(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas CRISE ECON�MICA

Vale-g�s: com crise, atendidos usam lenha e agradecem quando h� alimento

Aux�lio g�s alivia popula��o carente, mas n�o garante botij�o, o que leva fam�lias carentes a apelar para o velho fog�o a lenha, quando h� o que cozinhar


23/05/2022 04:00 - atualizado 23/05/2022 06:26

Família com dificuldades de sobrevivência
M�rcia Cristina, de 33, e o marido, Aldeci de Jesus Silva, de 35: com sete filhos, de 15 at� 4 anos, mesmo com o benef�cio, f� e trabalho, improvisar para cozinhar no quintal � a �nica op��o, isso quando n�o falta o b�sico (foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.a press)


“O Senhor � meu pastor, nada me faltar�.” O trecho do Salmo 23 da “B�blia” � sinal de confian�a na provid�ncia divina estampada na parede do barrac�o onde o casal Aldeci de Jesus Silva, de 35 anos, e M�rcia Cristina Gon�alves, de 33, vive com sete filhos, na Vila Castelo Branco, �rea carente de Montes Claros, Norte de Minas. Mas, se a f� vem ajudando a atravessar as prova��es, a condi��o social faz da escassez uma companheira no caminho. A fam�lia � uma das benefici�rias do Aux�lio G�s, criado pelo governo para inscritos no Cadastro �nico de benef�cios sociais da Uni�o, com renda mensal per capita de at� meio sal�rio-m�nimo ou que tenham entre seus integrantes pessoa atendida pelo Benef�cio de Presta��o Continuada. A ajuda � bem-vinda, claro, mas os R$ 51, em valores de abril, pagos a cada dois meses, mal chegam para o combust�vel. Na verdade, vem faltando at� o que p�r na panela.

Aldeci, M�rcia Cristina e a “escadinha” de sete filhos – Mary Talita, de 15 anos; Sara Daniele, de 14; Clesia, de 11; Jo�o, de 10; Rute Emanuelle, de 8; Lucas Gabriel, de 6; e Wesley Miguel, de 4 – est�o longe de ser exce��o entre as fam�lias atendidas pelo benef�cio, mais conhecido como vale-g�s. Na verdade, o dinheiro, que n�o � vinculado � compra do combust�vel, acaba sendo usado para ajudar no minguado or�amento, enquanto atendidos pelo programa seguem recorrendo ao fog�o a lenha, e se d�o por satisfeitos quando conseguem ter o que cozinhar.

O quadro � resultado da degrada��o social motivada pela crise econ�mica e pela disparada nos pre�os, turbinada pelo aumento dos combust�veis que pesa mais para moradores de munic�pios com baixo �ndice de Desenvolvimento Humano (IDH). Um quadro que onera a atividade dos pequenos agricultores, elevando os custos de transporte e de produ��o, como mostrou recente s�rie de reportagens do Estado de Minas. Os brasileiros mais pobres, para os quais a conta pesa em maior propor��o, foram duramente atingidos tamb�m pelo reajuste do pre�o do g�s de cozinha, essencial a praticamente todos os lares.

O “vale-g�s” institu�do pelo governo federal e pago a cada dois meses equivale, segundo a tabela de abril, � metade do pre�o m�dio do botij�o de g�s no pa�s nos �ltimos seis meses. Mesmo que a conta para a Uni�o seja de R$ 5,39 milh�es, de acordo com os dados do governo, e que a ajuda seja considerada indispens�vel pelas fam�lias, para os contemplados o valor extra n�o d� conta de afastar o drama da falta de dinheiro para comprar alimentos, pagar contas de �gua e luz e outras despesas indispens�veis para a garantia de uma vida digna.

A fam�lia de Aldeci n�o est� familiarizada com a din�mica ou os jarg�es da economia, mas sabe bem que o resultado da conta n�o fecha no fim do m�s. Cadastrada no Renda Brasil (antigo Bolsa-Fam�lia) em fevereiro, a fam�lia recebeu R$ 680 do programa social, valor que inclui o Aux�lio G�s. O casal, que sobrevive do pouco que Aldeci consegue na labuta como carroceiro, enquanto a mulher cuida da prole numerosa, afirma que pouco sentiu a “diferen�a a mais” do benef�cio.

“Aumentou (com o vale-g�s), mas, para n�s, n�o melhorou quase nada”, conta o carroceiro, dizendo que “juntando tudo”, mal d� para pagar as contas e efetivamente comprar o g�s. Mesmo assim, sabe que a ajuda � indispens�vel: “O dinheiro (recebido do governo) � pouco, mas � o que sustenta a gente”. Aldeci conta que, na sua labuta com a carro�a e o animal, cobra R$ 25 por carreto. Mas n�o � todo dia que encontra servi�o. “Consigo em torno de R$ 300 por m�s. Assim mesmo, quando o tempo est� bom”, conta.

IMPROVISO E CADERNETA

Convivendo com a escassez, resta � fam�lia se agarrar � f�, ao trabalho e ao improviso quando falta dinheiro para o botij�o. Foi assim que a equipe de reportagem encontrou o casal, que improvisou um fogareiro a lenha no quintal do barrac�o de quatro c�modos e ch�o batido onde vive a fam�lia numerosa, cedido por uma institui��o filantr�pica. “Estamos sem dinheiro para comprar outro botij�o. O jeito � cozinhar com a lenha at� arrumar um jeito de usar o fog�o a g�s de novo”, afirmou Aldeci.

M�rcia Cristina conta que outra ajuda para que a fam�lia consiga ir se sustentando vem da velha caderneta de compras a prazo, em uma mercearia perto da Vila Castelo Branco. “Sempre pego as coisas l�. No dia em que recebo o benef�cio, pago uma feira (a compra do m�s anterior), mas fico devendo a outra”, explica.

Mesmo assim, o carroceiro Aldeci n�o esconde que a fam�lia enfrenta falta de mantimentos b�sicos, como arroz, feij�o e a��car, dependendo da ajuda n�o s� do governo, mas tamb�m de outras pessoas para sobreviver. “Aqui, agradecemos primeiramente a Deus, e em segundo lugar ao povo que ajuda a gente. Se n�o fossem eles, a gente n�o aguentava”, diz o morador.

Para continuar aguentando, ele admite que, de vez em quando, consegue algum produto da cesta b�sica com vizinhos. Mas s�o itens essenciais. Carne, por exemplo, � iguaria rara na moradia. “Isso a gente s� come mesmo quando sobra um dinheirinho. Quando n�o sobra, a gente fica na base do arroz com feij�o, mesmo”, descreve.
 
Darcilene Rodrigues
Darcilene Rodrigues � m�e de tr�s filhos, n�o tem emprego e n�o conseguiu se habilitar em programas sociais: fog�o improvisado � moda antiga
 

'�s vezes, falta at� o arroz e o feij�o'

N�o � preciso ir muito longe para ver a situa��o da fam�lia do carroceiro Aldeci est� longe de ser exce��o. Apenas em Montes Claros, s�o quase 45 mil inscritos no Cadastro �nico de benef�cios sociais da Uni�o. Na mesma Vila Castelo, a ajuda governamental � um alento para Cl�udia Gon�alves Silva, de 39, separada, m�e de duas filhas adolescentes. Ela recebe mensalmente do Renda Brasil R$ 405, valor que em abril aumentou para R$ 456 com os R$ 51 do Aux�lio G�s.

Cl�udia sabe que o benef�cio contribui para sua sobreviv�ncia e das filhas, o que n�o a impede de reconhecer que � pouco. Ela complementa a renda fazendo faxinas como diarista. Mas nem sempre encontra servi�o, o que complica a situa��o da fam�lia, que chega a enfrentar necessidades. “As vezes, falta at� o arroz e o feij�o”, confessa.

Outros produtos s�o ainda mais raros na mesa da fam�lia. “S� compro carne mesmo no dia que pego o dinheiro (o benef�cio do governo) ou fa�o faxina, duas ou tr�s vezes ao m�s”, contabiliza Cl�udia, enquanto planeja o card�pio do dia: arroz, feij�o e ab�bora.

ABRA�AR A AJUDA

Cl�udia Gon�alves Silva tem prioridade no recebimento do Aux�lio G�s por algo que n�o lhe traz boas lembran�as: a viol�ncia que sofreu por parte do ex-marido. Isso porque a Lei Federal 14.237, de 19 de novembro de 2021, que instituiu o benef�cio, estabelece que “o aux�lio ser� concedido preferencialmente �s fam�lias com mulheres v�timas de viol�ncia dom�stica que estejam sob o monitoramento de medidas protetivas de urg�ncia”.

Separada h� dois anos e seis meses, a moradora de Montes Claros conta que viveu com o ex-companheiro violento por 18 anos de dor e sofrimento. “Ele maltratava muito a gente. Eram brigas constantes”, recorda. Cl�udia disse a viol�ncia s� cessou a partir do momento em que recebeu a ajuda da diretora da escola de uma das filhas, que a orientou a procurar a Delegacia Especializada da Mulher em Montes Claros para denunciar o agressor. “Tem que tomar coragem e procurar ajuda. Quando a gente consegue, tem que abra�ar (a ajuda) e ir em frente.”

A batalha dos 'sem-benef�cio'

Se o fog�o a lenha � companheiro mesmo para as fam�lias que recebem o vale-g�s, para as que n�o est�o entre os benefici�rios ele � necessidade constante. � ao velho modo de cozinhar que recorre Darcilene Rodrigues, de 26 anos, tamb�m da Vila Castelo Branco, que n�o tem emprego nem fonte de renda, pois ainda n�o conseguiu se habilitar em programas sociais. M�e de tr�s filhos, de 13, 7 e 6 anos, ela enfrenta dificuldades para comprar alimenta��o, pois o �nico dinheiro que entra na casa � o sal�rio m�nimo do marido, ajudante de servi�os gerais.

Carne � algo quase desconhecido em casa, conta ela. “A gente compra salsicha e ovo”, relata. O pouco que d� pra comprar � preparado nas trempes do fog�o a lenha improvisado no fundo do prec�rio barrac�o de tijolos, sem reboco e coberto de telha de amianto, onde falta at� chuveiro el�trico. “A gente toma banho com a �gua que sai direto do cano", explica a mulher, que pediu que n�o fossem feitas imagens dentro do barrac�o, aparentemente constrangida pela condi��o de car�ncia.

Com pouca instru��o, ela conta que, no fim do ano passado, tentou fazer o cadastro no programa de transfer�ncia de renda do governo em um Centro de Refer�ncia em Assist�ncia Social da prefeitura. “Disseram que eu teria que voltar para um novo agendamento. Mas, at� hoje n�o voltei”, afirmou, diante da dificuldade de sair de casa por n�o ter com quem deixar os filhos.

Kelly Ane Gon�alves Maciel, de 27, solteira, dom�stica, � vizinha de Darcilene e m�e de Kendelly Alehandra, de 7. Ela afirma receber R$ 400 mensalmente do Renda Brasil, e diz que, por n�o ter renda fixa, “ouviu dizer” que teria direito ao vale-g�s. Mas diz que n�o se lembra de ter recebido o aux�lio em fevereiro, primeiro m�s do pagamento.

Mas uma certeza ela tem: os R$ 400 que recebe do antigo Bolsa Fam�lia s�o muito pouco. “Nunca que d� para custear as despesas do m�s inteiro”, constata, acrescentando que o pai da menina sobrevive “com uns biquinhos como ajudante de pedreiro” e pouco contribui no pagamento das despesas.

Para amenizar o arrocho, Kelly conta que faz faxinas para pagar as contas de �gua e luz. E revela que, quando a situa��o aperta, � no velho fog�o a lenha no quintal vizinho, da av�, que cozinha. “� o jeito.”

Aux�lio vira al�vio para outras contas

Embora seja um valor relativamente pequeno, o vale-g�s representa um al�vio para fam�lias em situa��o de extrema pobreza. A avalia��o � da professora V�nia Vilas-Boas, coordenadora do �ndice de Pre�os ao Consumidor (IPC), indicador que mede o custo de vida, vinculado ao curso de Economia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

“A partir do momento que temos um novo programa social como o Aux�lio G�s, sendo bem distribu�do, sem sombra de d�vida ser� uma contribui��o para fam�lias que vivem na situa��o de pobreza. � uma forma de dar um certo al�vio para essas fam�lias, com 50% do valor praticado para o botij�o”, afirma a economista.

Ela lembra que o aux�lio ganha maior peso ap�s as piores fases da COVID-19. “A pandemia, com seus efeitos, trouxe dificuldades para todas as pessoas, principalmente, para aquelas em situa��o de extrema pobreza”, observa. “Neste momento, essas fam�lias v�o ter um pequeno f�lego para aquisi��o do g�s de cozinha. O recurso n�o � carimbado. Ent�o, poder� ser usado para outras demandas importantes, como o pagamento de tarifas de servi�o p�blico (contas de �gua e luz)”, afirma a coordenadora do IPC/Unimontes.

A especialista ressalta que o vale-g�s ganha maior relev�ncia em munic�pios com elevado n�vel de pessoas de baixa renda, como Montes Claros. A cidade polo de 413,4 mil habitantes tem 36,4% da sua popula��o com renda per capita de at� meio sal�rio m�nimo mensal, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica. O IBGE tamb�m indica que a renda m�dia dos trabalhadores com carteira assinada no munic�pio � de 2,1 sal�rios m�nimos. O valor da cesta b�sica com 13 itens medida pela pesquisa do Departamento de Economia da Unimontes � de R$ 499,39 por m�s, segundo o �ltimo dado dispon�vel, de mar�o de 2022.

A Secretaria de Desenvolvimento Social de Montes Claros informa que a cidade tem 44.826 fam�lias inclu�das no Cadastro �nico do governo federal, que est�o aptas a receber o Aux�lio G�s. A pasta informa que “at� o momento n�o foram disponibilizadas ferramentas de consulta para os munic�pios acompanharem os n�meros” do benef�cio. Por isso, n�o disp�e de dados sobre o montante pago na cidade.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)