Nat�lia, Josiana e Geraldo Resende na esta��o de buscas onde bombeiros vistoriam rejeitos na tentativa de encontrar segmentos de corpos para identifica��o
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Sofrimento e saudade fazem morada nos cora��es de familiares de v�timas do rompimento da Barragem B1 da Mina C�rrego do Feij�o, da mineradora Vale, em Brumadinho, Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Conhecidas como "joias", 270 pessoas morreram com a avalanche de rejeitos que desceu �s 12h28 de 25 de janeiro de 2019. Mil dias depois, completados ontem, os bombeiros continuam em busca de oito pessoas que ainda n�o foram encontradas. Enquanto isso, as fam�lias permanecem na luta para que a opera��o n�o termine. No mil�simo dia da trag�dia, elas compartilham um sentimento de gratid�o aos militares que entendem a responsabilidade do lema “Desistir n�o � uma op��o”.
O trabalho de bombeiros que continuam em Brumadinho tem tido resultado, mesmo ap�s 2 anos e 9 meses de opera��o. Em agosto, o corpo de Juliana Creizimar de Resende Silva foi encontrado. Ela era analista operacional da Vale e deixou filhos g�meos �rf�os de pai e m�e, j� que o rompimento da barragem tamb�m tirou a vida do marido de Juliana, Dennis Augusto. A fam�lia da Ju � emblem�tica na luta incans�vel por justi�a e para que todas as outras v�timas sejam encontradas.
“Depois desse crime, fiquei arrasado e estou at� hoje. Mesmo que tenham encontrado ela (a Juliana), n�o � a mesma coisa de antes. O sofrimento � muito, a saudade � muita”, diz Geraldo Andrade, pai da Ju, a 261ª joia identificada. “Depois que encontram a Juliana, pensei que a vida ia ganhar um rumo, mas h� um vazio t�o grande no meu cora��o! A gente fica feliz pelo encontro, mas a tristeza fica lateral, n�o sai da cabe�a. Uma parte mudou totalmente, � bom saber que ela n�o est� mais aqui na lama. Agora, a outra parte que ficou � a saudade, o vazio. N�o tenho gosto na minha vida mais. Venho e dou um sorriso, mas o sentimento n�o sai da trag�dia. Isso acabou com a minha vida”, lamenta, emocionado.
"N�o existe desaparecido. Eles est�o aqui, s� n�o foram encontrados (...). Mas enquanto os bombeiros est�o aqui, h� esperan�a"
Nat�lia de Oliveira, irm� de Lecilda, uma das oito v�timas ainda n�o localizadas
Seu Geraldo, como � conhecido pelos bombeiros que est�o em Brumadinho, se tornou um grande aliado dos militares. “A gente ficou sendo amigo. Hoje eu os considero anjos amigos”, conta. Mesmo depois de ter podido sepultar sua filha, ele n�o deixa a Comiss�o dos N�o Encontrados e continua visitando a zona de buscas semanalmente ao lado da outra filha, Josiana, e da colega Nat�lia Oliveira. “Agora, faz mil dias da trag�dia e a gente tem que agradecer aos bombeiros e ao governador, porque, se n�o fosse por eles, o trabalho j� teria acabado. Se n�o fossem os bombeiros, a gente n�o teria conseguido nada at� hoje.”
Fechar o ciclo
Josiana Rezende, irm� da Juliana, sente que o tempo n�o passou. “Depois de terem encontrado a Ju � como se tirassem um peso do cora��o, mas o vazio n�o passa. O cora��o que estava inteiro quebra um pedacinho quando a gente perde algu�m. O fato de ter o enterro que a gente fala que � digno – mas nessa hist�ria toda n�o tem dignidade –, agora, no Dia de Finados, tenho onde levar flor pra ela, isso alivia um pouco o cora��o e � por isso que eu e o meu pai n�o deixamos de fazer parte dessa comiss�o. � para ajudar que as fam�lias tenham o mesmo al�vio no cora��o de sepultar, fechar esse ciclo e iniciar o luto”, disse ao
Estado de Minas
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Josiana conta que a Comiss�o tem consci�ncia de que o ente querido n�o est� vivo, mas �s vezes se torna menos doloroso pensar que a pessoa est� viajando. “Por um longo tempo, preferi pensar assim. E, de certa forma, �s vezes, prefiro continuar pensando assim. Hoje a rotina do meu pai mudou, ele n�o deixa de vir aqui, mas ele e a minha m�e v�o ao cemit�rio todos os dias. � uma coisa muito confusa”, acrescentou.
"� tanto tempo de conviv�ncia e estreitamento de la�os que eles (os bombeiros) s�o como uma fam�lia"
Josiana Rezende, irm� de Juliana Creizimar de Resende Silva, cujo corpo foi encontrado em agosto
No meio desta confus�o, o relacionamento com os bombeiros conforta, de certa forma, j� que Juliana s� foi encontrada gra�as ao empenho dos militares. “� medida que o tempo vai passando, a rela��o vai se estreitando. Os bombeiros sempre tiveram muita gentileza conosco. Eles t�m empatia em estar juntos com a gente, de dar uma palavra de conforto, ouvir os nossos anseios. Nosso sentimento � de imensa gratid�o. Nada do que a gente fizer vai pagar”, agradece. “Sabemos que eles fazem por miss�o, que � o trabalho deles. Mas pra gente j� passou de trabalho, � tanto tempo de conviv�ncia e estreitamento de la�os que eles s�o como uma fam�lia.”
Esperan�a
Os integrantes da Comiss�o est�o seguros de que n�o v�o descansar enquanto as oito joias faltantes n�o forem encontradas. � com essa garra que Nat�lia de Oliveira motiva os militares. “Sou capaz de lembrar nitidamente das primeiras mensagens que chegaram no celular quando a gente ficou sabendo pelo grupo do WhatsApp que a barragem tinha se rompido. Fiquei sabendo �s 12h35”, relembra a irm� de Lecilda, que est� entre as v�timas ainda soterradas em meio aos rejeitos de min�rio. “Minha irm� ainda n�o foi encontrada, ent�o nosso cora��o est� fora do compasso, n�o bate no ritmo normal mais. A gente fica o tempo todo esperando a not�cia do encontro.”
Nat�lia explica que n�o gosta quando falam em “desaparecidos”. “N�o existe desaparecido. Eles est�o aqui, s� n�o foram encontrados porque o rejeito onde eles est�o ainda n�o foi revirado”. De acordo com os bombeiros, 4 milh�es de metros c�bicos (m3) de rejeitos j� foram vistoriados. Como s�o 10,5 milh�es de m3 o total de lama derramada com o rompimento da barragem, ainda faltam 6,5 milh�es a serem revirados. “� a maior opera��o de busca da hist�ria. Quando o seu Geraldo fala que a gente considera um milagre o encontro da Juliana, encontrada no 942º dia de opera��o, � verdade. Muita gente pensava que n�o iam encontrar mais, mas n�o perdemos a f�. N�o sabemos que dia a opera��o vai acabar, mas enquanto os bombeiros est�o aqui, h� esperan�a”, afirma.
A identifica��o mais recente ocorreu em 6 de outubro. Tratava-se de Angelita Cristiane Freitas de Assis, t�cnica de enfermagem que atuava na �rea de medicina do trabalho na Vale. A fam�lia dela n�o se sentiu confort�vel em dar entrevista, mas, por telefone, o vi�vo da joia demonstrou agradecimento pela dedica��o dos bombeiros. “Ningu�m merece ficar aqui na lama, essa opera��o existe por isso. Os bombeiros, para a gente, n�o s�o her�is s�. Eles s�o amigos. S�o pessoas da nossa conviv�ncia di�ria. A gente conhece todo mundo, eles conhecem nossa hist�ria”, acrescentou Nat�lia, que representa tantas outras fam�lias. “A gente s� tem que agradecer aos bombeiros. Estamos fazendo hist�ria e espero que o mundo inteiro entenda para que isso nunca mais se repita e nunca mais ningu�m passe por isso.”
Estrat�gia pode acelerar trabalhos em at� dois anos
Maquin�rio utilizado na separa��o dos rejeitos na nova fase de buscas, a oitava (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Brumadinho –
Desistir n�o � uma op��o. A Opera��o Brumadinho completou, ontem, mil dias desde o in�cio dos trabalhos de buscas por v�timas que foram soterradas pela avalanche de lama que se desprendeu da Barragem B1, da Mina C�rrego do Feij�o, de propriedade da Vale, em 25 de janeiro de 2019. Na manh� de ontem, o Corpo de Bombeiros concedeu entrevista coletiva na Base Bravo, local onde os militares se re�nem em Brumadinho, para detalhar a nova estrat�gia de buscas, divulgada pelo Estado de Minas na segunda-feira. Essa nova fase pode diminuir em dois anos o tempo de buscas – antes, a previs�o era de que elas poderiam levar mais quatro anos at� chegar ao fim. Dos 270 mortos no desastre, oito ainda n�o foram encontrados.
“Tudo vai depender do funcionamento dos trabalhos com as esta��es de busca”, disse o coronel Erlon Dias Machado, chefe do estado-maior do Corpo de Bombeiros. “Com essa nova proposta, � apenas uma estimativa que (o tempo de buscas) se reduza em dois anos. Mas depende de como cada esta��o vai funcionar.”
O processo consiste na utiliza��o de cinco esta��es de busca na �rea onde funcionava o Terminal de Carga Ferrovi�rio (TCF) da mineradora. Essas esta��es abrigam um maquin�rio capaz de melhorar a observa��o do rejeito revirado, pois j� � utilizada para "peneirar" o min�rio e foi adaptada especificamente para a Opera��o Brumadinho.
Esse novo m�todo � baseado na segrega��o granulom�trica. Um maquin�rio recebe o rejeito que ainda n�o foi vistoriado e o separa para vistoria de acordo com a gramatura. Dentro da cabine, dois bombeiros observam atentos tudo que passa pela esteira e, em caso de visualizar algum objeto que possa ser segmento de corpo, o operador interrompe a m�quina, o material � recolhido e enviado para an�lise do Instituto M�dico-Legal (IML).
O major Ivan Neto explicou que, no m�todo anterior, os bombeiros conseguiam observar 25 metros c�bicos (m3) por hora. Nesta nova t�tica, s�o revirados 120m³ de rejeito por hora, o que significa um aumento de 380% de efetividade. "Dessa forma a gente consegue diminuir a longevidade da opera��o e, por consequ�ncia, o sofrimento das fam�lias", afirmou.
Ser�o cinco esta��es. Uma j� est� em funcionamento, a segunda est� prevista para entrar na ativa no m�s que vem. Outras tr�s devem ter in�cio a partir de janeiro. "Amanh� completa um m�s de funcionamento da primeira esta��o e 10 segmentos foram encontrados. A gente ficou muito satisfeito com esse resultado, estamos otimistas", comentou o major. “O que nos motiva hoje � a esperan�a de trazer alento aos familiares”, concluiu.
O coronel Erlon Dias Machado diante de painel que marca os mil dias da Opera��o Brumadinho (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Na data marcante, representantes dos atingidos prestaram homenagem ao Corpo de Bombeiros com a entrega de flores. O coronel Erlon Dias Machado destacou a intensidade dos mil dias desde o in�cio das buscas. "O marco temporal de hoje � importante, pois essa � a maior opera��o de buscas da hist�ria", afirmou.
Com a chegada do per�odo chuvoso, o trabalho n�o deve ser paralisado. Isso porque as esta��es de busca conseguem manter sua rotina mesmo com o clima �mido. Al�m disso, os bombeiros devem utilizar lonas para proteger o solo. “Hoje n�o ser�o mais utilizadas grandes tendas, e sim o lonamento para guardar montantes de rejeitos que ser�o transportados at� as esta��es de trabalho”, acrescentou.
As fases da opera��o
Relembre as estrat�gias de busca que foram utilizadas at� o momento em Brumadinho
1ª FASE
As primeiras equipes que chegaram ao local fizeram buscas ininterruptamente com emprego de todos os recursos operacionais na �rea do rejeito, devido �s chances de localizar sobreviventes. Foi necess�rio intenso controle e manejo do grande n�mero de corpos encontrados, al�m de grande empenho de equipes especializadas, aeronaves e c�es. Foi implementado o Sistema de Comando de Opera��es (SCO).
2ª FASE
A estrat�gia 2 foi implementada no quarto dia ap�s o rompimento da barragem, priorizando buscas de corpos e segmentos na superf�cie do terreno. Foram constru�dos e recompostos acessos �s �reas atingidas e demolidas estruturas colapsadas pela lama de rejeitos. Houve tamb�m a integra��o de 55 �rg�os p�blicos municipais, estaduais e federais com o objetivo de fornecer melhor resposta ao desastre.
3ª FASE
Findadas as buscas superficiais na mancha de rejeitos e �reas adjacentes, a estrat�gia tr�s foi implementada no 41º dia de opera��o. Foram iniciadas buscas de corpos e segmentos soterrados pela lama, necessitando-se do emprego de maquin�rios pesados para a escava��o das �reas secas.
4ª FASE
A quarta estrat�gia adotou como par�metro o cruzamento de dados, que definiu as �reas de maior interesse, potencializando a utiliza��o de maquin�rios pesados para a realiza��o de escava��es pontuais e profundas. Em determinadas �reas, as escava��es foram realizadas at� a cota zero, ou seja, todo o rejeito do local foi vistoriado at� evidenciar o solo natural.
5ª FASE
A quinta estrat�gia foi implementada diante da constata��o de que cerca de 92% dos corpos e segmentos localizados durante as buscas haviam sido encontrados a uma profundidade de at� tr�s metros. Dessa forma, definiu-se como crit�rio a realiza��o de buscas em extens�o, por meio de escava��es na camada inicial, em at� tr�s metros de profundidade. Devido �s chuvas, tamb�m foi feita a montagem de tenda e enrolamento do rejeito.
6ª FASE
Devido � pandemia de COVID-19, no in�cio do ano de 2020, as buscas foram interrompidas entre 21 de mar�o e 26 de agosto. Para n�o prejudicar o andamento dos trabalhos, foi feita otimiza��o dos Sistemas de Informa��es Geogr�ficas e aumentado o controle dos rejeitos nos Dep�sitos Tempor�rios de Rejeito (DTR), com uso de tecnologias que permitiram a quantifica��o do volume de material vistoriado ou pendente de vistoria.
7ª FASE
Marcada pelo enfrentamento ao per�odo chuvoso, no qual foram instaladas tendas gigantes para garantir a exist�ncia de material seco a ser vistoriado nos intervalos de estiagem, enquanto obras de drenagem nas frentes de trabalho eram feitas simultaneamente. Parte do rejeito, mantido coberto por lonas em p�tios levemente inclinados, � vistoriado sem a interfer�ncia das chuvas. Houve nova parada, devido � pandemia, entre mar�o e maio deste ano.
8ª FASE
A �ltima fase implementada consiste na utiliza��o de quatro esta��es de busca na �rea denominada TCF, onde funcionava o Terminal de Carga Ferrovi�rio da mineradora.