� algo, no m�nimo, inusitado. Por v�rios motivos. Cl�ssico misturado com um dos estilos mais populares. Erudito saindo das salas de concerto e desembarcando num campo de futebol de v�rzea. A m�sica falada se misturando � harmonia de diversos instrumentos. Pois � essa a proposta do show que une no mesmo palco e sob a mesma batuta o hip hop do mineiro Fl�vio Renegado e a m�sica de c�mara da Orquestra de Ouro Preto. Ontem, na grava��o do DVD do espet�culo Su�te Masai, no Alto Vera Cruz, um dos maiores aglomerados na Regi�o Leste de Belo Horizonte, nada desafinou e todos se renderam �quilo que os ouvidos, carinhosamente, agradeceram por poder ouvir.
“Estamos fazendo um encontro milenar de culturas: da m�sica de c�mara e todas as suas belezas e sofistica��es com o hip hop. � o futuro para onde a m�sica caminha, de quebrar barreiras e pensamentos”, avisa Renegado. “M�sica tem que ser boa, n�o deve ter distin��o. Tem que tocar as pessoas e isso est� sendo m�gico. � um absurdo de melodias e harmonia. � inspirador”, relata. E para o m�sico, a maior recompensa � poder dar acesso a seus iguais.
Para o maestro e diretor art�stico da orquestra, Rodrigo Toffolo, chama a aten��o a linguagem do hip hop enquanto algo amplamente difundido e sua contemporaneidade. “Podemos afirmar com certo grau de certeza que � o estilo musical mais usado no mundo todo, por v�rias raz�es, at� pelo fato de ser m�sica falada”, diz. O maestro v� nessa parceria a possibilidade do resgate de algo que j� foi tend�ncia no estilo cl�ssico. “No passado, a orquestra sempre esteve ligada ao novo. Tudo novo ia para ela. Quando um instrumento novo era inventado, ia para a orquestra”, diz. “Carmen � a primeira �pera com texto feminista. Foi um esc�ndalo na �poca, na �pera de Paris, uma cigana que jogava rosa na cara do capit�o do ex�rcito. Foi visto como uma provoca��o pela aristocracia francesa”, conta.

Mas isso mudou, e as orquestras assumiram o papel de guardi�s de um patrim�nio do passado, na opini�o de Toffolo e passaram a estar cada vez menos na ponta. Outro ponto que � positivo nesse show, segundo o maestro, � levar a orquestra para um p�blico que n�o est� acostumado ao erudito. “� preciso despertar essa sensa��o de pertencimento. As salas de concerto s�o espa�os p�blicos, seja Pal�cio da Artes ou Sala Minas Gerais. Foram feitas com dinheiro p�blico e imposto de todo mundo. Pessoas t�m direito de entrar e se sentir bem”, alerta. Forma��o de p�blico � tamb�m o ponto chave de trabalhos como esse: “Sem formar p�blico novo, e a tend�ncia � de o p�blico envelhecer, daqui a pouco, a tend�ncia da orquestra � desaparecer. O p�blico deve estar na cabe�a de todo regente e todo diretor art�stico. O que fazer para estar presente”.
P�BLICO Na plateia, tamb�m um show de diversidade sociocultural, entre um p�blico acostumado ao hip hop como trilha sonora nas vilas, e aqueles que conhece e gostam do estilo, mas que pela primeira vez o degustaram direto do forno da comunidade. Como recheio da massa, cl�ssicos de Heitor Villa-Lobos – Bachiana 4 , na abertura, e no intervalo, a n�mero 5 – executados pela orquestra ouro-pretana, agradaram aos f�s do repert�rio de Renegado.
“Gosto da m�sica cl�ssica e conhe�o o trabalho do Renegado. Essa mistura musical cria a oportunidade de acesso ao erudito pela comunidade, mas tamb�m possibilita apresenta��o do pop nesse palco que representa sua origem e � in�dito para mim e muitos dos que est�o aqui”, destacou a professora de artes M�rcia Costa, de 37 anos. J� a amiga dela, a tamb�m educadora Maria Carolina, de 39, arrematou: “� uma iniciativa que vai al�m da m�sica, que pode trazer sonhos, novos projetos”.

O casal de namorados Ellen Rose, de 22, e Jefferson Pinto, de 28, chegou cedo para garantir lugar na primeira fila. “Sou estudante de m�sica e j� vi encontro do erudito e pop em salas fechadas. Mas essa � uma experi�ncia diferente, num show em local aberto na comunidade”, conta Ellen, moradora da regi�o. “Quando se pensa na mistura social, como nesse show, pensa-se tamb�m no novo olhar que as pessoas, em suas diferentes classes sociais, passam a ter umas das outras” sugeriu Jefferson.
J� a produtora de cinema h�ngara Anita Doron, de 44, acompanhada do filho Tian, de 7, que chegou h� dois em Belo Horizonte, f� do heavy-metal brasileiro do Sepultura, mas que n�o conhecia o hip hop das nossas comunidades, aprovou a proposta de juntar o estilo com o cl�ssico. “Tudo pode quando � feito com alegria, amor, cora��o. � bom brincar com as coisas que j� existem, sem ser sempre nas nossas caixinhas”, filosofou.
O profissional de m�dia comunit�ria Ren� Silva Santos, de 24, veio do Complexo do Alem�o, no Rio de Janeiro, para assistir � apresenta��o. “J� assisti a projetos em minha comunidade, do cl�ssico com samba ou com funk. � importante inovar, trazer para dentro das favelas novas possibilidades musicais. Esse mix de hip hop e orquestra, para mim in�dito, � uma dessas boas novidades”, assinalou Ren� Silva.