
Amanda Quirino Rodrigues Chaves adquiriu o apartamento pr�prio, que j� est� quitado, trabalha como assessora parlamentar na C�mara Municipal de Belo Horizonte e, aos 39 anos, est� feliz no relacionamento com o namorado. Amandinha, como � conhecida, poderia abandonar a mem�ria do tempo em que trabalhou na prostitui��o. No entanto, ela retoma essa viv�ncia com orgulho e, mais do que isso, atua para que pol�ticas p�blicas possam chegar �s meninas que est�o nas ruas trabalhando como profissionais do sexo.
Com cabelos longos at� a cintura, Amandinha � uma mulher trans que contraria as estat�sticas. J� tem quase quatro d�cadas de vida, enquanto a expectativa de vida para mulheres trans e travestis � de 35 anos. A viv�ncia permite que ela fa�a um diagn�stico de abandono de pessoas travestis pelo poder p�blico. “N�o h� pol�tica p�blica para pessoas vulner�veis. O nosso trabalho na C�mara � muito dif�cil.”
Diante desse quadro, ela presta todo tipo de assist�ncia �s meninas e oferta com regularidade preservativos, procura orient�-las para que denunciem casos de viol�ncia, assessora no que pode no processo de mudan�a no nome social e no cuidado que as travestis devem ter com a sa�de. Amandinha faz chegar at� as que precisam cesta b�sica e orienta para que procurem m�dicos e fa�am testagens para saber se est� tudo bem.
Voc� � diferente do padr�o, voc� � exclu�da. Mesmo vindo de uma fam�lia de classe m�dia, eu precisei disso
Amanda Quirino Rodrigues Chaves, assessora parlamentar
Com todo esse trabalho, ela n�o perde a simpatia e aparenta ser mais jovem do que a idade que tem. “Era para eu estar mais acabada. Eu vim da prostitui��o. Posso falar que a prostitui��o foi uma m�e para mim, n�o posso negar que ela me alimentou at� certo ponto da minha vida”, conta. Amandinha reconhece que o trabalho atual, com certa estabilidade, e atua��o como ativista permitem a ela um descanso do corpo. “Nem todas as minhas amigas t�m esse privil�gio. Para mim que sou uma mulher preta, travesti, perif�rica... � um presente de Deus.”
Amandinha � assessora da vereadora Duda Salabert (PDT), uma mulher trans que foi a mais bem votada da hist�ria do Legislativo da capital. As duas se conheceram no Transvest, um curso pr�-vestibular para pessoas trans: Amandinha era aluna e Duda professora.
Muitas pessoas acreditam que quem trabalha na prostitui��o tem uma vida desregrada, mas Amandinha � a prova de que n�o � bem assim. Ela sempre procurou levar a vida de maneira criteriosa. “Aprendi muito com minha m�e: voc� saber levar a vida. Por mais que eu me prostitu�sse, eu tinha um hor�rio na rua. Gosto muito de dormir, sou muito dorminhoca. Ent�o, trabalhava cedo para dormir cedo.”
No entanto, ela reconhece que, em alguns casos, para se manter na rua a noite inteira, quase 12 horas trabalhando, as meninas fazem uso de drogas e bebidas. “Recentemente, perdi tr�s amigas. Fico pensando (no que aconteceria) se eu n�o tivesse ouvido minha m�e. � muito desgastante. A gente troca o dia pela noite. A gente n�o tem vida.”
Amandinha abriu m�o de realizar cirurgias pl�sticas para guardar dinheiro para comprar o apartamento. “Pensei na qualidade de vida. Vou me sacrificar para ter a minha casa pr�pria. Prefiro envelhecer numa casa minha do que ficar morrendo para pagar aluguel. Em determinado tempo da minha vida n�o estarei mais jovem.” Amandinha foi atleta e, por muito tempo, conciliou a pr�tica do v�lei e a prostitui��o.
A decis�o de guardar dinheiro para comprar a casa pr�pria se baseou na constata��o de que com o passar dos anos as profissionais, ao envelhecer, n�o conseguem a mesma remunera��o de quando eram novas. Os homens que buscam as travestis nas ruas procuram por juventude. “A experi�ncia conta, mas a juventude enche os olhos”, pontua. Amandinha destaca que outro fator que pesa para redu��o dos ganhos � que elas passam a fazer um n�mero cada vez menor de programas, porque v�o se cansando ao longo dos anos.
A assessora parlamentar comprou o apartamento pelo programa Minha casa, minha vida. “Comprei gra�as ao tio Lula. Vai completar 15 anos que eu comprei. Eu tinha 24 anos.” Ela foi aconselhada pela m�e a investir no im�vel em vez de adquirir um carro. A m�e, Carmelita, de 97, lembrou que depois que ela morresse a filha poderia ficar desamparada e at� mesmo sem lugar onde morar. “Enquanto eu estiver viva voc� ter� uma casa para morar. Mas quando eu morrer, voc� vai morar dentro do carro?”
Amandinha ficou tentada a comprar o autom�vel. “O luxo das travestis era andar de carro. Com aquela luzinha na frente acesa dirigindo para os boys verem voc�, para atrair homem.” Amandinha foi adotada pela m�e, porque a fam�lia biol�gica n�o tinha condi��es de cuidar dela.
Ela come�ou na prostitui��o por necessidade, decorrente da dificuldade de empregabilidade. “Voc� � diferente do padr�o, voc� � exclu�da. Mesmo vindo de uma fam�lia de classe m�dia, eu precisei disso. Sempre coloquei na minha cabe�a que quem tinha dinheiro eram os meus pais.”
Nos anos 1990, havia muito preconceito contra as travestis. “Por mais que elas sejam expulsas de casas, por mais que n�o possam ter suas identidades, procurem outras cidades para se prostituir, vejo muitas amigas minhas mandando dinheiro para os pais para que eles possam construir uma casa melhor, para que tenham uma qualidade de vida melhor.”
Apoio para registro civil
O tornar-se mulher no caso das travestis, muitas vezes envolve altera��es no corpo e mudan�a no nome social. A Associa��o Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) oferece todo apoio para as pessoas transg�neras nesse processo. O passo a passo para mudan�a de nome pode ser consultado na cartilha “Eu existo -– Altera��o do registro civil de pessoas transexuais e travestis”, dispon�vel para download e consulta no site da Antra (antrabrasil.org).
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 1º de mar�o de 2018, que � poss�vel a altera��o de registro civil por travestis e transexuais sem que seja necess�ria a realiza��o de procedimento cir�rgico. A altera��o de nome, g�nero ou ambos pode ser solicitada em um cart�rio de registro civil. � um passo enorme para garantir a cidadania a travestis e transexuais.
Nesse processo de busca por cidadania, outro servi�o essencial que deve ser oferecido � o acompanhamento m�dico multidisciplinar. Em Belo Horizonte, o Ambulat�rio de Sa�de Integral da Popula��o de Travestis e Transexuais, mais conhecido como Ambulat�rio Trans Anyky Lima, realizou mais de 2 mil consultas e atendeu 500 pessoas desde a inaugura��o em 2017.
O in�cio do servi�o � um marco na garantia do acesso da popula��o de transexuais e travestis aos servi�os de sa�de. O programa realizou consultas nas �reas de psiquiatria, endocrinologia, cl�nica m�dica, enfermagem, psicologia e servi�o social, ginecologia, dermatologia, urologia, proctologia e cirurgia geral.
Mudan�a do nome social
O que pode ser alterado
• O nome • Os agnomes indicativos de g�nero (ex: filho, j�nior, neto)
• O g�nero em certid�es de nascimento • O g�nero em certid�es de casamento, desde que haja autoriza��o do c�njuge
Como fazer o pedido
A altera��o de registro civil ser� feita com base na autonomia da pessoa que deseja fazer o procedimento. O pedido pode ser realizado em qualquer cart�rio de registro civil de nascimento em todo o territ�rio nacional, que dever� enca- minhar o procedimento ao cart�rio que registrou o nascimento. Ou ainda diretamente no cart�rio de registro de nascimento.
Ambulat�rio Trans Anyky Lima
Os atendimentos s�o feitos todas as quintas-feiras, das 7h30 �s 13h, por consultas agendadas pelo fone (31) 3328-5055. O Hospital Eduardo de Menezes fica na Rua Doutor Cristiano Rezende, 2.213, Bairro Bonsucesso, em Belo Horizonte