
O carbono est� no grafite, bem na ponta do l�pis a deslizar sobre a superf�cie branca para eternizar palavras, reproduzir, em desenho, a imagina��o, escrever hist�rias, criar mundos. Poderoso aliado da ci�ncia nas data��es pr�-hist�ricas, na forma do carbono 14, ele j� teve papel fundamental e desconhecido das novas gera��es. Quando n�o havia xerox, era o papel-carbono, colado entre duas ou mais folhas, o respons�vel pela c�pia de documentos. Do carbono, tamb�m, nasce o diamante, a mais dura e brilhante das pedras preciosas.
“�, portanto, um elemento de import�ncia universal”, diz o professor e escritor belo-horizontino Breno Silva, de 43 anos, que batizou seu terceiro livro com esse nome. O lan�amento de “Carbono” (Editora Impress�es de Minas) ser� na tarde de hoje (17/9), das 14h �s 16h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, na Savassi), em Belo Horizonte.
Com ilustra��es de Wallison Gontijo e formado por sete contos, nos quais todos os t�tulos s�o no plural – Cascas, Correntezas, Sombras, Fuma�as, Estrondos, Buracos e Nublados –, “Carbono” tem como pano de fundo o distrito de S�o Benedito, em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Como tra�o de uni�o das hist�rias, a mem�ria coletiva dos moradores.
Em tempos de tanta polariza��o, como ocorre no Brasil, milhares de “donos da verdade” e turbul�ncia nas rela��es cotidianas, Breno Silva prefere responder com a “fluidez do pensamento”, trazendo � tona as mem�rias afetivas a fim de fazer o “constante entrela�amento da realidade com a fic��o”.
LEMBRAN�AS
Professor, desde 2015, do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) no Bairro Londrina, no distrito de S�o Benedito, Breno tem suas lembran�as mais remotas ligadas � av�, Gioconda, italiana, que faleceu h� cinco anos com mais de 90 anos e morava no Conjunto Cristina. “O maior crescimento do distrito come�ou na d�cada de 1980”, conta o docente nas �reas de arquitetura, design e paisagismo.
Professor, desde 2015, do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) no Bairro Londrina, no distrito de S�o Benedito, Breno tem suas lembran�as mais remotas ligadas � av�, Gioconda, italiana, que faleceu h� cinco anos com mais de 90 anos e morava no Conjunto Cristina. “O maior crescimento do distrito come�ou na d�cada de 1980”, conta o docente nas �reas de arquitetura, design e paisagismo.
Nas andan�as pelos bairros de S�o Benedito, sempre com o radar ligado nas hist�rias de moradores, Breno fez seus registros a partir de observa��es das ruas, �lbuns de fotografias de fam�lia e conversas com pessoas. Dessa forma, traz, na obra agora lan�ada, “uma narrativa coletiva a partir de fragmentos de recorda��es dos outros e de documentos organizados pelo projeto Espa�o da Mem�ria”.
O projeto, coordenado por Breno e a professora Roxane Sidney, “investiga a produ��o da mem�ria relacionada aos processos hist�ricos de constru��o nos bairros de Santa Luzia”, diz o autor dos livros “O radicalmente outro nas cidades” (Edufba, 2018) e “Atravessando as terras de ningu�m” (F�brica de Letras, 2018), e editor da revista Desmanche.
Para o leitor entender melhor o universo do distrito de S�o Benedito, a� v�o as informa��es divulgadas pela Prefeitura de Santa Luzia. S�o 143,1 mil habitantes (estimativa), o que representa 64% da popula��o municipal. No total, h� 34 bairros.
PAPEL
Uma das boas lembran�as do escritor, e que contribu�ram para a escolha do t�tulo do livro, foi ouvir relato de uma mulher. Em tom po�tico, ele escreveu: “Caminhando pelo S�o Benedito, encontrei uma jovem senhora que, quando crian�a, brincava com as sobras de papel-carbono vindas do escrit�rio no qual sua m�e trabalhava como secret�ria. As folhas chegavam gastas, todas sulcadas pelas letras da m�quinas de escrever, por�m elas ainda serviam ao seu prop�sito. A menina que ela era copiava as imagens dos jornais e revistas, se interessava pelas fotos com pessoas em paisagens. Entre a imagem e o papel em branco, interpunha a folha de carbono. A ponta de um l�pis ou caneta percorria a imagem e o trajeto se imprimia do outro lado da folha em branco.”
Uma das boas lembran�as do escritor, e que contribu�ram para a escolha do t�tulo do livro, foi ouvir relato de uma mulher. Em tom po�tico, ele escreveu: “Caminhando pelo S�o Benedito, encontrei uma jovem senhora que, quando crian�a, brincava com as sobras de papel-carbono vindas do escrit�rio no qual sua m�e trabalhava como secret�ria. As folhas chegavam gastas, todas sulcadas pelas letras da m�quinas de escrever, por�m elas ainda serviam ao seu prop�sito. A menina que ela era copiava as imagens dos jornais e revistas, se interessava pelas fotos com pessoas em paisagens. Entre a imagem e o papel em branco, interpunha a folha de carbono. A ponta de um l�pis ou caneta percorria a imagem e o trajeto se imprimia do outro lado da folha em branco.”
E contimua: “Quanto mais ela se empenhava em reproduzir a imagem, se esmerando nos seus detalhes, curvas, sinuosidades, mais ela se perdia. J� n�o sabia ao certo que linhas havia percorrido e optando pelo excesso acabava por desfigurar ainda mais a precis�o almejada pela transfer�ncia. �s vezes, ela levantava o papel antes de finalizar o desenho, resultando no desencontro. Uma press�o a mais sobre o papel, ele borrava, um deslocamento e ele borrava ainda mais a folha debaixo. O resultado do seu empenho era quase sempre uma obra transfigurada, de tal modo que surgia ali diante dela uma outra coisa. E, com frequ�ncia, ela pegava essa outra coisa e continuava a desenhar a partir dela.”
A cada conto, o leitor vai compreendendo um pouco do cotidiano dos moradores e percebendo que, como um diamante bruto, a vida vai sendo lapidada aos poucos. A escrita, por sua vez, tem o poder de transformar as experi�ncias em palavras, os sentimentos em frases, e as expectativas em pr�ximos cap�tulos – alguns dram�ticos, outros c�micos, partes da grande obra inacabada.
Trecho da obra
"Chovia pouco e insistentemente, no tempo suficiente para a �gua do ribeir�o subir sem alardes. Ela entrava pelas frestas da porta e das paredes de madeirite da casa improvisada, umedecendo as superf�cies. Chegava a molhar a m�o direita adormecida e encostada no ch�o de terra batida. Todas as noites, Ad�o dormia com o bra�o esticado para fora da cama, a palma da m�o tocando o ch�o. Era um gesto autom�tico para se prevenir das enchentes recorrentes. Assim que a �gua tocava sua m�o, despertava como se fosse um alarme. A sirena inaudita soprava sobre sua m�o para tornar o contato com a �gua ainda mais frio. O choque t�til o despertava. Ele rapidamente acordava a sua fam�lia e todos se colocavam de prontid�o para fugir de casa se fosse necess�rio. E a �gua tocou sua m�o v�rias vezes nos anos 70 e in�cio dos 80"