Casa no Aglomerado da Serra vence concurso internacional de arquitetura
'Barraco' do artista belo-horizontino Kdu dos Anjos foi premiado pelo portal ArchDaily. Premia��o destaca a favela e revela a for�a da comunidade
A Casa no Pomar do Cafezal, na favela do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, faturou o pr�mio de Casa do Ano 2023 no concurso internacional do ArchDaily, um dos principais portais de arquitetura do mundo, nesta quinta-feira (23/2). O “barraco” do artista belo-horizontino Kdu dos Anjos, concorreu na categoria com resid�ncias no M�xico, �ndia, Vietn� e Alemanha, mas foi a favorita do p�blico e levou a conquista no voto popular.
Com seus 66 m² de �rea, a casa foi constru�da pelo Coletivo LEVANTE, que tem o foco na elabora��o de projetos em favelas e periferias. Para o dono da resid�ncia a conquista representa uma vit�ria para toda uma comunidade estigmatizada pela viol�ncia. “A gente coloca hoje a favela no topo. Geralmente a not�cia � de viol�ncia, tiro, porrada, bomba, barraco caindo. Mas hoje � um barraco subindo, e subindo para o topo do mundo”, comemora Kdu dos Anjos.
O artista e gestor do centro cultural L� da Favelinha tamb�m destaca que essa conquista � uma forma de vivenciar a favela de uma maneira incomum, "improv�vel". Com tijolos expostos, sem reboco e pintura, com sua simplicidade de longe a casa se camufla na paisagem do Aglomerado da Serra, carregando a assinatura da dupla de arquitetos Fernando Maculan e Joana Magalh�es.
Casa vista de longe (foto: T�lio Santos/EM/D.A Press)
Fernando tamb�m destaca a import�ncia da conquista para a comunidade do Aglomerado da Serra. “A premia��o � uma grande oportunidade de mudar as perspectivas da favela. Mudar para uma perspectiva positiva, de mostrar a pot�ncia dos grupos que trabalham e tem tantas atividades exemplares dentro da favela”, afirma o arquiteto.
Para o ArchDaily, o portal que organizou a premia��o, os vencedores s�o um exemplo concreto do que a sociedade reconhece como boa arquitetura, ao mesmo tempo, em que a �rea precisa se abrir e lidar com quest�es como a crise clim�tica, escassez de energia, densidade populacional, desigualdade social, escassez de moradias, urbaniza��o acelerada, identidade local e segrega��o.
For�a da comunidade
A Casa do Pomar do Cafezal, resid�ncia do artista Kdu dos Anjos, com projeto de Fernando Maculan e Joana Magalh�es (foto: T�lio Santos/EM/D.A Press)
Desde que o concurso come�ou no in�cio de fevereiro, a “Casa do Pomar do Cafezal” tem gerado engajamento nas redes sociais por meio de campanhas realizadas pelo morador, fator que se mostrou decisivo para a conquista do pr�mio. “A primeira not�cia que eu soltei eu falei ‘vou precisar de todo mundo, dos amigos, dos artistas, das tias do zap’ e foi o que aconteceu”, afirma Kdu reconhecendo tamb�m o papel dos “haters” na premia��o. “Tem pessoa que n�o aguenta ver favelado vencendo”.
Vista de dentro da casa (foto: T�lio Santos/EM/D.A Press)
Figura marcada na cena art�stica da capital mineira, Kdu tamb�m carimbou sua presen�a no Carnaval de BH em diversos blocos como o tradicional “Ent�o, Brilha!”. Na maior festa de rua da cidade, o artista fez quest�o de lembrar do seu “barraco”. “No carnaval eu andava e as pessoas falavam ‘j� votei na sua casa’. Quem vinha pedir foto eu falava ‘s� vou tirar se votar na minha casa’, � felicidade demais”, contou.
O arquiteto Fernando Maculan tamb�m revelou um sentimento “coletivo”, com a vit�ria, ressaltando que o concurso gerou uma empatia em todo mundo que, de alguma forma, quis participar e dar o suporte atrav�s do voto. “Parecia que tava todo mundo esperando esse resultado e torcendo pelo Coletivo LEVANTE e pelo Kdu”, diz Fernando que tamb�m destacou os caminhos que o pr�mio pode abrir. “A gente tem que entender como vai trilhar esses caminhos”.
A casa
Apesar de pequena, como destaca Maculan, a casa tem suas refer�ncias e seus diferenciais. O arquiteto observa que o fato dela ser muito parecida com as outras resid�ncias da comunidade, insere o projeto naquela realidade usando os mesmo sistemas construtivos e os mesmo materiais do entorno, “no entanto, ela mostra de forma muito sutil - at� simples -, que tem uma s�rie de cuidados arquitet�nicos que podem tornar essas casas em ambientes mais agrad�veis e confort�veis”, explica Fernando.
A diferen�a sutil destacada pelo profissional � que os tijolos s�o dispostos de forma horizontal, deitados. A escolha muda a apar�ncia da casa que n�o recebe pintura, mas muda, principalmente, a efici�ncia da parede em reter calor n�o deixando que ele adentre o im�vel. Quando o tempo est� mais frio, o calor tende a ser preservado porque a parede � mais grossa.
Port�o da casa ganhadora do pr�mio (foto: T�lio Santos/EM/D.A Press)
A �rea de 66 m² tamb�m considera as �reas externas da casa. Levando em considera��o s� os ambientes internos, ela tem em torno de 20 m² no primeiro piso, com sala, cozinha e �rea de servi�o.
Para levar pro andar de cima, os arquitetos optaram por uma escada externa que n�o ocuparia mais espa�o dentro da resid�ncia. Ao subir se tem mais 20 m² com terra�o, quarto e banheiro. “A �rea fechada e constru�da, ela vai ter em torno de uns 40 a 45 metros quadrados”, afirma Fernando.
J� o maior desafio em erguer a resid�ncia foi chegar no local com os materiais, j� que n�o existe uma rua de acesso de ve�culos que passam na porta da casa. Mas Fernando ressalta que esse � um desafio muito grande para todos que constroem na favela. “Acaba sendo o trabalho de ‘formiguinha’, disse.
Novos Projetos
Com atua��o desde 2017 o Coletivo LEVANTE est� em um movimento crescente, que agora � reconhecido com a premia��o internacional. Nos �ltimos dois anos a demanda de trabalhos do grupo tem crescido e o pr�ximo projeto que ser� conhecido pelo p�blico � a galeria de arte “Torre de Bebel”, tamb�m em parceria com o Kdu dos Anjos.
O espa�o ser� um pr�dio com quatro n�veis pequenos, de aproximadamente 12 metros quadrados por piso. Ali ser� instalado um espa�o para os artistas da favela e convidados de outras periferias exporem seus trabalhos, como uma forma de valorizar a arte local.
“A gente conhece muitos artistas de favela e vemos muitos deles ganharem o mundo. O projeto � uma forma de mostrar esse trabalho dentro das favelas, valorizar a arte aqui dentro e criar uma cultura de dentro para fora”, completa Fernando Maculan.