
A possibilidade de um colapso no transporte p�blico de Belo Horizonte tem sido tema recorrente entre os empres�rios do setor. Em um ano marcado pela CPI da BHTrans, greve dos rodovi�rios e incertezas sobre o reajuste tarif�rio, representantes das 34 empresas de �nibus e o prefeito Alexandre Kalil t�m enfrentado duras rodadas de negocia��es.
O contrato de concess�o diz que o reajuste da passagem deveria ser aplicado no pr�ximo domingo, dia 26. Somente na semana passada, tr�s encontros foram marcados para discutir poss�veis solu��es para a mobilidade urbana da capital mineira. No entanto, �s v�speras da data-limite contratual, ainda n�o h� um acordo.
Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, o diretor-presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Setra), Raul Lycurgo Leite, pede a moderniza��o do contrato feito em 2008 e sugere alternativas para que o usu�rio pague menos pela passagem de �nibus.
Publicamente, o senhor tem insistido que o transporte coletivo est� � beira do colapso, em BH. Um dos motivos desta afirma��o seria, de acordo com suas palavras, o “formato injusto do contrato de concess�o”, acordado ainda em 2008. Por que “injusto”?
No contrato atual, o �nus recai sobre o usu�rio pagador. Isso significa que quem vai pagar � o usu�rio que subir no �nibus naquele momento. S� que a infraestrutura b�sica deve ser remunerada, quer voc� use ou n�o. No Brasil, o servi�o de �nibus � rateado s� por quem usa, que �, infelizmente, o mais pobre. � um mar de gente que est� sendo beneficiada direta ou indiretamente, mas quem paga o sistema? S� quem sobe no �nibus. O erro n�o est� na feitura do contrato em 2008, seria uma desonestidade intelectual minha dizer que l� em 2008 n�s pod�amos fazer uma coisa diferente. Poderia ser uma coisa incipiente, talvez, mas o erro est� em n�o modernizar.
Existem alternativas vi�veis para tirar das m�os do passageiro a responsabilidade pela manuten��o do sistema?
Hoje, temos 100% da responsabilidade nas m�os do usu�rio. Por isso � injusto. Quais s�o as alternativas? A palavra m�gica se chama receita extra tarif�ria. O que s�o essas receitas? � de onde voc� tem o subs�dio, mas temos outras tantas, como multas de tr�nsito ou publicidade de �nibus. Por que aqui os �nibus n�o t�m publicidade e l� fora todos t�m publicidade? E eu pergunto, � suficiente? N�o. Mas para a galinha encher o papo, � de gr�o em gr�o que ela vai ciscando. At�, se for caso, a cria��o de uma taxa de mobilidade, cobrada dos im�veis que tenham garagem.
"Para solucionar o problema do transporte p�blico, n�o � um problema s� do prefeito, � um problema do Estado e da Uni�o"
Raul Lycurgo Leite, diretor-presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros
Voc� acredita que esse problema seria solucionado apenas pela prefeitura?
Olhando isso aqui tudo, o caos est� muito pr�ximo. Para solucionar o problema do transporte p�blico, n�o � um problema s� do prefeito, � um problema do estado e da Uni�o. Nossa miss�o n�o � s� achar receitas tarif�rias, � desonerar a cadeia tamb�m. Eu desonerando a cadeia, na verdade, quem est� sendo desonerado � o usu�rio pagador. N�o � s� achar dinheiro, � achar dinheiro de uma maneira eficiente. Eu tenho agora que achar uma receita extra tarif�ria para neutralizar este aumento.

Segundo dados do Setra-BH, os custos das empresas superam a receita bruta de R$ 64 milh�es, sendo que apenas com combust�vel e m�o de obra as empresas tiveram um gasto de R$ 62 milh�es. Para custear o restante, seriam necess�rios R$ 30 milh�es. Quanto o sindicato calcula que deveria custar uma passagem de �nibus para bancar os custos das empresas?
N�s n�o estamos pedindo favor, estamos pedindo execu��o do contrato. Estamos pedindo que no dia 26 de dezembro haja uma atualiza��o da f�rmula param�trica. N�o tivemos a f�rmula param�trica em 2017, 2019 e 2020. Isso tudo teve infla��o e n�s n�o tivemos. A gente sabe que a f�rmula param�trica, que fecha dia 15, com os resultados de novembro, ela vem de certa forma salgada. Porque s� o diesel aumentou 65% este ano.
Quanto � greve no setor, encerrada recentemente, a negocia��o garantiu o reajuste salarial para os trabalhadores rodovi�rios. O prefeito Alexandre Kalil j� afirmou, in�meras vezes, que n�o haver� reajuste tarif�rio neste ano. Sem isto, como o Setra pretende arcar com as despesas?
Se a prefeitura entende que n�o vai dar o reajuste tarif�rio, ela tem que fazer o subs�dio. E, veja bem, o subs�dio n�o � para as empresas. O subs�dio � para auxiliar os mun�cipes a pagar aquela tarifa que seria a tarifa do contrato. O que a gente espera � que neste momento, como estamos vendo, que � um momento de colapso, que precisamos modernizar o contrato. E o Setra n�o � contr�rio � moderniza��o do contrato, ele � contr�rio a desobedi�ncia do contrato, a rasgar contrato, a n�o cumprir contrato.
"A palavra m�gica se chama receita extra tarif�ria. � de onde voc� tem o subs�dio, mas temos outras, como multas de tr�nsito ou publicidade de �nibus"
Raul Lycurgo Leite, diretor-presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros
A partir de janeiro de 2022 passa a operar a BH Mobilidade, extinguindo a atual BHTrans. O senhor acredita que isso pode impactar as negocia��es?
N�o acho que isso possa impactar. � uma mudan�a de nome e r�tulo para gente. N�s vamos com o conte�do. O que a cidade necessita � que seja agora um ente extremamente forte, mas voltado para a efici�ncia do transporte p�blico coletivo em primeiro lugar, depois os outros pontos que ela precisa fazer.
Existe uma press�o das m�dias e grandes cidades para que o governo federal subsidie o transporte p�blico, como solu��o para evitar um colapso. Existem setores no pa�s que recebem subs�dios nesse sentido que possam embasar essa reivindica��o?
S�o Paulo, por exemplo, est� pagando R$ 4,2 bilh�es de subs�dios para auxiliar os usu�rios a pagar a tarifa. E o prefeito falou que mesmo assim a tarifa sairia de R$ 4,40 para R$ 5. Bras�lia, por exemplo, tem uma frota quantitativa muito parecida com a nossa. Bras�lia vai beirar os R$ 800 milh�es de subs�dios este ano. Na pandemia, quase R$ 600 milh�es de subs�dios. Vit�ria, a mesma coisa. Todas elas, de alguma forma, est�o recebendo aportes. Gravata�, no Rio Grande do Sul, ajuizou uma a��o sobre royalties do petr�leo e ganhou esta a��o. E, ao inv�s de jogar isto para o caixa, ele jogou para a modicidade tarif�ria. Este � mais um exemplo de criatividade e precisamos, neste momento, ter criatividade para baixar custos. N�o adianta onerar mais. � baixar custos e achar formas com que a gente possa, de alguma forma, remunerar o servi�o, que � um servi�o caro.

O senhor se encontrou com o prefeito Alexandre Kalil para discutir quest�es que envolvem a gratuidade do transporte. Est� claro que se trata de uma negocia��o dif�cil. Como o senhor avalia essa quest�o?
Voc� n�o sai do 0 ao 100 de imediato, acho que � uma grande constru��o. At� recentemente, n�o se tinha esta ideia de que o sistema est� em colapso. Ele (Kalil), antes de qualquer outro, j� olhou e falou “o neg�cio est� ruim, n�o para em p�”. N�o adianta ir contra esses dados, que n�o h� muito o que se fazer, tem que resolver o problema. O di�logo tem avan�ado, inclusive at� de uma maneira mais r�pida. A pr�pria prefeitura e ele mesmo, antes da pr�pria Frente Nacional de Prefeitos, j� tinham detectado o problema do colapso. Ele j� viu que isso � um problema e que precisa tratar. A gente conhece o perfil e ele n�o � muito de n�o enfrentar problemas. Desde o momento que ele identifica o problema, ele enfrenta o problema. Mas � um problema complexo, como vimos aqui. N�o vai ser s� ele (Kalil). Ele pode, obviamente, come�ar a fazer isso, mas precisa de estado, de Uni�o, precisa de todos os imbu�dos para resolver o problema do transporte.
Este foi um ano turbulento para o Setra-BH. O sindicato passou por investiga��es de uma CPI, den�ncias de vereadores e greve dos motoristas. � poss�vel que o cen�rio venha a ser diferente em 2022?
Esta � nossa maior meta. Quando eu estou preso no tr�nsito, olho para aquele �nibus parado… A ang�stia que me d� de ver aquelas pessoas ali dentro, no hor�rio de pico. Quer dizer, eu poderia estar prestando um servi�o de uma maneira mais eficiente e n�o estou, mas n�o depende s� de mim. Liberar as vias para o transporte, n�o depende s� de mim. Eu queria ter a via liberada. A gente pode, com criatividade, achar uma forma de fazer o usu�rio pagar menos. Fazendo isso, a tarifa de certa forma fica estagnada em R$ 4,50. S� de manter a tarifa em R$ 4,50, voc� pode imaginar o benef�cio para a sociedade e at� para a press�o inflacion�ria. Mas, para isso, n�s precisamos achar receitas extra tarif�rias de forma que a gente consiga fazer o sistema continuar operando. Esperamos que 2022 seja melhor e que 2023 seja melhor ainda, esta � a nossa meta.
*Estagi�ria sob supervis�o do subeditor Rafael Alves