No Alto Vera Cruz, Regi�o Leste de Belo Horizonte, um grafite chama a aten��o dos visitantes do bairro que comporta 47 mil habitantes e concentra uma das maiores favelas da capital. O desenho mostra dona Valdete da Silva Cordeiro, ex-presidente da Associa��o Comunit�ria e fundadora do grupo Meninas de Sinh�. Quase uma d�cada depois de sua morte, em 2014, os ensinamentos dela servem de inspira��o para uma legi�o de jovens.
Um deles � J�lio C�sar Pereira Souza, de 44 anos e h� quase 30 no di�logo com o poder p�blico para auxiliar a comunidade mais pobre na busca por direitos b�sicos, como alimenta��o digna, casa pr�pria, saneamento e educa��o.
E � justamente em favor das minorias que Dona Valdete se dedicou durante anos e incentivou J�lio C�sar, ent�o com 17 anos, a entrar para a associa��o. “Ela se foi, mas as ideias permaneceram. Ela sempre dizia que ‘quando o pouco se une, as coisas d�o certo’. Isso est� escrito na entrada da associa��o, junto com a caricatura dela. E n�s adotamos essa ideia no Alto Vera Cruz”, diz, emocionado.

Resultados da luta
O envolvimento com as pol�ticas p�blicas o fez ter proximidade com a dura realidade de outras pessoas. “A favela n�o � planejada, j� que a maioria das casas s�o ocupa��es irregulares. As constru��es possuem riscos geol�gicos. Voc� v� esgoto a c�u aberto. Mas lutar por essa mudan�a tem resultados”, afirma o l�der, que, nos anos 1990, iniciou o trabalho em busca de moradia para os que n�o tinham.
“Depois de 1993, surgiu o Plano Diretor de Belo Horizonte, que ajudou na regulariza��o fundi�ria das vilas e favelas. A comunidade mudou muito. Passamos a ter ruas muitas abertas e asfaltadas, escolas, um centro de sa�de novo e um espa�o de pol�ticas p�blicas de assist�ncia social”, afirma.
"Uma favela � sempre vista de forma pejorativa. Existem muitos preconceitos e racismo estrutural"
J�lio C�sar Pereira Souza
Pelo seu envolvimento com a sa�de, detectou que muitos problemas estavam relacionados justamente �s m�s condi��es na periferia: “Vimos que 60% de doen�as eram ligadas � falta de saneamento b�sico, como leptospirose, xistose e outras doen�as provocadas por vermes. Muitas crian�as adoeciam muito”, comenta.
Legitimidade de reivindicar
No in�cio, a execu��o do trabalho feita por J�lio era complicada, j� que as associa��es de bairro n�o tinham legitimidade para enviar of�cios ao poder Executivo falando sobre demandas.
“Na ditadura militar, as coisas eram resolvidas dentro dos gabinetes. Falava-se com o deputado ou vereador e eles resolviam com o prefeito ou governador. N�o pediam opini�o da comunidade. Resolviam os problemas em troca de favores. A partir do momento que surgiu essa rea��o das lideran�as, que podem fazer conv�nios, emitir of�cios ao poder p�blico, as comunidades passaram a ter mais autonomia”, explica Julio.
“Na ditadura militar, as coisas eram resolvidas dentro dos gabinetes. Falava-se com o deputado ou vereador e eles resolviam com o prefeito ou governador. N�o pediam opini�o da comunidade. Resolviam os problemas em troca de favores. A partir do momento que surgiu essa rea��o das lideran�as, que podem fazer conv�nios, emitir of�cios ao poder p�blico, as comunidades passaram a ter mais autonomia”, explica Julio.

Li��es do dia a dia

J�lio foi pai aos 18 anos. O primog�nito, Pablo Gustavo, tem atualmente 26 e se tornou um dos diretores da associa��o. Em seguida, veio Isabela, de 24, tamb�m atuante nos trabalhos dentro de ocupa��es na cidade. Diariamente, ele os incentiva a ser mais “soldado na guerra”, que n�o tem fim.
A pandemia da COVID-19 fez aumentar as demandas: “O desemprego � muito grande. Hoje, h� subempregos ou trabalhos tempor�rios. E, a partir disso, h� muita evas�o escolar, j� que os alunos s�o obrigados a abandonar os estudos. H� muito esfor�o f�sico e mental durante o dia, o que leva os jovens a praticamente ficar dormindo � noite na aula”.