A fil�sofa Simone de Beauvoir teorizou que se tornar mulher � um processo. No livro “Segundo sexo”, de 1949, ela levantou a quest�o: “N�o se nasce mulher. Torna-se mulher”. Esse argumento explicita que n�o � o sexo biol�gico que determina o g�nero, mas a maneira como a mulher constr�i a identidade de g�nero ao longo da vida. O mesmo pode se dizer em rela��o �s mulheres trans, que passam por esse processo, enfrentando outros desafios em rela��o � viv�ncia das mulheres cis.
Os termos cisg�nero e transg�nero s�o usados para denominar a rela��o entre o sexo biol�gico e o g�nero dos sujeitos. Se h� uma correspond�ncia entre sexo biol�gico e o g�nero, a pessoa � cisg�nera, ou simplesmente cis. Se h� uma diferen�a entre o sexo biol�gico e o g�nero, a pessoa � considerada transg�nera, ou trans. Nesse caso, pode ocorrer um processo de adapta��o do corpo ao g�nero ao qual a pessoa se identifica. No caso das mulheres trans e travestis, nesse processo, elas passam por transforma��es para se aproximar cada vez mais dos tra�os e caracter�sticas femininas.

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No entanto, a viv�ncia de Linn da Quebrada no “BBB22” tem demonstrado, em rede nacional, como � dif�cil para a sociedade reconhecer a identidade de uma travesti. Mesmo com todas as caracter�sticas femininas, Linna foi chamada de “ele” pelos colegas.
Em diversas circunst�ncias, os participantes do programa, como Lucas, Eslov�nia e Tiago, trataram Linna no masculino. Em um dado momento, o brother Rodrigo chegou a perguntar se o uso do termo “traveco” seria ofensivo. N�o h� nenhum segredo que o termo � empregado exatamente para colocar em xeque a feminilidade das travestis. Este � um ato transf�bico e agressivo que pode se tornar crime.
Amanda Quirino Rodrigues Chaves, assessora parlamentar e ativista LGBTQIA, lembra que ningu�m nasce travesti. � um processo de descoberta. O primeiro passo � uma identifica��o como se fosse gay. No entanto, com o comportamento feminino, elas percebem que est�o desadequadas no corpo com que nasceram. “� como se fosse uma lagarta que vira borboleta. Uma hora ela diz ‘quero ser mais close do que isso’ e ela vira borboleta”, compara. Amandinha desde crian�a era feminina, e a m�e j� percebia. “A m�e sente quando voc� � gay. Ela sente.”
Amanda Quirino Rodrigues Chaves, assessora parlamentar e ativista LGBTQIA, lembra que ningu�m nasce travesti. � um processo de descoberta. O primeiro passo � uma identifica��o como se fosse gay. No entanto, com o comportamento feminino, elas percebem que est�o desadequadas no corpo com que nasceram. “� como se fosse uma lagarta que vira borboleta. Uma hora ela diz ‘quero ser mais close do que isso’ e ela vira borboleta”, compara. Amandinha desde crian�a era feminina, e a m�e j� percebia. “A m�e sente quando voc� � gay. Ela sente.”
Inclusive, por a filha j� ser bem feminina, era uma preocupa��o da m�e que ela pudesse sofrer abuso na escola. O per�odo escolar foi de muito sofrimento, com situa��es expl�citas de viol�ncia. “J� me jogaram dentro de saco de lixo, j� me bateram, me fizeram muita maldade. Na �poca, eu queria s� morrer.” Na �poca, ela n�o tinha qualquer refer�ncia para entender os motivos de se sentir desadequada ao pr�prio corpo.
PERCAL�OS
As travestis tamb�m enfrentam o preconceito no atendimento na sa�de p�blica. “A sa�de p�blica n�o est� preparada para meu corpo”, avalia Amandinha. Ela conta que perdeu amigas que morreram fazendo uso de horm�nios sem o acompanhamento m�dico devido com um endocrinologista. “Teve trombose”, lembra.
Outro impasse � a identidade de g�nero; que elas possam ter o nome social e assumir a identidade feminina. Muitas fam�lias n�o respeitam essa vontade nem na vida nem na morte das travestis. “A pessoa passa por um sofrimento a vida inteira. No final, quando ela conseguiu, se ela morre, a fam�lia quer enterr�-la como um homem cis, mas ela n�o �. Isso acontece muito.” Quando sabe da morte de alguma amiga, Amandinha entra em contato com a fam�lia para que possa respeitar a vontade da travesti. “A todo tempo, chame e reze pelo nome feminino”, sugere Amandinha.
MUDAN�AS
Na d�cada de 1990, nenhuma travesti seria eleita para cargos pol�ticos. “N�o dariam nem oportunidade de a gente abrir a boca para falar de pol�ticas p�blicas”, avalia Amanda, que assessora Duda Salabert, mulher trans que foi a vereadora mais bem votada na hist�ria da C�mara Municipal de Belo Horizonte.
Naquela d�cada, a travesti mais famosa era a atriz Roberta Close. Duas d�cadas depois, j� no s�culo 21, a viv�ncia de travestis artistas, que ganham visibilidade, contribui para eliminar parte do preconceito.
“Majur, Linna, Liniker v�m com m�sica de dores. � uma m�sica po�tica. Uma m�sica para voc� tomar um vinho e ficar em casa, de noite, refletindo. A m�sica delas n�o determina o g�nero. Elas falam de dores. A Linna, no ‘BBB’, com todas as palavras e todos os conselhos dela, transita com o que a sociedade fez com que a gente refletisse como a gente era”, afirma.
Amandinha est� se referindo a tr�s cantoras travestis e negras. Amandinha, que � negra, lembra que a condi��o � ainda mais dif�cil para a travesti negra. “A n�o ser que voc� seja famosa, blogueira ou ‘BBB’”, pondera.
“Majur, Linna, Liniker v�m com m�sica de dores. � uma m�sica po�tica. Uma m�sica para voc� tomar um vinho e ficar em casa, de noite, refletindo. A m�sica delas n�o determina o g�nero. Elas falam de dores. A Linna, no ‘BBB’, com todas as palavras e todos os conselhos dela, transita com o que a sociedade fez com que a gente refletisse como a gente era”, afirma.
Amandinha est� se referindo a tr�s cantoras travestis e negras. Amandinha, que � negra, lembra que a condi��o � ainda mais dif�cil para a travesti negra. “A n�o ser que voc� seja famosa, blogueira ou ‘BBB’”, pondera.
Apesar de reconhecer a import�ncia do holofote para a trajet�ria dessas travestis artistas, Amandinha lembra que a exposi��o na m�dia tamb�m revela aspectos negativos. No pr�prio “BBB”, Amandinha lembra que, em alguns momentos, Linna n�o � completamente inclu�da. “Ela est� do lado de duas mulheres pretas, uma que � professora, bi�loga, e a outra que � manicure em Sabar�, pessoas que s�o vulner�veis como a gente. Elas n�o t�m abertura, s�o exclu�das o tempo inteiro no ‘BBB’. Ela n�o faz parte daquele mundo. Eles n�o a acolhem”, diz Amanda.
As travestis nas artes
Apesar de o caso de Linn da Quebrada estar tomando propor��es nacionais devido ao reality, v�rias pessoas trans sofrem diariamente agress�es transf�bicas em Belo Horizonte. A cantora e compositora mineira Lua Zanella, que � uma mulher trans, relata que sair de casa na capital mineira � sin�nimo de estar em contato com a viol�ncia e a transfobia. “Seja no olhar, numa fala, seja num atravessar de rua enquanto a gente passa”, conta.
Lua lamenta os ataques que Linna vem sofrendo na casa mais vigiada do Brasil. “� triste porque ela entrou na casa se apresentando como uma mulher trans e travesti e n�o est� sendo respeitada”, afirma. A artista diz que est� sofrendo gatilhos emocionais porque v�, em rede nacional, os ataques que sofre diariamente.
No ambiente on-line, a situa��o n�o � diferente. “A gente tem a op��o de ficar dentro da nossa bolha. Mas a gente percebe que um pouco que a gente sai � violento para corpos como o nosso. Porque as pessoas temem aquilo que elas desconhecem”, afirma a artista, que tamb�m trabalha nas redes sociais para divulgar seus projetos.
Em sua arte, Lua aborda as viv�ncias como mulher trans, entre v�rios outros assuntos da vida, como amizade, amor, festas e romances. “Acredito que a m�sica tem um papel importante para que outras pessoas entendam o que a gente passa”, conta. “A m�sica ‘Capeta’ cita como o olhar masculino pode ser violento ou objetificador em cima do corpo de uma mulher trans, que sempre � visto como uma divers�o ou um passatempo.”
Assim como Lua, Linna tamb�m expressa suas viv�ncias como mulher trans em m�sicas. A artista j� lan�ou dois �lbuns de est�dio, “Trava l�ngua" e “Pajub�”, e duas produ��es em remix das can��es do “Pajub�”.
A m�sica “Eu matei o Junior”, do �lbum “Trava l�ngua”, fala sobre se assumir como uma mulher e “enterrar” seu nome “morto”, que � o nome de batismo. A cantora performou a can��o no “Big brother Brasil”. Mas, mesmo com a manifesta��o art�stica, os outros brothers e uma parte do p�blico continuam se referindo a Linna no masculino.
CONHE�A A LINNA

Nascida na capital paulista, Linn da Quebrada (foto) passou a inf�ncia e adolesc�ncia nas cidades de Votuporanga e S�o Jos� do Rio Preto, no interior de S�o Paulo. A fam�lia da artista seguia a religi�o Testemunhas de Jeov�.
A artista abandonou a religi�o da fam�lia, saiu de casa e seguiu para a capital. Ela come�ou a trabalhar como performer em boates e cantava em bares e botecos. Em 2016, Linna lan�ou sua primeira m�sica “Enviadescer” em seu canal no YouTube.
Linna tamb�m � pr�xima da m�e dela. Ela posta v�rias fotos da m�e nas redes sociais com legendas de amor. No in�cio de 2022, Linna se reencontrou com seu pai depois de anos sem nenhum contato. A artista escreveu, na legenda da publica��o no Instagram, que finalmente ela e seu pai estavam se conhecendo.
Em 2014, aos 23 anos, ela descobriu um c�ncer e precisou retirar um dos test�culos. A cantora fez tratamento por tr�s anos e est� curada. Linna estreou nos cinemas em 2017, no document�rio “Meu corpo � pol�tico", que acompanha a vida da cantora e outros tr�s ativistas LGBTQIA. J� em 2018, a artista protagonizou o document�rio “Bixa travesty”, que conta sua hist�ria como mulher trans preta. O longa est� dispon�vel no Globo Play.
Ela estrelou a s�rie “Segunda chamada” da TV Globo como a aluna Natasha do Col�gio Carolina Maria de Jesus. A artista contracenou com Arthur Aguiar, que tamb�m est� no “BBB22”.