A cantora Linn da Quebrada tatuou o pronome “ela” na testa para que a m�e n�o a chamasse pelo pronome masculino. “Fiz essa tatuagem na verdade por causa da minha m�e, porque no come�o da minha transi��o ela ainda errava por me tratar por um pronome masculino. Eu falei: ‘M�e, vou tatuar ela aqui na minha testa para ver se a senhora n�o erra''', relembrou Linn em rede nacional, no Big Brother Brasil 22, depois de ter sido chamada, erroneamente no masculino, reiteradas vezes pelos colegas da casa.
Linna � travesti, a segunda mulher trans que participa do reality show mais assistido do pa�s e a �nica a se tornar l�der na competi��o. A primeira participante trans foi Ariadna Andrade em 2011, e foi a primeira eliminada do BBB11.
Depois de mais de uma d�cada da participa��o de Ariadna, Linna, apesar de se sentir violentada ao ser chamada de “ele”, orientou de forma paciente seus colegas: “Ficou na d�vida, l� e da� voc�s lembram que eu quero ser tratada no pronome feminino”.
Depois de mais de uma d�cada da participa��o de Ariadna, Linna, apesar de se sentir violentada ao ser chamada de “ele”, orientou de forma paciente seus colegas: “Ficou na d�vida, l� e da� voc�s lembram que eu quero ser tratada no pronome feminino”.
O esfor�o da cantora para explicar aos colegas de confinamento e � audi�ncia os motivos pelos quais � fundamental que uma pessoa transg�nero seja tratada pelo pronome correto inspira a s�rie "Bonequinhas" e o podcast produzido pelos N�cleos Multim�dia e DiversEM do Estado de Minas. Essa reportagem investiga o caminho que as travestis precisam percorrer para poderem ser vistas como mulheres.

O termo "bonequinhas" � uma forma como as mulheres trans e travestis se referem a elas mesmas. A express�o tem rela��o com a apar�ncia delas e remete �s bonecas, pois elas est�o sempre bem arrumadas e maquiadas. E algumas passam por procedimentos cir�rgicos que aumentam a similaridade com as bonecas.
Ser denominada no masculino � uma das muitas viol�ncias a que pessoas trans est�o submetidas. No cotidiano, elas s�o agredidas e at� assassinadas simplesmente por serem o que s�o.
A s�rie de reportagem do Estado de Minas adentra no universo de pessoas trans em Belo Horizonte para entender como � viver em uma sociedade ainda muito guiada pelo preconceito em rela��o a essas identidades de g�nero. A s�rie tem o prop�sito de mostrar um pouco a viv�ncia de travestis e transexuais, que lutam diariamente para existir.
A s�rie de reportagem do Estado de Minas adentra no universo de pessoas trans em Belo Horizonte para entender como � viver em uma sociedade ainda muito guiada pelo preconceito em rela��o a essas identidades de g�nero. A s�rie tem o prop�sito de mostrar um pouco a viv�ncia de travestis e transexuais, que lutam diariamente para existir.
A reportagem entrou em contato com diversas travestis para que pudessem dar entrevistas, muitas preferiram n�o falar com medo do que a exposi��o pudesse trazer. At� que conseguiu entrevistar Amanda Quirino Rodrigues Chaves, de 39 anos, assessora parlamentar da vereadora Duda Salabert (PDT). Amandinha, como � conhecida, � travesti e ativista da causa na cidade.
Amandinha prontamente nos atendeu, e lan�ou o desafio: “Voc�s querem saber qual � a viv�ncia das travestis em BH? Ent�o, vamos at� as ruas para que voc�s possam falar com elas”.
Reportagens da s�rie:
Fonte de renda
No Brasil, segundo a pesquisa da Associa��o Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% da popula��o trans t�m a prostitui��o como principal fonte de renda e �nica possibilidade de subsist�ncia. As ruas, portanto, s�o os locais em que elas passam boa parte do tempo, onde trabalham e onde tamb�m constroem a sociabilidade, as redes de afeto e de prote��o.
90% da popula��o trans tem a prostitui��o como principal fonte de renda e �nica possibilidade de subsist�ncia
A equipe de reportagem topou e passamos algumas horas da noite de uma sexta-feira em companhia das meninas nas ruas do Bairro Santa Am�lia, na Regi�o da Pampulha. Nossa primeira mudan�a no olhar foi quando o nome que pretend�amos nomear a s�rie caiu por terra. Pensamos em chamar a s�rie de Sereias.
O s�mbolo da torcida de Linn no reality � uma sereia, uma imagem que remete � ideia de um ser h�brido: metade mulher e metade ser aqu�tico. No entanto, quando falamos com as meninas em BH sobre essa refer�ncia para denomin�-las, elas levaram um susto. E explicaram: na g�ria das ruas, ‘fazer a sereia’ � quando uma travesti usa de uma estrat�gia para roubar um cliente.
Grupo secreto de clientes
H� entre elas um r�gido c�digo de conduta que � contr�rio ao roubo. Ali�s, existe um grupo secreto de clientes que elabora uma esp�cie de avalia��o das meninas. Nesse espa�o, s�o indicadas as meninas que costumam roubar e tamb�m os clientes que querem transar sem usar preservativos. � importante ser bem avaliada neste grupo at� para manter a clientela.
As meninas disseram � reportagem que a imagem que mais as contempla, e � tamb�m a maneira como os clientes as costumam chamar, � ‘bonequinha’ – denomina��o que nomeia nossa s�rie.
Nas ruas, podemos ver que essas bonecas investem na autoimagem. Isso porque precisam chamar aten��o dos clientes, pode-se concluir numa an�lise superficial, mas n�o � s� isso. A imagem � a constru��o de como elas querem ser vistas pelo mundo, num equil�brio da express�o de como se sentem e de como o feminino � representado na sociedade que ainda se baseia em conceitos machistas.
Diante disso, muitas se apresentam com cabelos longos, quase sempre at� a altura da cintura; os peitos grandes; cinturas bem marcadas e as unhas bem-feitas. Tamb�m usam salto alto e uma delas contou � reportagem que um dos clientes t�m como fetiche transar com as travestis de salto alto, inclusive no momento do ato.
Diante disso, muitas se apresentam com cabelos longos, quase sempre at� a altura da cintura; os peitos grandes; cinturas bem marcadas e as unhas bem-feitas. Tamb�m usam salto alto e uma delas contou � reportagem que um dos clientes t�m como fetiche transar com as travestis de salto alto, inclusive no momento do ato.
Racismo nas ruas
O ideal de feminilidade das passarelas se repete ali. Mas esse padr�o n�o representa a totalidade das meninas que trabalham com a prostitui��o. Muitas meninas s�o mais simples, algumas ainda n�o colocaram implantes de silicone, outras trabalham de chinelos; algumas est�o acima dos 30 anos, faixa considerada jovem e mais procurada pelos homens.
O racismo tamb�m se manifesta na prostitui��o e elas revelam que h� menos procura pelas travestis negras do que pelas brancas.
O racismo tamb�m se manifesta na prostitui��o e elas revelam que h� menos procura pelas travestis negras do que pelas brancas.
O senso comum costuma afirmar que a prostitui��o � “vida f�cil”. Mas essa vida f�cil est� muito distante da realidade das travestis que atuam como profissionais do sexo. Elas trabalham muitas horas e n�o h� tempo para o lazer.
Pouca seguran�a
Ir para as ruas trabalhar � uma decis�o que muitas travestis tomam por ser a prostitui��o um emprego poss�vel devido a in�meras causas, mas entre elas, certamente est� o preconceito contra as trans. Os olhares de desaprova��o, muitas vezes, � o que levam as meninas a se prostituir.

Muitos homens se relacionam com as travestis, mas querem manter em segredo. No entanto, nas ruas, elas podem ser elas, sem medo de julgamentos. Mas, ao mesmo tempo, est�o sujeitas aos riscos da noite: viol�ncia das mais diferentes ordens e vindas n�o s� dos clientes.
“Eu me previno. Vou embora cedo. N�o me arrisco... se for dois homens eu n�o vou. Mas eu sou vivida. Sou mulher de rua, sou esperta, sabe?!”, afirma Ingrid, de 44 anos. Mesmo com todo o cuidado, ela j� foi assaltada duas vezes. “Uma vez com rev�lver e outra com faca. Mas fiquei quieta. As meninas falam ‘eu fa�o isso, eu fa�o aquilo’. Eu n�o fa�o nada. Pode levar. A vida � mais importante do que brigar por R$ 100, 150”, avalia Ingrid.
Com a crise econ�mica que atinge o Brasil, no entanto, as meninas precisam fazer cada vez mais programas para conseguir uma renda m�nima. “A gente ganhava muito. Era assim, faz�amos 10, 12 e at� 15 programas por noite. Era muito dinheiro mesmo. Mais de R$ 1 mil. Hoje, para tirar R$ 200, tem que suar”, revela Ingrid. Se h� alguns anos era poss�vel fazer at� R$ 1 mil por noite, nos �ltimos tempos, � imposs�vel conseguir esse valor. “Tinha cliente que pagava R$ 800. Hoje, ele paga R$ 50.”
Amandinha lembra de muitos casos de homens que transam com travestis e depois as matam. “O Brasil � o pa�s que mais mata travestis. Ao mesmo tempo � o que mais consome pornografia com travestis. Essa conta n�o bate”, diz.
Ou�a no podcast DiversEM as hist�rias das travestis que trabalham na regi�o da Pampulha e conversaram com a nossa reportagem.
Sem lei, sem prote��o

N�o h� uma lei que enquadra a prostitui��o no Brasil como uma atividade econ�mica. Os projetos de lei, que tentam regulamentar a atividade, equiparar a prostitui��o como qualquer outra atividade profissional, n�o avan�am no Congresso Nacional. “Regulamentar � uma forma de resguardar os direitos da profissional do sexo como qualquer outra profissional seja ele sob o v�nculo da CLT, seja sob o v�nculo de profissional aut�nomo”, afirma a advogada Bruna Andrade, uma mulher l�sbica que, junto � esposa, est� � frente da organiza��o “Bicha da Justi�a”.
Na avalia��o da advogada, esses projetos n�o saem do papel devido ao preconceito e �s quest�es morais em rela��o � prostitui��o. Sem uma lei, os servi�os que elas prestam n�o s�o resguardados: n�o h� formas de garantir o pagamento a elas e garantir a integridade f�sica, quest�es referentes � seguran�a e � insalubridade. Tamb�m fica mais dif�cil criar pol�ticas p�blicas para atend�-las.
Profiss�o reconhecida
Desde 2002, foi feita a inclus�o do profissional do sexo na Classifica��o Brasileira de Ocupa��es, que � vinculada ao Minist�rio do Trabalho e Emprego. “A inclus�o no CBO permite que os profissionais do sexo possam recolher as contribui��es junto ao INSS e fazer jus aos benef�cios pr�prios desse v�nculo institucional, como s�o, por exemplo, as contribui��es para aposentadoria, aux�lio-doen�a, entre outras pol�ticas p�blicas, que est�o associadas a esse recolhimento da contribui��o”, afirma a advogada.
A prostitui��o n�o � uma atividade considerada il�cita. “A profissional do sexo, enquanto profissional liberal, n�o est� praticando nenhum crime”, esclarece a advogada. Entretanto, a legisla��o pro�be a explora��o da prostitui��o que est� muito associada �s casas de explora��o dessas profissionais.
A prostitui��o n�o � uma atividade considerada il�cita. “A profissional do sexo, enquanto profissional liberal, n�o est� praticando nenhum crime”, esclarece a advogada. Entretanto, a legisla��o pro�be a explora��o da prostitui��o que est� muito associada �s casas de explora��o dessas profissionais.
“S�o pessoas que mant�m as profissionais do sexo como fonte de explora��o, como forma de auferir lucro e obter renda. Isso � proibido no Brasil. A profissional do sexo n�o est� cometendo nenhum crime. Ela tem prote��o do Estado, na medida em que a atividade profissional passa a ser reconhecida pelo Minist�rio do Trabalho, mas explorar a prostitui��o no Brasil continua sendo crime”, ressalta a advogada.
Um projeto de Lei 98, de 2003, de autoria do ent�o deputado federal Fernando Gabeira, propunha aposentadoria para essas profissionais, estabelecendo crit�rios espec�ficos, j� que � uma profiss�o exposta ao risco e que gera uma degrada��o do corpo. Outro projeto de Lei 4.211, na �poca do deputado federal Jean Wyllys, procura fazer a regulamenta��o da prostitui��o para que essas profissionais sejam tuteladas e protegidas pelo Estado, al�m de prever a possibilidade de aposentadoria especial.