Simone: 'Por que temos camisinhas dispon�veis, mas n�o temos absorventes?'
L�der comunit�ria na Vila Cemig multiplica a��es que transformam a vida de centenas de mulheres na luta contra a desigualdade e a pobreza menstrual
Simone � a quinta entrevistada da s�rie "Eu Sou Favela" (foto: T�lio Santos/EM/D.A Press)
"Nenhuma mulher precisa rasgar uma manga de blusa para virar absorvente""
Simone Maria da Penha Oliveira,l�der comunit�ria na Vila Cemig
Num pa�s em que a intoler�ncia e a viol�ncia crescem em n�meros desproporcionais, ser mulher, negra e nascida na favela � travar uma luta di�ria pela sobreviv�ncia. Simone Maria da Penha Oliveira, de 40 anos, aprendeu no dia a dia a lutar contra o preconceito e a ganhar for�as para seguir em frente.
Cresceu, estudou e ganhou espa�o. Mais do que isso – como ela mesmo diz com frequ�ncia – , essa belo-horizontina se transformou em “300 Simones” ao mesmo tempo, tamanha sua dedica��o com sua comunidade, a Vila Cemig, no Barreiro, principalmente no atendimento �s mulheres desamparadas.
O ber�o de nascimento de Simone foi a vila conhecida como Boca do Lixo, que fica dentro do aglomerado Morro das Pedras, Regi�o Oeste da capital mineira. Em 1995, ela foi com a fam�lia para a Vila Cemig, comunidade de quase seis mil habitantes que ao longo do tempo recebeu diversas melhorias, como eletricidade, abastecimento de �gua e esgotamento sanit�rio.
A d�diva de Simone em trabalhar em prol da favela come�ou nesse per�odo de muitas dificuldades. “Cresci vendo o meu pai nos ensinando que t�nhamos de fazer o bem. Muitas vezes eu n�o entendia qual era esse bem. Mas, em 1998, quando fiquei gr�vida do primeiro filho, comecei a dividir o enxoval. Ganhava algumas coisas e passava uma parte para outra gestante. E ali foi seguindo”, conta.
Foi um momento decisivo para seu futuro como l�der comunit�ria dedicada, persistente e empenhada em atender mulheres, sobretudo as que sofriam abuso dentro de casa. “Infelizmente, o mundo s� nos julga. Infelizmente, n�s mulheres da periferia fomos criadas para ser espancadas. � como se fosse normal ser negra e espancada. Mas h� outras viol�ncias que n�o s�o a f�sica. Muitas vezes, a mulher sofre viol�ncia dom�stica e n�o tem com quem desabafar, n�o tem com quem dividir essa hist�ria”, lamenta Simone.
Pioneiras na luta pela dignidade menstrual
Ao longo dos anos, ela participou de v�rios projetos de prote��o a mulheres de maior vulnerabilidade. As necessidades n�o eram apenas alimentos e roupas, mas de itens b�sicos de higiene, como absorventes. As iniciativas tocadas por Simone vieram muito antes de o tema ganhar notoriedade nacional em 2021, principalmente ap�s o presidente da Rep�blica Jair Bolsonaro (PL) vetar projeto de lei que previa a distribui��o gratuita de absorventes a estudantes de baixa renda.
“Estar menstruada � uma coisa s� minha. Se eu quiser falar, gritar isso, eu grito. Mas n�o me obriguem a gritar que estou menstruada. Por que temos camisinhas dispon�veis, mas n�o temos absorventes? Por que h� a facilidade de atender aos homens e n�o existe isso para as mulheres?”, questiona. “Nossa luta � pela dignidade menstrual. N�o � s� a Vila Cemig que menstrua. Estamos falando de todas as mulheres, moradoras de rua”, afirma.
Mobiliza��o durante a pandemia
Em 2017, Simone ajudou na cria��o do grupo “Para Elas”, que prestava assist�ncia imediata na regi�o. Alguns anos depois, surgiu o “BH Fiquei em casa”, que tamb�m procurava solucionar eventuais necessidades em virtude da crise econ�mica provocada pela pandemia de COVID-19.
Ela teve participa��o no surgimento do projeto “Flores de Resist�ncia”, do qual � coordenadora. “� uma campanha totalmente solid�ria, em que passamos a doar absorventes ecol�gicos, pensando tamb�m no meio ambiente. N�o � s� doar. T�nhamos relatos de mulheres que sofrem com inflama��es e muito corrimento e alergias. Foi um marco para nosso marketing”.
As doa��es chegam �s comunidades da Vila Cemig, Conjunto Esperan�a e Alto das Antenas. Atualmente, 180 mulheres s�o atendidas pelo projeto. Simone tamb�m � volunt�ria do Instituto Macuna�ma, voltado para aux�lio �s crian�as e adolescentes dos 6 a 17 anos, com doa��es de 200 cestas por m�s.
Ao se envolver diretamente na ajuda humanit�ria, Simone viu de perto dificuldades que antes eram impercept�veis. “No fim de 2020, uma adolescente bateu no meu port�o me pedindo um absorvente. A menina falava a intimidade dela muito aberta. Isso me entristeceu muito. Minha filha nunca precisou bater na porta do vizinho. Logo, come�amos a arrecadar absorventes para do�-los � comunidade. Nenhuma mulher precisa rasgar uma manga de blusa para virar absorvente”.
"Procurei viver outros horizontes"
Ao longo dos anos, Simone se capacitou at� se transformar em l�der. Estudou na Associa��o Mineira de Educa��o Continuada (Asmec) para aprender a ajudar mulheres presidi�rias e tamb�m fez cursos de inform�tica e de cuidadora de idosos. Ela tamb�m exerce a fun��o de conselheira estadual de assist�ncia social. Tudo isso ela fez ao mesmo tempo em que cuida dos filhos Arilson, de 23 anos, Alisson, de 21, Hyrlana, de 16 e Arthur, de 15.
Sua miss�o � encorajar outras mulheres a lutar e a buscar novas op��es de vida: “N�s, mulheres de periferia, parecemos que fomos criadas para viver o sofrimento. � s� para fazer servi�o bra�al, para gerar filhos, para ser dona de casa. Mas eu procurei viver outros horizontes. O fog�o deixou de ser prioridade. N�s podemos fazer tudo, apesar de ser negra e de periferia. Desde que n�o ultrapasse o limite do outro, n�o temos limite”.