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Estado de Minas EM GUERRA PELO FILHO

Fam�lia acusa col�gio mineiro de discriminar e recusar filho autista

Promotora refor�a que escolas, pela lei, devem aceitar os alunos que dependem de uma educa��o especial; col�gio em Juiz de Fora aponta 'falha na comunica��o'


17/01/2022 14:43 - atualizado 17/01/2022 21:48

Criança brincando
Karla Bronzato, de 28 anos, faz din�micas e jogos com o filho Murilo, de 3, para estimular a intera��o social dele (foto: Reprodu��o de v�deo/Arquivo pessoal)
Quando Murilo, de apenas 3 anos, deu tchau e mandou um beijo pela primeira vez, Karla Bronzato, de 28, chorou de tanta emo��o. O gesto do filho autista era um sinal de que a guerra contra a condi��o, travada por ela entre dois mundos – o seu pr�prio e o do filho –, come�ava a ser vencida. E para al�m das batalhas di�rias dentro de sua casa, em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, a jovem m�e e o marido Eriele Fernandes Coelho, de 44, agora lutam pelo direito � educa��o do menino. Os pais acionaram a pol�cia e denunciaram que o tradicional Col�gio Stella Matutina recusou a matr�cula do filho em decorr�ncia da sua condi��o de sa�de.
A Promotoria de Justi�a de Defesa da Educa��o, da Crian�a e do Adolescente no munic�pio tomou ci�ncia do caso na �ltima quinta-feira (13/1), quando recebeu uma representa��o contra a institui��o de ensino.

O documento foi assinado por todos os vereadores da C�mara Municipal. A fam�lia tamb�m diz que vai entrar com uma a��o judicial contra o col�gio. O caso foi encaminhado � 7ª Delegacia de Pol�cia Civil, onde um inqu�rito est� em curso. 
 
Al�m dos pais, a reportagem conversou com a promotora Samyra Ribeiro Namen, que recebeu e apreciou a demanda conjunta do Legislativo da cidade.

“Ainda n�o temos muitas informa��es, mas apenas as alega��es contidas no documento enviado pela C�mara. Estamos dando in�cio nas apura��es agora”, conta a magistrada, pontuando, no entanto, que h� ampla legisla��o no Brasil que, de fato, assegura a obrigatoriedade das escolas aceitarem alunos que dependem de uma educa��o especial complementar. A lei n�o prev� nenhum limite ou estabelecimento de cota de vagas para esse p�blico.
 
A reportagem ouviu, ainda, o vereador Ant�nio Aguiar. Tamb�m atuante como pediatra dos ambulat�rios de autismo e s�ndrome de Down no Sistema �nico de Sa�de (SUS) do munic�pio, foi o m�dico quem trouxe � tona entre seus pares na C�mara o desabafo da m�e de Murilo nas redes sociais (veja abaixo).


 
� reportagem, Karla conta que no dia 17 de dezembro ela e o marido foram at� o col�gio para conhecer o espa�o e, inicialmente, foram bem atendidos.

“A coordenadora que estava nos acompanhando at� mostrou a sala que o Murilo iria estudar. Ela disse que o processo seria bem simples, sendo necess�ria a inscri��o na internet e depois juntar os documentos para finalizar o processo na unidade”, inicia.
 
Ainda conforme seu relato, eles fizeram o que foi orientado. Ao acompanhar a solicita��o na internet, Karla diz que recebeu uma mensagem, dia 28 de dezembro, informando que a coordenadora do col�gio queria falar com ela.

Fachada do colégio Stella Matutina
Pol�cia Militar esteve na institui��o de ensino e coletou depoimento dos pais e da coordenadora do Col�gio Stella Matutina, em Juiz de Fora (foto: Bruno Luis Barros - Especial para o EM)
 
“Ligamos e pediram que a gente fosse at� l� com a documenta��o dele fazer a matr�cula. No entanto, cinco minutos depois, retornaram a liga��o dizendo que a coordenadora, na verdade, n�o estava, pois tinha sa�do de f�rias. Mesmo assim, decidimos ir l� para nos certificar, pois t�nhamos achado aquilo estranho. Quando chegamos, voltaram a dizer que toda a coordena��o tinha sa�do de f�rias e remarcaram para que volt�ssemos dia 3 de janeiro”, conta o pai da crian�a, Eriele.
 
Por volta das 10h de uma segunda-feira, o casal chegou ao col�gio, mas uma funcion�ria disse que n�o teria como atend�-los devido a um problema no site. “Al�m disso, falaram que a coordenadora n�o estava e, mais uma vez, pediram que volt�ssemos mais tarde, �s 14h”, segue a esposa.
 
Matr�cula negada: “Quem perde ele s�o voc�s”, diz m�e
 
“Quando retornamos, ela ainda n�o tinha chegado e esperamos por mais de meia hora. Quando finalmente fomos atendidos, a coordenadora disse assim: ‘Eu vou conversar, mas s� posso falar com uma pessoa’. Ent�o, eu fui para dentro de uma sala com ela. Como j� t�nhamos passado por discrimina��o com o Murilo em outras escolas, j� fiquei cismada com aquela situa��o”, lembra Karla, acrescentando que a negativa de matr�cula – bem como o motivo – veio naquele momento.
 
“A coordenadora disse que n�o poderia matricular o Murilo porque ele era autista. Havia, sim, vagas, por�m para crian�as t�picas – ou seja, sem defici�ncia. Ela tamb�m falou que j� tinha dois alunos com autismo e, com base no regulamento interno da institui��o, n�o poderia aceitar outra crian�a nessas condi��es.”
 
A m�e de Murilo, logo, diz que retrucou: “Meu filho � uma ben��o para mim. Ele � extremamente inteligente e quem est� perdendo ele s�o voc�s”, disse Karla antes de deixar a sala, reencontrar o marido e sair do col�gio.
 
“Desabei com o policial no telefone”
 
Abalada, a m�e conta que, ap�s chegar na cal�ada, ao sair da escola, fez uma breve reflex�o. “Naquele momento pensei: ‘Meu Deus, quantas m�es j� n�o sa�ram daqui chorando? Hoje eu n�o vou chorar’. Em seguida, liguei para a pol�cia”, conta.
 
“Desabei com o policial no telefone. Eu disse: ‘Eu t� aqui e n�o querem fazer a matr�cula do meu filho por ele ter defici�ncia’ e comecei a chorar. A viatura chegou e eu e meu marido entramos no col�gio novamente com os policiais, e ela (a coordenadora) confirmou (�s autoridades) o que havia me falado: que n�o havia vaga para o Murilo por ele ser deficiente”, explica.
 
Para a m�e, ligar para a pol�cia foi um ato de resist�ncia ap�s decidir n�o aceitar mais que seu filho fosse discriminado. “Infelizmente, isso j� aconteceu em outros col�gios. E a gente n�o briga s� com escola, � com plano de sa�de tamb�m. A gente briga com tudo! A gente tem que brigar com o mundo por ele”, desabafa.
 
“Todo dia quando acordo tenho em mente que preciso fazer ele evoluir (na intera��o social). � um trabalho �rduo, mas, no fim do dia, vale muito a pena. Sempre tem um abra�o e um beijo dele. � a melhor recompensa!”, diz a m�e orgulhosa, que frequentemente faz din�micas e jogos com o filho para se conectar com o mundo dele. “Ser pai e m�e de autista � viver com eles e para eles a todo momento”, reflete.
 
“Falha de comunica��o”, diz col�gio
 
A Pol�cia Militar traz no registro da ocorr�ncia que a respons�vel pela coordena��o do col�gio teria dito que foram realizados “processos internos” e a equipe educacional identificou indisponibilidade de vaga para alunos com defici�ncia.
 
Procurada pela reportagem na �ltima sexta-feira (14/1), o Col�gio Stella Matutina disse, por meio de sua assessoria, que “respeita totalmente a legisla��o” vigente.
 
“Lamentamos uma falha de comunica��o ocorrida durante a visita da fam�lia ao col�gio, ao explicar que existe a expectativa de abertura de uma nova turma para a faixa et�ria desejada. Naquele momento, as vagas da primeira turma j� estavam totalmente preenchidas”, aponta trecho do comunicado da institui��o (leia a nota completa no fim da reportagem).
 
 “Toda crian�a que precise de educa��o especial deve ser aceita”, refor�a promotora
 
Tanto a promotora Samyra Ribeiro Namen quanto o vereador e pediatra Ant�nio Aguiar refor�am a ampla legisla��o vigente que obriga col�gios p�blicos e privados a aceitarem a matr�cula de alunos que precisem de uma educa��o especial.
 
Logo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educa��o diz que os sistemas de ensino devem assegurar aos educandos com necessidades especiais professores com especializa��o adequada para atendimento especializado.
 
J� a Lei Brasileira de Inclus�o (13.146/2015) prev� em seu artigo 27 que “a educa��o constitui direito da pessoa com defici�ncia, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os n�veis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcan�ar o m�ximo desenvolvimento poss�vel de seus talentos e habilidades f�sicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas caracter�sticas, interesses e necessidades de aprendizagem”.
 
H�, ainda, outros dispositivos legais, como a Lei 8.069/1990, referente ao Estatuto da Crian�a e do Adolescente, e os artigos 127 e 129 da Constitui��o da Rep�blica.
 
“Qualquer crian�a que tenha necessidade de uma educa��o especial deve ser aceita, n�o apenas aquelas que t�m autismo”, enfatiza Samyra Ribeiro Namen, promotora de Justi�a de Defesa da Educa��o, da Crian�a e do Adolescente.
 
O vereador e pediatra Ant�nio Aguiar complementa: “Os tratados internacionais dos direitos humanos – principalmente no que diz respeito �s pessoas com defici�ncia – pro�bem toda forma de exclus�o e garantem o direito � educa��o.”
 
O m�dico diz que lamenta o “local (a escola) – onde o processo de educa��o � o produto mais importante a ser apresentado – se colocar contr�rio a um processo de inclus�o”. “Para as crian�as que t�m altera��es nessas �reas de comunica��o e intera��o social, a integra��o no ambiente escolar representa uma oportunidade de resgate das fun��es no neurodesenvolvimento, que s�o t�o importantes para a vida delas”, detalha.
 
Rede municipal de ensino � a que mais acolhe autistas
 
Conforme a promotora Samyra Namen, a maior rede de inclus�o de autistas no ensino acontece nas escolas municipais. “De manh�, eles v�o para a sala de aula e, quando chega de tarde, as crian�as entram em uma sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Ali, eles recebem a aten��o de um professor espec�fico para desabrochar a comunica��o neles por meio de din�micas e jogos”, explica.
 
“Deve-se colocar a crian�a que tenha uma dificuldade a mais como algu�m normal. Ela deve ser inserida e inclu�da dentro daquele ambiente. O autista tem dificuldade de interagir socialmente. Ele s� precisa de algu�m para estimul�-lo”, avalia.
 
De acordo com dados da Promotoria de Justi�a de Defesa da Educa��o, da Crian�a e do Adolescente, no ano de 2020 havia 1.019 alunos especiais matriculados na rede p�blica municipal de ensino. Em 2021, foram computados apenas 527 estudantes assistidos por professor de doc�ncia compartilhada – uma queda expressiva que � reflexo da pandemia de COVID-19 em Juiz de Fora.
 
Nota completa do Col�gio Stella Matutina encaminhada � reportagem
 
“O Col�gio n�o s� respeita totalmente a legisla��o, como � reconhecido na comunidade escolar de Juiz de Fora como uma escola inclusiva e extremamente acolhedora �s crian�as e adolescentes com autismo e defici�ncias diversas. Atualmente atende a mais de 20 fam�lias com necessidades especiais. O acolhimento � um dos pilares de sua identidade mission�ria.
 
Lamentamos uma falha de comunica��o ocorrida durante a visita da fam�lia ao col�gio, ao explicar que existe a expectativa de abertura de uma nova turma para a faixa et�ria desejada. Naquele momento, as vagas da primeira turma j� estavam totalmente preenchidas. T�o logo percebeu-se esse ru�do, a escola fez contato com a fam�lia para novamente acolh�-la e realizar a matr�cula da crian�a.
 
Desta forma, refor�amos que, caso seja da vontade da fam�lia, a vaga est� � disposi��o.”

A fam�lia contesta a nota do col�gio e afirma que “a escola sabe que errou e agora busca esconder a verdade dos fatos”. Karla e Eriele tamb�m rebatem o argumento do col�gio de “falha de comunica��o”. “T�o pouco fomos comunicados que as vagas da primeira turma estavam fechadas. Tamb�m n�o foi dito que haveria a expectativa de abertura de uma nova turma para a faixa et�ria desejada”, alegam. 

“Por quatro vezes fomos � escola com o prop�sito de efetivar a matr�cula do nosso pequenino Murilo, mas foi em v�o. A �ltima vez foi a mais traum�tica e constrangedora, com o veredito final da coordenadora dizendo que estava cumprindo a lei. Ela nos apresentou uma c�pia do regulamento, que estava no site col�gio, grifando e apontando o item 9.5. Conforme esse dispositivo, o col�gio disponibiliza apenas duas vagas para crian�as com defici�ncia e elas j� estariam preenchidas. Logo, havia possibilidade de matr�cula apenas para aquelas sem defici�ncia”, detalham os pais. 

E continuam: “A pr�pria coordenadora confessa tal negativa no boletim de ocorr�ncia quando diz que 'foi constatado pela equipe educacional que n�o havia vaga para alunos com defici�ncia, sendo permitida a matr�cula de apenas duas crian�as para cada turma do infantil III, onde nosso filho se enquadraria.”

Para os pais de Murilo, o col�gio tentou contornar a situa��o depois da repercuss�o do caso, mas que qualquer acordo � imposs�vel ap�s tal discrimina��o e esperam que as autoridades tomem as provid�ncias necess�rias para que esse epis�dio n�o aconte�a com outras fam�lias.


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