg�o.
Agora, com a queda do governo afeg�o, as condi��es mudam sensivelmente.
"Se houver condi��es operacionais est�veis, ent�o as explora��es de cobre sozinhas podem gerar dezenas de bilh�es de d�lares de receita, estimulando o desenvolvimento de opera��es de minera��o de l�tio e outros metais", diz Tanchum.
Outros pa�ses da regi�o, como o Paquist�o, certamente teriam interesse nisso, j� que a produ��o poderia ser transportada por suas rotas comerciais at� a China, o que geraria receitas aos paquisteneses e aumentaria os incentivos para que eles atuem em favor da estabilidade da �rea.
O Paquist�o � o principal aliado estrangeiro do Taleb�, que possui bases no pa�s vizinho.
A situa��o no Afeganist�o ap�s a tomada de Cabul pelos radicais isl�micos segue incerta.
Uma parte da popula��o luta para fugir enquanto o Taleb� tenta colocar em p� o governo do novo Emirado e estabelecer as bases - legais e repressoras - em que seu poder vai se assentar.
H�, no entanto, uma sensa��o de que a ascens�o ao poder do grupo � um fato dado.
Em 2010, o ge�logo americano Jack Medlin afirmou que as rec�m-descobertas reservas minerais do pa�s eram "uma riqueza que autorizava os afeg�os a sonhar com um futuro que eles desconheciam".
� poss�vel que o Taleb�, agora no comando de tudo, tenha herdado a possibilidade de concretizar esse sonho de mais de uma d�cada.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!