Bairro de BH tem parque plantado por moradores, sem cerca nem portaria
Comunidade do Bairro Teixeira Dias, no Barreiro, arrega�ou as mangas e transformou em reserva, com �rvores frut�feras, �rea que antes tinha poucos atrativos
Iniciativa de plantio, aduba��o, capina e cuidados, que come�ou com poucos pioneiros, agora envolve coletivo de vizinhos (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Uma �rea de 53.900 metros quadrados na Regional Barreiro, em Belo Horizonte, se tornou um dos exemplos de reserva ambiental e estrutura de lazer garantida gra�as � mobiliza��o popular, com apoio do poder p�blico.
O terreno que abrigava uma pra�a no Bairro Teixeira Dias se transformou em parque com atividades realizadas e mantidas pela pr�pria popula��o, com apoio t�cnico do munic�pio.
Com altitudes que variam de 975 a 1.035 metros, o espa�o abriga in�meras esp�cies de plantas comest�veis, medicinais, decorativas, frut�feras e disp�e de composteiras para produ��o de adubo. Tamb�m tem casinhas para c�es “sem dono” espalhadas pelo terreno.
A constitui��o desse acervo tomou forma em grande parte pelas m�os de moradores. Hoje, a comunidade cuida do espa�o e dos animais, de forma individual ou por a��es coletivas.
Diferentemente de outras reservas da capital, o Parque Ecol�gico Padre Alfredo Sabetta tem uma peculiaridade: � uma �rea aberta, sem portaria ou vigil�ncia permanente. Apesar disso, se encontra bem cuidado. Uma demonstra��o de preserva��o de �rea p�blica apropriada e abra�ada pelos moradores da cidade.
O nome do bairro, que popularmente se confunde com o do pr�prio parque, � origin�rio do sobrenome de uma antiga fam�lia de origem portuguesa que era dona das terras, na �poca em que existiam fazendas na regi�o. Um dos integrantes do grupo familiar original, �lvaro Ant�nio Teixeira Dias, pol�tico falecido em 2005, tornou-se deputado federal e foi vice-prefeito de Belo Horizonte.
Rodrigo Leal com o filho Kau�: novas gera��es desfrutam da �rea e aprendem a manter cuidados com as plantas (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
A partir de 1978, o terreno come�ou a ser parcelado e loteado, abrigando um conjunto habitacional popular. J� o Parque Ecol�gico Padre Alfredo Sabetta foi criado em 1999 e parcialmente implantado em 2003, por meio de compensa��o ambiental promovida pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
Posteriormente, a Prefeitura de Belo Horizonte instalou no local equipamentos de gin�stica e brinquedos, al�m de pista para caminhada.
Os habitantes contam que por volta dos anos 2010, com o bairro j� constitu�do e sua ocupa��o expandida, a �rea ainda remanescente da fazenda come�ou a ser cuidada por um antigo morador.
Conhecido como senhor Altino, hoje com 83 anos, ele cuidava das �rvores, da capina e da limpeza, al�m de plantar verduras e legumes no local. Outros vizinhos come�aram a seguir o exemplo.
Renata Sevillano Aranibar, de 37 anos, anfitri� coworking, mora em frente ao parque h� 12 anos. Quando chegou, era um espa�o p�blico “meio abandonado”, como define. “Algumas pessoas faziam interven��es pontuais, como minha m�e e seu Altino, mas eram coisas isoladas. H� alguns anos, mudou para o bairro o Rodrigo. Ele come�ou a plantar e tamb�m a cuidar. Mas, no fim de 2018, um grande inc�ndio destruiu praticamente todos os equipamentos e a vegeta��o.”
O Rodrigo a que Renata se refere � Rodrigo Costa Leal, de 39, veterin�rio e agroecologista. Natural de Corumb�, no Mato Grosso do Sul, mudou-se para a regi�o h� seis anos. “Do Pantanal, em contato direto com natureza 24 horas por dia, cheguei � selva de pedra”, relembra. A casa em que morava n�o tinha quintal, nem terra. “Comecei a plantar em pouqu�ssimos espa�os.”
(foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)
�rea era usada como bota-fora
Rodrigo montou tr�s composteiras em casa, e o adubo passou a ser depositado nas �rvores do que se tornaria o parque, durante os passeios com o filho Kau�. Ele conta que na �poca a �rea n�o tinha capina nem aduba��o. Era usada para bota-fora de restos de constru��o, acumulando lixo org�nico e n�o org�nico misturados.
Em seus passeios matinais, conheceu o seu Altino. “Ele usava a �rea para fazer uma rocinha, plantou feij�o-guandu, frutas. Colei nele. Come�amos a conversar e compartilhamos conhecimentos. Eu com os princ�pios agroecol�gicos e ele, agricultor das antigas, com sua sabedoria. Capinava, arrancava o capim achando que era lixo, aplicava veneno nas �rvores, e eu mostrava outros m�todos e tecnologias naturais. S� ainda n�o o convenci a evitar a matan�a de formigas cortadeiras. Mas ele � novo, ainda vou convenc�-lo”, brinca Rodrigo Leal.
A conversa passou para a possibilidade de apropria��o do espa�o, que � p�blico, pela comunidade. “T�nhamos a convic��o de que a prefeitura nunca proibiria os benef�cios que trouxemos, n�o poder�amos era nos apropriar, como se o lugar fosse s� nosso. O espa�o � de todos e para todos”, define Rodrigo.
Apropriado pela vizinhan�a, espa�o tem atividades f�sicas e de lazer, al�m de produzir alimentos para frequentadores (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
A mata plantada com uma semente por vez
Com a evolu��o das conversas entre vizinhos da �rea, o capim passou a ser reaproveitado na forragem do terreno. Foram criados pontos de compostagem, devidamente sinalizados, para que a popula��o depositasse o lixo org�nico, com as devidas recomenda��es do que poderia ou n�o ser descartado ali.
Desse adubo passaram a se alimentar cultivos de ab�bora e batata-doce, canteiros agroflorestais com �rvores frut�feras. As plantas passaram a produzir alimento para moradores e frequentadores, e se tornaram um convite para in�meros p�ssaros, que hoje visitam ou se reproduzem no local.
Foram semeadas tamb�m esp�cies ex�ticas, como cerejeira japonesa, a acer, cuja folha de 11 pontas, o bordo, � s�mbolo imortalizado na bandeira do Canad� ou mogno africano. Variedades de pinheiros tamb�m t�m seu espa�o, mas essas �rvores, em pequena quantidade, foram plantadas de forma a n�o causar impacto na vegeta��o nativa.
Com a vegeta��o brotando da mobiliza��o dos vizinhos, um praticante de caminhada doou enxada, um morador deu mangueiras para irriga��o, outros equipamentos foram chegando, e mais mudas e sementes.
Criou-se um coletivo de cuidados e a��es no espa�o. Sem descartar as participa��es individuais e espor�dicas. O grupo convoca nos fins de semana para atividades b�sicas, mutir�o de limpeza e de plantio.
Em dezembro do ano passado, a vereadora Duda Salabert (PDT), que durante a campanha prometeu que plantaria uma �rvore a cada voto que recebesse, escolheu o local para o plantio de 1.240 mudas.
“Naquele dia, o lugar se tornou um formigueiro, porque pessoas passavam, viam a movimenta��o e buscavam em casa mais mudas. Al�m do plantio previsto, recebemos mais de 500 novas plantas”, conta Rodrigo Leal.
“Pracinha de Comer”
Hoje, as atividades no Parque Ecol�gico Padre Alfredo Sabetta, abertas a qualquer pessoa, s�o divulgadas no Instagram oficial @pracinhadecomer. Um dos pr�ximos passos ser� catalogar �rvores e esp�cies. Calcula-se que estejam plantadas no local cerca de 4 mil esp�cimes. Tamb�m h� projeto de plantio de variedades comest�veis ao longo da pista de caminhada.
A gerente regional de parques do Barreiro e Regional Oeste da prefeitura, Edanise Guimar�es Reis, tem fortalecido a iniciativa, conforme os moradores. Al�m da recupera��o dos equipamentos de gin�stica, brinquedos e pistas de caminhada, est�o sendo instalados pontos de capta��o de �gua, a ser usada na irriga��o, uma preocupa��o para manter de p� a proposta da �rea.
O coletivo do “Pracinha de Comer”, segundo Rodrigo Leal, vem discutindo com a Secretaria Municipal de Assist�ncia Social, Seguran�a Alimentar e Cidadania a possibilidade de cria��o de uma horta comunit�ria. “A ideia � uma produ��o de todos para todos. De subsist�ncia, para que todos usufruam, sem comercializa��o. Um projeto tamb�m terap�utico, uns ajudando os outros”, ressalta o agroecologista.
Hoje, o lugar serve de abrigo tamb�m para duas cadelinhas, “Mam�e”, que � m�e de “Princesa”. Maria Bernardina Seillano, enfermeira, de 69, conta que a mais velha foi encontrada com quatro filhotes em uma �rea do parque. Tr�s foram adotados e as duas passaram a ser cuidadas pela comunidade.
Todas as manh�s, Bernardina e sua filha Renata passam pelo parque levando �gua e ra��o para os bichos. “Quando come�ou o per�odo de chuvas e frio fizemos uma casinha refor�ada de papel�o, conversei com o Rodrigo e pedi que indicasse onde colocar, e ele sugeriu o lugarzinho que elas gostam de ficar a maior parte do tempo. A casa n�o durou muito, a comunidade ajudou e arrumamos outra casinha, mais resistente, e foram aparecendo outros abrigos. Agora tem v�rias cuidadoras, as cadelinhas est�o castradas e ser�o vacinadas. Elas est�o muito bem aqui”, conta Renata.
Colheita aprovada por frequentadores
O esfor�o dos pioneiros na cria��o do Parque Padre Alfredo Sabetta � reconhecido por outros frequentadores, e muitos ajudam nos cuidados com a unidade. Ant�nio Rodrigues da Silva, de 69 anos, aposentado � morador do Bairro Diamante, passou a ir ao local com frequ�ncia.
“O atrativo � a natureza, espa�o, �rea verde e trago o Thor (um border collie), que adora passear e brincar aqui. Frequento essa �rea h� uns seis anos, mas agora est� mais bem cuidada, tem uma turma de volunt�rios que cuida, planta �rvores frut�feras, plantas ornamentais, medicinais. Minha esposa j� plantou rom� e abacate. Fiquei conhecendo o senhor Altino, que capina e cuida das planta��es. Mesmo sendo espa�o aberto, a maioria preserva. Sempre tem alguns que jogam lixo, destroem alguns equipamentos, mas a maioria � pela preserva��o”, testemunha.
Raquel Xavier, desempregada, moradora do Cardoso – frequenta com mais regularidade o Parque Ecol�gico Roberto Burle Marx, passeava pela �rea com a filha Sofia, de 4, e elogiou a mobiliza��o social em torno da �rea.
“Noto que os parques que frequento est�o muito bem cuidados. Acho muito legal essa mobiliza��o da comunidade para cuidar daquilo que � p�blico. A regi�o � muito habitada e tem poucos espa�os de conv�vio comunit�rio.”
Wellington Reis, de 76, que trabalha na �rea de laborat�rios, � morador do bairro e acompanhou o surgimento do parque. Hoje, considera-o um espa�o tranquilo e seguro para a caminhada e para o banho de sol.
Seu amigo Jo�o Miranda, de 60, motorista rodovi�rio, mora no Bairro Cardoso e tamb�m est� se tornando frequentador. “Vi aqui planta��es de �rvores, frutas e vejo que a comunidade vem plantando, fazendo sua parte para gerar frutos na pr�xima gera��o”, elogiou.
Parque Ecol�gico Padre Alfredo Sabetta (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
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