Mil dias ap�s desastre, perseveran�a marca a��o dos bombeiros em Brumadinho
Profissionalismo, empatia e esperan�a de amortecer a dor das fam�lias movem as buscas, iniciadas em 25 de janeiro de 2019. Falta localizar oito 'joias'
Rejeitos que vazaram da barragem continuam a ser revolvidos na busca por corpos ou fragmentos para identifica��o das v�timas
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
“Como n�o me colocar na possibilidade de eu ser uma dessas v�timas?” O questionamento � de um dos bombeiros militares que trabalham na Opera��o Brumadinho desde os primeiros dias do rompimento da Barragem B1, da Mina C�rrego do Feij�o, da mineradora Vale. Em 25 de janeiro de 2019, um mar de lama matou 270 pessoas e deixou tantas outras com feridas f�sicas e emocionais. Na tentativa de amenizar o sofrimento de familiares que ainda aguardam o encontro de oito joias – como s�o chamadas as v�timas –, bombeiros de Minas completam hoje mil dias de dedica��o desde o in�cio das buscas.
“Foi uma cena muito impactante. Algo inimagin�vel. A gente chegou aqui e viu uma imensid�o de lama, de �rea degradada, a gente buscando a possibilidade de salvar vidas humanas e animais”, relembra o tenente Leandro de Carvalho Rodrigues, de 28 anos, prestes a completar cinco anos na corpora��o. Na data da trag�dia, ele ainda era aluno do Curso de Forma��o de Oficiais (CFO), mas j� tinha curso t�cnico e gradua��o em engenharia mec�nica e chegou a trabalhar na �rea de minera��o. “Pela minha forma��o, eu poderia estar trabalhando aqui (no momento do desastre), colegas meus poderiam estar aqui”, observa.
Desde o ano passado, j� como tenente, o militar participa da gest�o de buscas como oficial de planejamento. Ele lida diretamente com as estrat�gias, como a implanta��o das esta��es de buscas – tecnologia que foi inclu�da no m�s passado para ajudar a acelerar os trabalhos. Mil dias depois, a lama virou barro e, �s vezes, � como p�. Mas a vontade de cumprir a miss�o, de revirar todo o rejeito e encontrar todas as v�timas n�o passa. E com o aumento da liga��o emocional com os familiares e moradores da cidade n�o h� como separar, muitas vezes, o profissional do pessoal.
"A gente n�o consegue se dissociar do lado humano. Como n�o pensar na dor dos familiares?" - Leandro de Carvalho Rodrigues, tenente do CBMMG
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
“Apesar de estar aqui, ter o profissionalismo e o militarismo que regem nosso trabalho, a gente n�o consegue se dissociar do lado humano. A gente n�o consegue deixar de pensar na situa��o das v�timas neste local. Como n�o pensar na dor dos familiares?”, indaga o tenente Leandro. Para ele e os mais de 4 mil combatentes que passaram pela opera��o, o significado do trabalho que perdura at� hoje � a perseveran�a. “A gente percebe no olhar dos bombeiros que est�o aqui hoje e vieram desde o in�cio, a mesma vontade, a mesma gana de completar a miss�o.”
Fam�lia e emo��o
"� uma rela��o de reciprocidade com as fam�lias porque estamos todos unidos no mesmo objetivo" - Lucas Martins Faria, tenente do CBMMG (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Ao lado de Leandro est� o tenente Lucas Martins Faria, tamb�m de 28. Os dois estiveram juntos no mesmo CFO e continuam compartilhando os conhecimentos no mil�simo dia de opera��o. Lucas lembra que seu primeiro contato com uma ocorr�ncia com mortes foi em Brumadinho. “Aquela imagem foi impactante demais pra mim”, comenta. Nos primeiros dias ainda � dif�cil digerir a emo��o quando se est� focado no trabalho. Foi no Dia das M�es, quando ele retornou a C�rrego do Feij�o, que conseguiu ter a percep��o do que era a dimens�o da tristeza. “S�o 270 v�timas e voc� passar longe da sua m�e e ver tantas m�es de familiares que contam com a opera��o foi muito emocionante pra mim”, relembra.
Em agosto deste ano, ele viveu uma emo��o parecida quando foi encontrado o corpo de Juliana Resende. A fam�lia da Ju � emblem�tica por sua luta para que a opera��o de buscas prosseguisse. “Foram muitos dias de conviv�ncia, ent�o, a gente acaba se envolvendo emocionalmente de certa forma. O Lucas na farda � profissional, mas fora da farda a gente sente a emo��o”, conta o bombeiro, que toda semana recebe a Comiss�o dos N�o Encontrados na Base Bravo com muitos abra�os e alta carga de empatia. “� uma rela��o de reciprocidade com as fam�lias porque estamos todos unidos no mesmo objetivo, que � encontrar as oito joias.”
Para quem n�o vivencia o dia a dia dessa luta que j� perdura mil dias, � f�cil questionar a necessidade de prolongar a opera��o, mas quem conhece a luta das fam�lias sabe que sepultar um ente querido � como se fosse encerrar um ciclo. “Tento motivar a tropa fazendo uma analogia: digo que esse aqui � um grande barco. Cada equipe que passa por aqui tira um pouco da �gua de dentro para a gente tapar o buraco no fundo. E o buraco � o sofrimento das fam�lias”, metaforiza o militar. “Depois que virei pai, fico pensando: se fosse a minha fam�lia aqui, queria que tivesse o mesmo esfor�o”, conclui.
Empatia e sensibilidade
"Hoje, o sentimento � de esperan�a, de ver que a atua��o dos bombeiros tem dado resultado" - Allan Azevedo, sargento do CBMMG
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
No calor dos primeiros momentos, mil dias atr�s, havia muita informa��o ao mesmo tempo. O sargento Allan Azevedo, de 36, conta que a sensa��o que era de incerteza hoje virou esperan�a. “Quando eu estava vindo para o local, imaginava algumas coisas, mas quando cheguei, o cen�rio era completamente diferente. Hoje, esses sentimentos mudaram, passa um filme na nossa cabe�a, mas a tristeza permanece”, descreve o bombeiro, que est� na corpora��o h� sete anos. “Hoje, o sentimento � de esperan�a, de ver que a atua��o dos bombeiros tem dado resultado.”
Naquela �poca, o militar trabalhou diretamente na lama e no apoio ao setor de log�stica. Meses depois, ele passou pelo Curso de Forma��o de Sargentos e voltou pr�ximo �s frentes de buscas, atuando junto com o operador da retroescavadeira, observando os rejeitos em busca de vest�gios humanos. Agora, Azevedo integra a Assessoria de Comunica��o Organizacional do Corpo de Bombeiros. Nessa fun��o, o militar intensificou ainda mais seu contato com os familiares das v�timas.
“N�o tem nem como n�o se envolver. Sempre me coloco no lugar deles. Poderia ser minha m�e, irm�, esposa ou irm�o”, diz o sargento Azevedo. Na mente, o nome das oito v�timas ainda n�o encontradas: Cristiane, Lecilda, Lu�s Felipe, Maria de Lurdes, Nathalia, Ol�mpio, Tiago e Uberl�ndio. “�s vezes estamos andando na rua e vem algum familiar que fala que perdeu um parente em Brumadinho. A primeira coisa que passa pela cabe�a � realmente a gente se sensibilizar. A gente consegue sentir um pouco a dor do outro, se colocar no lugar dele.”
Esta��o concentra vistoria de rejeitos
Em duplas, bombeiros observam material que passa por esteira atentos a qualquer objeto que possa ser segmento de corpo (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Em sua oitava fase, a Opera��o Brumadinho est� ancorada no momento em esta��es de busca na �rea onde funcionava o Terminal de Carga Ferrovi�rio (TCF) da mineradora. Essas esta��es abrigam um maquin�rio capaz de melhorar a observa��o do rejeito revirado, pois j� � utilizada para "peneirar" o min�rio e foi adaptada especificamente para a opera��o.
Esse novo m�todo � baseado na segrega��o granulom�trica. Um maquin�rio recebe o rejeito que ainda n�o foi vistoriado e separa para vistoria de acordo com a gramatura do material. Dentro da cabine, dois bombeiros observam atentos tudo que passa pela esteira e, em caso de visualizar algum objeto que possa ser segmento de corpo, o operador interrompe a m�quina, o material � recolhido e enviado para an�lise do Instituto M�dico-Legal (IML).
At� o momento, h� apenas uma esta��o de buscas em funcionamento, mas a inten��o � que a segunda comece a funcionar j� no pr�ximo m�s e as outras tr�s estejam em opera��o a partir de janeiro. As esta��es funcionam 12 horas por dia e os bombeiros que observam quase sem piscar trabalham em regime de revezamento de duas horas. De acordo com os bombeiros, pelo menos oito segmentos j� foram encontrados na esta��o de buscas que ainda n�o foram identificados.
Ao todo, 4 milh�es de metros c�bicos (m3) de rejeitos j� foram vistoriados. Sendo 10,5 milh�es de m³ o total de lama derramada com o rompimento da barragem, ainda faltam 6,5 milh�es a serem revisados. A previs�o � que as esta��es de busca concluam essa vistoria em cerca de 2 anos – diferentemente da estrat�gia anterior, que previa cerca de 6 anos para revirar todo o rejeito. (DL)
SEM DESCANSO
Confira os n�meros da opera��o de buscas em Brumadinho