
De uma regi�o de Belo Horizonte formada por antigas fazendas no in�cio do s�culo 20 aos atuais 64 bairros e cerca de 400 mil habitantes, o Barreiro passou por um grande processo de transforma��o em sua hist�ria. Mudan�a semelhante vivida pelo jovem Anderson Fabr�cio dos Santos, que no fim dos anos 1980, se mudou para l� aos 7 anos, vindo de Contagem com a m�e, Maria Jos�. O novo terreno virou sua eterna paix�o e, l�, Anderson cresceu e virou o Mano Bill. O artista e rapper do Bairro Olaria, periferia da regi�o, � o segundo personagem da s�rie especial multim�dia “Eu Sou Favela”, que tra�a o perfil de l�deres comunit�rios de BH.
O mesmo Barreiro que viu Bill crescer se tornou pano de fundo de v�rios momentos dram�ticos da trajet�ria do artista. Em mais de tr�s d�cadas, ele foi preso injustamente por associa��o ao tr�fico, viu amigos morrerem em situa��es tristes e testemunhou v�rios seguirem outros caminhos. Apesar das adversidades, o rapper, hoje aos 39 anos, ajudou a levar ao Olaria vida e esperan�a, seja na difus�o da cultura hip hop, seja na luta di�ria para dar assist�ncia �s fam�lias mais vulner�veis.
Pol�mico, intr�pido e ao mesmo tempo carism�tico, Bill milita h� v�rios anos em favor de justi�a para os moradores da regi�o, embora nem sempre tenha conquistado o objetivo. Com seu trabalho, o rapper e l�der comunit�rio do Olaria ajuda diretamente 3 mil pessoas de 25 favelas do Barreiro.
"J� fui preso como traficante, sem nunca vender droga na minha vida. Perdi minha condi��o de r�u prim�rio injustamente. Logo, quem fica tranquilo quando h� uma viatura na comunidade? Ningu�m"
Mano Bill, l�der do Barreiro
“J� fui preso como traficante, sem nunca vender droga na minha vida. Perdi minha condi��o de r�u prim�rio injustamente. Logo, quem fica tranquilo quando h� uma viatura na comunidade? Ningu�m”, dispara. Segundo o rapper, as comunidades mais vulner�veis seguem a vida com medo. “Muitos pobres e favelados j� andam com alvo de tiro nas costas. Muitas vidas s�o tiradas injustamente. As pessoas s�o trabalhadoras. O verdadeiro traficante nem coloca a cara na comunidade”.

Bill diz n�o se conformar com v�rias situa��es do dia a dia que remetem � injusti�a. “Um deputado tem foro privilegiado e direito de delatar uma pessoa para sair de uma acusa��o que ele sofreu. A justi�a tem cor, nome, identidade e CPF”, afirma.
Virtude de ajudar
A proximidade de Mano Bill com sua m�e, dona Maria Jos� marcou n�o s� sua origem, mas como seu futuro como l�der comunit�rio. Em sua carteira de identidade, n�o h� refer�ncia ao nome do pai. “Quando meu pai engravidou minha m�e, ele deu uma grana violenta para ela fazer o aborto. Havia uma cl�nica em Belo Horizonte e ela morava em Contagem. Mas ela n�o fez o aborto. Com o dinheiro, comprou uma casa para vivermos. Ela � minha ‘p�e’”. Desde garoto, viu a m�e e uma tia recolherem biscoitos e leite para doar �s crian�as no Hospital Santa Helena. E, com o tempo, aprendeu a virtude de ajudar ao pr�ximo.
"Quando meu pai engravidou minha m�e, ele deu uma grana violenta para ela fazer o aborto. Havia uma cl�nica em Belo Horizonte e ela morava em Contagem. Mas ela n�o fez o aborto. Com o dinheiro, comprou uma casa para vivermos. Ela � minha 'p�e"
Durante a pandemia, Bill criou o projeto “Barreir�o sem COVID-19”, para estimular doa��es para moradores de ocupa��es da regi�o, com o objetivo de ajudar 5 mil fam�lias. Para ele, ser l�der comunit�rio � estar presente nas situa��es mais complicadas: “� compartilhar com todos a vit�ria de cada um, seja uma carteira de motorista, uma moto, o primeiro emprego, passar na faculdade, um lava-jato ou mesmo a sa�da de uma ‘biqueira’, do �lcool e das drogas. �s vezes, o cara mais perigoso da comunidade fica alegre depois de receber uma doa��o”.

O rapper tem tr�s filhos. O primog�nito � Gabriel Vitor, de 21. Depois, vem Hendrick, de 15, que o m�sico adotou depois que o pai do garoto foi assassinado. Por �ltimo, veio �gata, de 9. A d�diva de ser pai o emociona. “Quero ser para eles o que eu n�o tive: um �timo pai”, diz.
Incubadora de artistas
Bill come�ou a gostar de rap em 1992 e, cinco anos depois, gravou a primeira m�sica, “Mis�ria junto � corrup��o”, veiculada numa r�dio da Cabana do Pai Tom�s. Hoje, j� s�o quatro discos gravados.
Por meio do rap, nasceram outros projetos sociais que estimulam os mais novos a escrever e a criar poesias, como o Movimento Periferia Criativa. Atualmente, Mano Bill desenvolve as “geladeirotecas”, bibliotecas ao ar livre improvisadas dentro de geladeiras velhas para difundir o h�bito da leitura entre as crian�as. “O Barreiro � uma incubadora de artistas. Como pessoas do rap, temos um n�vel de politiza��o avan�ado. Temos muitos poetas, artistas, escritores e produtores de eventos. S� n�o temos investimento”, lamenta.
A m�sica lhe deu voz na sociedade, segundo os amigos. “Ele entrou no rap para mostrar suas dores. Depois de uma inf�ncia dif�cil, a m�sica foi o meio que ele teve para se expressar”, conta a estudante Ana Am�lia Peixoto, de 42, que conheceu o rapper em 2019.
“Ele tem uma hist�ria triste e marcante e, ao mesmo tempo, muito comum dentro da periferia, onde n�o h� recursos e acessibilidade. Por isso, muitas pessoas fogem das responsabilidades, o que ocorreu muito com os homens”, ressalta o poeta Dione Machado, de 36, que conheceu o rapper em meados de 2007 justamente no movimento hip hop.
Uma das miss�es de Mano Bill � p�r fim ao status negativo das favelas: “� uma vis�o deturpada e do achismo. Esse conceito de ser favelado � complexo. Moro na favela e vivo na crise desde que nasci. E isso n�o me transformou em bandido ou traficante. Aqui, existem muitas v�timas do crime organizado. O lado fraco ser� o mais manchado”, afirma.