(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas DEPOIS QUE A �GUA BAIXOU...

Por que vizinhos do Rio das Velhas penam com enchentes mesmo na seca

Ao longo do leito, rastros das chuvas de janeiro continuam evidentes e castigam moradores. Prefeituras dizem prestar assist�ncia, mas queixas se repetem


19/04/2022 04:00 - atualizado 19/04/2022 06:11
432

O mecânico Werbert Fernandes Oliveira, que perdeu tudo com a enchente do rio das Velhas
O mec�nico Werbert Oliveira, que teve oficina invadida e carros de clientes danificados, luta pra se recuperar de preju�zos que seguem expostos em v�rios im�veis (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

 

O Rio das Velhas, embora dura e continuamente agredido em seu trajeto de maior afluente do S�o Francisco, desde Ouro Preto at� V�rzea da Palma, � fonte de vida para o maior aglomerado urbano de Minas Gerais: a Regi�o Metropolitana de BH. � dele que sai mais da metade da �gua consumida pelos cidad�os, empresas e  setor p�blico da Grande BH. Mas em janeiro, seu curso se tornou caminho de destrui��o, em uma resposta natural ao excesso de chuvas, mas tamb�m � ocupa��o irregular, ao assoreamento, ao despejo de lixo e a tantas outras agress�es. Tr�s meses depois, percorrer suas margens � encontrar repetidas hist�rias de desalento e de pessoas que tentam lutar com as pr�prias for�as para se recuperar dos estragos. � o que mostra hoje a segunda parte da reportagem “Depois que a �gua baixou...”, que ontem revelou danos e descasos semelhantes na Bacia do Rio Paraopeba.

 

Casa desrtuída pela enchente do rio das Velhas
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 

Maelen Karoline Machado, que ajudou vizinhos atingidos pela enchente
Maelen Machado, cuja casa, no segundo andar, foi poupada, se mobilizou para ajudar vizinhos que n�o tiveram a mesma sorte (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 

 

Hon�rio Bicalho e as cicatrizes das cheias

 

A dist�ncia que separa uma das margens do Rio das Velhas da oficina do mec�nico Werbert Fernandes de Oliveira, de 36 anos, � de apenas 20 metros. Foi naquele modesto cantinho em que trabalha, no distrito de Hon�rio Bicalho, em Nova Lima, Grande BH, que ele passou o maior sufoco da sua vida: enquanto trabalhava na manuten��o de carros de clientes, viu o rio encher, transbordar e atingir o espa�o, sem dar tempo para rea��o.

 

Werbert e seus assistentes evacuaram a �rea, mas viram ferramentas e ve�culos se perderem em meio � enchente. O mec�nico calcula um preju�zo de R$ 80 mil somente em equipamentos, fora os carros dos clientes. Os danos causados pelas chuvas ficaram na sua conta. Tr�s meses depois, ele trabalha diariamente para amenizar os preju�zos, mesmo estando ciente de que a luta est� longe do fim.

 

“Quero recuperar os carros para entregar para os clientes. Trabalhamos com alguns modelos caros, como caminhonetes, que exigem pe�as caras. Tenho de fazer tudo por minha conta. Perdi a maleta de rastreador, que custava R$ 12 mil, ferramentas, m�quinas, computador e aparelhos de som de clientes. Recuperamos algumas coisas, mas foi muito pouco”, afirma o mec�nico, que nasceu na parte central de Nova Lima, mas cresceu em Hon�rio Bicalho, onde trabalha.

 

Al�m do susto e da necessidade de comprar novas m�quinas para trabalhar, Werbert lida diariamente com a inseguran�a. A todo instante, pensa nos momentos em que a chuva ultrapassa o volume normal para o dia, temendo novos transbordamentos. “N�o tenho como pagar aluguel e sou obrigado a trabalhar na cara e na coragem. Estamos tentando, por enquanto, amenizar os preju�zos dos clientes. Sou pai de quatro filhos e meu �nico ganha-p�o � a oficina. Venho trabalhando sem todas as ferramentas de que preciso. Tudo ficou dif�cil.”

 

Ele n�o foi contemplado pelo aux�lio emergencial concedido pela Prefeitura de Nova Lima �s v�timas das chuvas. No total, segundo o munic�pio, 672 fam�lias receberam o primeiro pagamento e 558 a segunda parcela do benef�cio, que prev� R$ 8 mil para cada grupo familiar. At� o momento, segundo a administra��o, foram pagos quase R$ 5 milh�es �s v�timas.

 

Segundo Werbert, uma irregularidade em rela��o ao CNPJ da empresa o impossibilitou de receber o aux�lio. A prefeitura tamb�m alega que disponibilizou ajuda de R$ 10 mil �s micro e pequenas empresas e de R$ 5 mil a microempreendedores individuais atingidos pelas enchentes. Al�m disso, foi disponibilizado microcr�dito empresarial de R$ 5 mil a R$ 30 mil. Valores, de toda forma, bem abaixo do preju�zo calculado pelo mec�nico.

 

Tr�s meses depois das cheias do Velhas, o caso de Werbert est� longe de ser exce��o. �s margens do leito, � f�cil observar rastros da trag�dia de janeiro: � grande o volume de lixo, as �rvores ca�das e at� mesmo restos de animais mortos boiando nas �guas. A quadra de esportes do distrito de Hon�rio Bicalho, que ficou debaixo d'�gua, virou uma grande po�a de lama.

 

Bem pr�ximo ao local, casas totalmente destru�das abrigam restos de hist�rias familiares: sapatos, roupas, quadros, m�veis e at� mesmo fotos de crian�as deixados para tr�s por quem tentava se salvar d�o a verdadeira dimens�o da trag�dia. Ao mesmo tempo, trabalhadores e m�quinas pesadas continuam o processo de recupera��o, que, mesmo chegado o fim da esta��o chuvosa, parece longe de terminar.

 

Maelen Karoline Machado, que ajudou vizinhos atingidos pela enchente
Maelen Machado, cuja casa, no segundo andar, foi poupada, se mobilizou para ajudar vizinhos que n�o tiveram a mesma sorte (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

 

Corrente de solidariedade

 

Em meio ao panorama de perdas de moradias e m�veis, uma grande corrente do bem se formou em Hon�rio Bicalho. Muitos dos que n�o foram atingidos se mobilizaram para ajudar as v�timas do distrito de Nova Lima a recuperarem parte de sua vida, hist�rias e pertences. Foi o caso da dona de casa Maelen Karoline Machado, de 28, que reuniu um grupo para ajudar a limpar moradias atingidas pela enchente: “Deixei meus filhos com minha sogra para ajudar as pessoas a limparem suas casas, que estavam cheias de lama. Viramos noites e noites tentando tirar o barro. Ajudamos primeiramente nossos familiares e depois ajudamos outras pessoas. Al�m disso, arrecadamos doa��es. Ajudava a fazer um caf�, dava um lanche. Foi muito duro. Mas a gente tentava ajudar da forma que podia”, recorda-se.

 

“Gra�as a Deus, n�o fui atingida, pois moro no segundo andar. Mas minha dor foi a mesma, pois meu irm�o e meus tios perderam tudo. Voc� olha para o fundo da rua e acaba ficando triste”, afirmou Maelen, que relatou a dificuldade encontrada por v�rias pessoas para se restabelecerem. “Desde a enchente, recolhemos nomes de pessoas atingidas. Foi liberado um aux�lio emergencial de R$ 8 mil. Mas o que s�o R$ 8 mil perto de tudo o que as pessoas perderam? Muitos n�o perderam somente geladeira ou fog�o. Perderam parte da casa, ficaram sem moradia. Foi oferecido o aluguel social, mas a pessoa deveria se virar num momento de fragilidade para procurar casa em outro lugar. Al�m disso, o teto era de R$ 880. � muito dif�cil”, conta.

 

Escombros e casas destruídas pela cheia do Rio das Velhas
Em Raposos, im�veis em escombros d�o testemunho de sucessivos desastres, que espalham destrui��o �s margens do Rio das Velhas (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

No distrito de Honório Bicalho, muitos escombros e casa destruídas pela cheia do Rio das Velhas
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 

 

Raposos encara um baque atr�s de outro

 

Um famoso dito popular sustenta que “dois raios n�o caem no mesmo lugar”. Mas, para moradores de Raposos, na Grande BH, o drama provocado pelas chuvas foi repetido, e certamente pode trazer li��es para os pr�ximos anos. Depois de ficar debaixo d’�gua em 2020, o munic�pio de 16,5 mil habitantes voltou a sofrer os efeitos dos alagamentos em janeiro, mas desta vez em intensidade maior.

 

“Nem t�nhamos nos recuperado de um baque e veio outro pior”, afirma a cuidadora de idosos Joelma Juliana Gon�alves, de 45 anos, que viu geladeira, fog�o, colch�o, m�veis e utens�lios carregados pela correnteza. Para ela e o marido, Herval Silva, o preju�zo foi duplo, pois a loja do outro lado da rua que eles alugavam para um comerciante – que antes teve toda a parte el�trica reformada pelo casal – tamb�m foi inundada pela lama.

 

Os primeiros dias depois dos alagamentos foram os mais sofridos. “Voc� v� a �gua subindo e n�o pode fazer nada. Tivemos que ficar fora de casa. Uma pessoa nos emprestou um barraco numa �rea mais alta para termos onde dormir, sen�o ter�amos ficado todos na rua. Foram danos que n�o tem como estimar”, relembra a cuidadora.

 

A partir da�, segundo ela, o medo passou a ser o sentimento predominante da fam�lia. “Sempre temos de vigiar. A gente fica pensando se o drama vai vir outra vez, se a �gua vai subir de novo. Estava habituada a ver o rio subir at� o come�o da rua, mas do jeito que aconteceu em 2020 e 2022 foi algo surreal. Ficamos com trauma. O rio est� com todos os rejeitos de mineradoras.” Segundo ela, comprar todos os objetos perdidos tem sido um sacrif�cio a mais, que continua sendo pago: “Tive que fazer d�vidas enormes e comprar parcelado. O bom � que todos nos conhecem aqui na cidade e isso gera confian�a na hora de comprar”.

 

O comerciante Izael Costa, de 54, ainda tem vivos na mem�ria os momentos de tens�o de quando tentava escapar da enchente. “Essa enchente foi pior que a anterior. O rio subiu uns 9 metros e meio. Subiu 1 metro e meio acima do segundo andar da casa acima da minha mercearia. Virou um cen�rio de guerra”.

 

Al�m dos freezers, Izael perdeu quase todas as mercadorias que tinha para vender. Ao ver a �gua subindo rapidamente em dire��o ao seu estabelecimento, n�o pensou duas vezes e fugiu, deixando tudo aberto. O preju�zo chegou a R$ 40 mil, segundo o vendedor. “Temos de nos apegar a Deus e olhar para a frente, sen�o a gente desanima”, afirma.

 

Izael lamenta diz que a enchente agravou a crise provocada pela pandemia, que o fez contrair d�vidas. “Estava negociando nossos d�bitos. J� v�nhamos com problemas de 2020 e em seguida veio a pandemia. A nova enchente piorou tudo. Sofri tr�s vezes, e tive de ficar com a loja fechada”, diz.

 

De acordo com a Prefeitura de Raposos, os atingidos pelas chuvas foram atendidos com doa��es de materiais de limpeza, de higiene pessoal e cestas b�sicas, al�m de utens�lios dom�sticos, como fog�es, colch�es e arm�rios. O munic�pio atende aos crit�rios do Cadastro �nico do Governo Federal. Al�m disso, a prefeitura prev� a distribui��o do aux�lio Recupera Minas, do governo estadual – o cart�o com a primeira parcela, de R$ 400 por benefici�rio, totaliza a quantia de R$ 1.200 em tr�s meses. 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)