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Estado de Minas MEIO AMBIENTE

Poeira e rejeitos atormentam vizinhos da CSN em Arcos

Al�m da n�voa cinza que a f�brica de cimento espalha, produtores rurais denunciam contamina��o da �gua, que inviabiliza atividades de cacha�aria. Empresa nega


22/07/2022 04:00 - atualizado 22/07/2022 06:33

Partículas lançadas no ar cobrem o entorno da comunidade de Boca da Mata
(foto: Fotos: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )


As marcas da extra��o de calc�rio e da produ��o de cimento s�o o cart�o de visitas para quem passa pela comunidade de Boca da Mata, em Arcos, Centro-Oeste de Minas. Seja pelo ar coberto por uma n�voa acinzentada ou pela polui��o da �gua que afeta a popula��o, a presen�a da ind�stria na regi�o significa um estorvo para os moradores da �rea. Uma fam�lia que se instalou no local h� 70 anos e implantou uma cacha�aria tradicional na cidade se v� obrigada a paralisar a produ��o e cogitar deixar a terra por conta da contamina��o da �gua captada no terreno ap�s a instala��o de f�brica de cimento da CSN na vizinhan�a.

A hist�ria da “Cacha�aria do Criolo” come�ou em 1975, criada por Wilmar Arantes. Ele j� morava no local desde a d�cada de 1950, quando come�ou a produ��o da bebida, feita com cana-de-a��car plantada no pr�prio terreno. � �poca, a regi�o tinha um desenho bastante diferente, sem a explora��o mineral e a f�brica de cimento.

No mesmo ano em que Wilmar iniciou a produ��o de cacha�a, a Companhia Sider�rgica Nacional (CSN) se instalou na regi�o para extrair calc�rio e, em 2010, a implanta��o de uma f�brica de cimento ampliou significativamente os impactos na regi�o. Foi quando a rela��o entre a empresa e a Cacha�aria do Criolo ficou insustent�vel.
 
Comunidade de Boca da Mata, que ainda sofre com o barulho dos caminhões usados no transporte do cimento
Part�culas lan�adas no ar cobrem o entorno da comunidade de Boca da Mata, que ainda sofre com o barulho dos caminh�es usados no transporte do cimento
 
 
“Come�amos a ter problemas com a nossa �gua. Na cisterna, de onde a gente tirava �gua para a casa e para a f�brica de cacha�a, come�ou a aparecer uma nata e uma ferrugem muito concentrada. Ent�o, fui at� o respons�vel da CSN e disse pra ele que a represa estava contaminando nossa �gua, mas me disseram que eu estava equivocado”, contou Wilmar Arantes Junior, filho do fundador da cacha�aria e atualmente � frente do neg�cio familiar.

A suspeita da fam�lia era de que uma represa utilizada para lavagem de material e produ��o da ind�stria, localizada alguns metros acima do terreno da cacha�aria, estivesse afetando a �gua da casa, que ficou impr�pria para consumo. “Eu n�o tomava mais a �gua, porque a gente estava tendo muito problema de pedras nos rins e infec��o urin�ria. Come�amos a comprar �gua mineral para tomar, ficamos quatro anos comprando direto”, conta Edilse Rodrigues, que tamb�m trabalha na produ��o da bebida e � esposa de Wilmar Junior.

Represa utilizada pela CSN apontada como fonte de contaminação da água captada pela família Arantes no subsolo
Represa utilizada pela CSN apontada como fonte de contamina��o da �gua captada pela fam�lia Arantes no subsolo


�GUA CONTAMINADA Ap�s den�ncias protocoladas no Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG) e na Funda��o Estadual do Meio Ambiente (Feam), a fam�lia conseguiu que a CSN realizasse um estudo para averiguar a situa��o da �gua usada pela fam�lia. O resultado apontou que h� rela��o entre a atividade da empresa e a contamina��o da �gua utilizada tanto para consumo dom�stico quanto na cacha�aria. Cobalto, ferro, mangan�s e n�quel, todos eles em concentra��es acima da considerada aceit�vel para consumo humano, foram detectados na amostra da �gua que abastecia a casa e a unidade de produ��o da fam�lia havia quatro d�cadas.

A solu��o encontrada foi oferecer �gua � fam�lia por meio de caminh�es-pipa. A CSN entrega 4 mil litros por dia, mas a sa�da n�o foi de todo conciliat�ria. Al�m de a quantidade ser suficiente apenas para o consumo dos seis moradores da propriedade, eliminando a possibilidade de continuar a fabrica��o da cacha�a, a empresa come�ou oferecendo �gua de m� qualidade.

“A Feam (Funda��o Estadual do Meio Ambiente) intimou a CSN a ceder �gua num caminh�o-pipa. S�o obrigados a oferecer 4 mil litros de �gua por dia e a �gua n�o era boa. N�o era �gua pot�vel, vinha um caminh�o sujo. S� depois que arrumaram um caminh�o com �gua limpa, mas antes n�o era. At� disso, a gente teve que reclamar, estava vindo barro. Era uma humilha��o”, conta Edilse.

Al�m da polui��o do len�ol fre�tico, os moradores tamb�m apontam para a contamina��o do Rio Candonga, que � respons�vel por parte do abastecimento da cidade de Arcos. “Aqui na frente tem uma lava��o de caminh�o. Eles lavam os caminh�es todos sujos da cal e do cimento e n�o tem uma conten��o dessa �gua. A sujeira escorre diretamente para o rio. Tem gente que precisa da �gua desse rio. � um estado de calamidade p�blica. A gente chama a Pol�cia de Meio Ambiente, faz o B.O. (boletim de ocorr�ncia), mas n�o adianta nada”, protesta Wilmar Junior.

OUTRO LADO Em nota, a CSN Cimentos informa que, mesmo considerando n�o ser poss�vel tecnicamente correlacionar tais altera��es aos rejeitos presentes na barragem ou mesmo �s demais opera��es da companhia, iniciou uma s�rie de estudos e investiga��es para tentar determinar a fonte da contamina��o. A empresa afirma que possui outros tr�s po�os de �gua num raio de 500 metros do ponto de coleta de �gua na propriedade da cacha�aria, que n�o apresentam quaisquer altera��es em seus par�metros.

No texto, a CSN ainda informa que apresentou um Plano de Recupera��o de �rea Contaminada (Prac) no ano passado para avaliar e monitorar a qualidade da �gua na regi�o. Segundo a empresa, “os estudos realizados at� o momento indicam que as concentra��es de ferro e mangan�s n�o t�m rela��o com as opera��es da Companhia ou com a antiga barragem, podendo estar, inclusive, relacionadas a fatores naturais como, por exemplo, a composi��o mineral�gica das rochas e dos solos presentes na regi�o”.

At� que haja uma solu��o definitiva, informa a CSN, a empresa segue suprindo a propriedade com 4 mil litros di�rios de �gua pot�vel, al�m de ter perfurado um novo po�o na �rea. A empresa afirma que n�o foi constatada altera��o na �gua retirada desse po�o.


Wilmar Arantes e o filho tiveram que suspender a produção dda cachaça Acaciana: a família agora vive do estoque, cada vez menor, da bebida
Wilmar Arantes e o filho tiveram que suspender a produ��o dda cacha�a Acaciana: a fam�lia agora vive do estoque, cada vez menor, da bebida

Projeto de vida interrompido

Desde 2019, ap�s 44 anos de produ��o ininterrupta, a cacha�a Acaciana parou de ser produzida. Sem �gua para a receita e para o sistema de produ��o da bebida, Wilmar Arantes viu o projeto de sua vida ser interrompido. Hoje, a fam�lia vende o estoque armazenado, mas sabe que o produto est� com os dias contados.

“Esses 4 mil litros di�rios n�o s�o suficientes para fazer a pinga. A CSN j� perguntou quanto a gente precisa para a fabrica��o e acha muito, mas (os representantes da empresa) n�o sabem nada sobre o processo. Est�o oferecendo o suficiente pra gente sobreviver, mas n�o para manter o trabalho. A gente vive disso aqui. A f�brica � de 1975”, explica Edilse.

Como se n�o bastasse perder a fonte de renda, a fam�lia havia feito investimentos recentes na cacha�aria. Em 2009, o Instituto Mineiro de Agropecu�ria (IMA) fez uma vistoria na f�brica e demandou que toda a estrutura fosse trocada por materiais de a�o inoxid�vel. A adequa��o foi finalizada em 2011 e mexeu nos cofres da empresa familiar.

Al�m de a contamina��o da �gua ter interrompido a produ��o, Edilse acrescenta que os metais presentes nela acabaram por avariar os materiais rec�m-instalados. “Como a �gua estava contaminada, a caldeira apodreceu, o encanamento apodreceu. Foi um grande preju�zo”.

“A vida do meu pai est� aqui, at� chorar ele chora. A gente perdeu o entusiasmo. Meu pai n�o quer vender, mas � o que falei pra ele: ‘Pai, infelizmente, neste nosso pa�s, as mineradoras que mandam. Mesmo voc� estando aqui antes, a lei est� cega’. As empresas aqui ficam contra a gente, falam que a gente est� contra o emprego, jogam  a gente contra as pessoas”, desabafa Wilmar Junior.

O pai, Wilmar Arantes, tem 88 anos, a esposa dele, Maria Ferreira, 86. Duas hist�rias constru�das na regi�o da Boca da Mata e viradas de ponta-cabe�a ap�s a chegada das mineradoras. Em meio ao imbr�glio com a CSN, uma das solu��es apresentadas foi sair da regi�o e vender a propriedade � empresa. Novamente, a discuss�o est� longe de ser amig�vel.

“Em 2019, um representante da empresa veio aqui e se ofereceu para comprar a propriedade. Mostrei pra ele todo o terreno. A� disseram que eu poderia buscar um corretor para avaliar o terreno. Nossa �rea aqui est� em per�metro industrial, ent�o � um terreno valioso e temos uma f�brica que faz uma cacha�a premiada como uma das melhores de Minas Gerais. Temos tamb�m a f�brica de rapadura. Eles acharam que pedimos muito pela propriedade e n�o quiseram nem fazer uma contraproposta”, afirma Wilmar Junior.

O produtor rural complementa dizendo que pretende sair do local, pois as condi��es de vida s�o muito prec�rias com a polui��o sonora, do ar e da �gua, mas que a ordem da transa��o com a CSN n�o est� correta. “A empresa tinha que pagar o que a gente decidisse que � o valor da propriedade e tamb�m tirar as pessoas antes de causar o dano”.

Polui��o generalizada e sem tr�gua

As janelas da casa onde moram Wilmar Arantes e Maria Ferreira s�o lacradas. Idosos, eles sofrem com problemas respirat�rios causados pela poeira constante no ar do entorno da CSN. Durante a esta��o seca, a situa��o fica ainda pior. Em medi��o realizada por empresa de gest�o ambiental em setembro de 2021, foi constatado que a concentra��o de part�culas no ar da regi�o da cacha�aria foi de 1.172,06 microgramas por metro c�bico. � quase cinco vezes maior que o limite estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

O barulho intenso da f�brica de cimento e do incessante tr�nsito de caminh�es na regi�o tamb�m � uma reclama��o de quem mora pr�ximo � CSN. “Eles estavam carecas de saber que a gente seria prejudicado. Tem uma correia que passa o dia inteiro fazendo barulho, � caminh�o passando 24 horas. Voc� j� ouviu falar de colocar brita no asfalto? Os caminh�es destru�ram o asfalto e eles jogaram brita para tapar os buracos. Aqui est� podendo fazer tudo. Aqui n�o tem lei, infelizmente”, reclama Wilmar Junior.


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