
A oferta do "floral detox", como a subst�ncia � chamada, chegou a ser anunciada no Instagram da prefeitura da cidade. A publica��o se refere ao produto como um "medicamento" que "possibilita a desintoxica��o de metais pesados e outras subst�ncias nocivas" potencialmente presentes nas �guas das inunda��es.
Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas criticam a medida. Imunologistas e m�dicos do campo da sa�de p�blica destacam que n�o h� evid�ncias cient�ficas robustas de que florais oferecem prote��o contra agentes contaminantes e alertam para a falsa sensa��o de seguran�a gerada pelo uso da subst�ncia.
Divulgada na sexta-feira (4/1), a postagem do Executivo Municipal que menciona a distribui��o do floral detox foi apagada ap�s cr�ticas de seguidores e cientistas nas redes sociais.
O composto, no entanto, segue sendo distribuido no N�cleo de Pr�ticas Integrativas e Complementares do munic�pio. Por volta de 9h30, a reportagem procurou pelo produto no setor. Uma funcion�ria informou que ele havia se esgotado, dada a grande procura nos �ltimos dias, mas que uma nova remessa seria disponibilizada ao fim da manh�.
Mais tarde, em novo contato com o n�cleo, o EM constatou que os frascos anunciados j� haviam chegado. Questionada sobre as propriedades do material, a mesma funcion�ria afirmou que ele � capaz de "aumentar a resist�ncia" das pessoas a agentes nocivos que circulam em enxurradas e afins.
Segundo o imunologista Jorge Andrade Pinto, os florais n�o apresentam benef�cios cientificamente comprovados contra contamina��o por toxinas.
"� muito importante que as pessoas saibam que a ci�ncia, ao menos at� o momento, n�o atestou que esses compostos s�o capazes de eliminar ou evitar o cont�gio por metais pesados e subst�ncias afins. � uma ilus�o terap�utica. E considero um desservi�o que um ente p�blico n�o alerte a popula��o sobre isso", afirma o m�dico.
"Pode parecer inofensivo recomendar o uso de floral numa situa��o dessas, mas imagine que algu�m realmente sob risco de contamina��o por metais pesados ou qualquer toxina decida tomar floral. A pessoa usa o produto e pode achar que est� segura. Todo paciente deveria ser, no m�nimo, avisado de que n�o est� recebendo um tratamento comprovadamente eficaz e que precisa procurar as terapias j� validadas pela ci�ncia", complementa.
O especialista em Sa�de P�blica Leonardo Savassi observa que os florais, por defini��o da pr�pria Pol�tica Nacional de Pr�ticas Integrativas e Complementares, n�o podem ser chamados de medicamentos. A Portaria N° 702, editada em 21 de mar�o de 2018, define a terapia como "pr�tica complementar e n�o medicamentosa".
"Do meu ponto de vista, � uma terap�utica que pode ser recomendada para o bem-estar, de maneira individualizada. Agora, empregar os j� escassos recursos p�blicos nessa terapia alternativa para a preven��o de intoxica��es, em vez de concentr�-los nos m�todos que j� sabemos que funcionam, me parece question�vel", comenta o especialista, que leciona a disciplina "Pr�ticas de Sa�de Baseadas em Evid�ncias" na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
O que diz a prefeitura
Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Sa�de de Brumadinho informou, por meio de nota, que disponibilizou o floral detox � popula��o como "pr�tica complementar e integrativa" � sa�de humana, mas n�o essencial para tratamento fisiol�gico. (veja abaixo a nota na �ntegra).
Ainda segundo o comunicado, a assessoria de comunica��o chegou a alterar o post em que anuncia o composto, "deixando claro que floral n�o � medicamento”.
Essa segunda vers�o citada, no entanto, n�o constava no Instagram da prefeitura at� por volta de 17h desta segunda-feira (17/1). O munic�pio n�o informou se vai manter a distribui��o do floral detox.
Risco e protocolos
Especialmente ap�s o rompimento da barragem da Mina de Feij�o, em 25 de janeiro de 2019, a popula��o de Brumadinho tem demonstrado preocupa��o com a contamina��o por metais pesados durante o per�odo chuvoso, marcado por enchentes.
No entanto, o coordenador do servi�o de Toxicologia do Hospital Jo�o XXIII, Adebal de Andrade Filho, tranquiliza os moradores da cidade. Ele explica que os casos de intoxica��o por metal pesado por contato fugaz com �guas e lama de enchente s�o improv�veis de ocorrer.
"Ela acontece em decorr�ncia de exposi��o cr�nica ao agente, ou consumo prolongado de alimentos e de �gua contaminada", esclarece o m�dico.
J� protocolos oficias do Minist�rio da Sa�de tamb�m alertam sobre para o risco e cont�gio por micr�bios causadores de doen�as como difteria, gripe, tuberculose, meningite e t�tano. A vacina��o � a principal medida de combate recomendada.
Outra recomenda��o citada nos protocolos � n�o deixar �gua acumulada, o que evita que o mosquito aedes aegypti – transmissor de dengue, zika e chikungunya – se prolifere.
Confira a nota da prefeitura de Brumadinho na �ntegra
"� importante esclarecer que desde de 2018 existe em Brumadinho o NUPIC – N�cleo de Pr�ticas Integrativas Complementares, que oferece � popula��o terapias alternativas como massoterapia, reiki e distribui��o de florais para diferentes usos. Este trabalho faz parte da Secretaria Municipal de Sa�de.
Com a enchente em 2022, a equipe colocou � disposi��o da popula��o um floral “detox”, como algo complementar e integrativo � sa�de humana, mas n�o essencial para tratamento fisiol�gico, apenas para minimizar os efeitos das inunda��es em Brumadinho.
A Assessoria de Comunica��o chegou a alterar o comunicado deixando claro que “Floral n�o � medicamento”.
O trabalho do NUPIC est� baseado na 8ª Confer�ncia Nacional de Sa�de (realizada em 17 a 21 de mar�o de 1986), que legitimou os saberes e pr�ticas complementares em Sa�de inseridos no Sistema �nico de Sa�de-SUS.
O NUPIC est� respaldado pelas diretrizes da OMS, pela portaria do Minist�rio da Sa�de GM/MS Nº. 971, de 3 de maio de 2006, a Pol�tica Nacional de Pr�ticas Integrativas e Complementares em Sa�de (PNPIC) e, em Minas Gerais, pela Pol�tica Estadual de Pr�ticas Integrativas e Complementares em Sa�de atrav�s da Resolu��o da SES-MG Nº 1.885/2009.
Em Brumadinho, existe uma Lei Municipal de nº 2.433/2018, de 21 de setembro 2018, que inclui as PIC’s como uma pol�tica municipal do SUS.
A Terapia de Florais foi inclu�da na Pol�tica Nacional de Pr�ticas Integrativas e Complementares do Sistema �nico de Sa�de (PNPIC/SUS) pelo Minist�rio da Sa�de, atrav�s da portaria 702, de 21 de mar�o de 2018."