"Meu objetivo � servir a Deus. Penso que o padre � um sinal de Deus, na sociedade, para desempenhar sua miss�o"
Daniel Ramos, de 25 anos, �ltimo ano de teologia
Amar a Deus sobre todas as coisas e ao pr�ximo como a ti mesmo. Seguido religiosamente, e ao p� da letra, pelos padres cat�licos e seu rebanho, o primeiro dos dez mandamentos sagrados significa n�o apenas dire��o, mas um meio de vida: a partir da�, nascem a f� na humanidade, a esperan�a em dias melhores e a miss�o de trabalhar pela comunidade mundo afora. Para os seminaristas, ent�o – uns perto, outros ainda longe da ordena��o sacerdotal –, o amor a Deus vai al�m de palavras: passa pela voca��o e traz, pelo cora��o, o “chamado da f�”. Nesta Semana Santa, o Estado de Minas apresenta uma s�rie de reportagens sobre a vida, as escolhas e os estudos dos jovens do Semin�rio Arquidiocesano Cora��o Eucar�stico de Jesus (Sacej), de Belo Horizonte, institui��o que completa 100 anos.
Confiantes no caminho, nem sempre permeado de certezas, mineiros, nordestinos e africanos, no total de 60 pessoas, mostram como tra�o de uni�o a vontade de trabalhar em prol do coletivo. “Meu objetivo � servir a Deus, e, assim, a todos”, garante Daniel Ramos, de 25 anos, que desde crian�a alimentava o sonho de se tornar padre. “Cheguei a fazer teatro, mas o chamado de Deus foi mais forte”, conta o seminarista. Natural de Mo�ambique e filho de um mu�ulmano e uma cat�lica, Faizal Jamal, de 26, chegou a namorar duas garotas ao mesmo tempo at� ouvir o chamado da f� e mudar a rota. Hoje, com seu viol�o, pensa em usar a m�sica para evangelizar.
Em tempos virtuais, a tecnologia pontifica como instrumento para a Palavra de Deus chegar em tempo real aos fi�is. “As redes sociais, ainda mais atualmente em que todos est�o conectados, s�o fundamentais para a evangeliza��o”, diz Kaik Ribas, de 27, que se formou em jornalismo e cuida do setor de comunica��o do Sacej. Ele lembra que, em 2012, Bento XVI (1927-1922) foi o primeiro papa a postar uma mensagem no Twitter.
No p�tio interno, gramado, do Sacej, parte do Convivium Ema�s, no Bairro Dom Cabral, na Regi�o Noroeste de Belo Horizonte, um grupo dos futuros padres exibe, cheio de orgulho, um quadro especial. No documento em moldura dourada, est� a foto do papa Francisco e a b�n��o apost�lica “pelos 100 anos de dedica��o e funda��o” do semin�rio criado em 15 de mar�o de 1923, quando o pioneiro dom Ant�nio dos Santos Cabral (1884-1967) era o arcebispo de BH. No texto, o sumo pont�fice “invoca copiosas gra�as e consola��es celestes e a cont�nua prote��o da Beata Virgem Maria”.
Desde que chegou, o quadro est� pendurado em lugar de destaque no pr�dio inaugurado h� quase cinco anos para substituir o hoje ocupado pela PUC Minas Virtual, vinculada � Arquidiocese de BH. Ver o documento vindo da Santa S� � motivo de alegria para Daniel Ramos, de 25 anos, natural de Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de BH (RMBH), e desde 2016 no semin�rio – para chegar � ordena��o, s�o necess�rios de oito a nove anos, come�ando com um ano de proped�utica (prepara��o para a vida comunit�ria), tr�s anos de estudos filos�ficos, para a forma��o humana, intelectual e espiritual, na etapa Discipular, e mais quatro anos, na fase Configurativa, de teologia, de estudos da Palavra de Deus.
A vida no semin�rio come�a �s 5h30 para a primeira ora��o do dia, denominada Laudes, e acordar t�o cedo para passar dia mergulhado em estudos filos�ficos e teol�gicos n�o tira Daniel do s�rio – na verdade, quem v� seu semblante tranquilo pode acreditar que ele nasceu exatamente para o que escolheu. “Meu objetivo � servir a Deus. Penso que o padre � um sinal de Deus, na sociedade, para desempenhar sua miss�o”, afirma.
O primeiro despertar para a vida religiosa brotou aos 12 anos, quando o Daniel morava com a fam�lia no Bairro Santa Rita, em Santa Luzia. “Brincava de celebrar missas, e vivia perguntando aos tios como se fazia para virar santo... achava que os padres eram santos!” Como ningu�m tinha a resposta, o menino mantinha a indaga��o, com apoio do av�, Jos� Raimundo, que estimulava o in�cio da voca��o. “Ele dizia que eu tinha jeito para a Igreja.”
A adolesc�ncia apontou outros caminhos, mas, segundo o seminarista, sua voca��o era t�o forte que n�o tinha como escapar. Durante tr�s meses, participou de um curso de teatro do programa Valores de Minas, sem demonstrar entusiasmo pela carreira art�stica. “Havia, no meu cora��o, uma ‘necessidade’ mais forte, e tenho certeza que era o chamado da f�. Confesso que n�o pretendo galgar altos postos na Igreja, ser bispo, cardeal. Quero mesmo � ajudar os carentes, os pobres, os necessitados da for�a de Deus, por meio da celebra��o dos sacramentos”.
(foto: Leandro Couri/EM/D.A. Press)
"Temos na tecnologia um poderoso canal de evangeliza��o. Trata-se
de um instrumento muito importante para chegar aos fi�is"
Kaik Ribas, de 27 anos, primeiro ano de teologia
No c�u
Ao lado de Daniel Ramos, segurando o quadro com a mensagem do papa Francisco, o belo-horizontino Rodolpho Ferreira Mota, de 26, � capaz de ir do c�u de brigadeiro � terra firme em fra��o de segundos...sem escalas. Cursando o �ltimo ano de filosofia e com a ordena��o sacerdotal prevista para daqui a “quatro ou cinco anos”, o jovem se graduou em ci�ncias aeron�uticas, na Fumec, antes de ingressar no semin�rio. A quem se surpreende com decis�o t�o radical, ele responde: “Desde crian�a, tenho paix�o por avi�es, tanto que, al�m da forma��o universit�ria, trabalhei na parte administrativa de uma companhia a�rea. Vou continuar com esse gosto, s� que de forma diferente. Em vez de profiss�o, ser� um hobby.”
A necessidade de mudan�a veio como um sopro divino, e o belo-horizontino entendeu perfeitamente o momento “a partir de um ardor e uma inquietude no cora��o” que levaram ao discernimento vocacional. Mas nesse voo rumo a um novo tipo de vida, Rodolpho n�o estava sozinho, pois contribu�ram significativamente a m�e, Maria Lu�za Ferreira Mota, catequista, e a av� Ruth Felipe da Silva, sempre presente nas missas e demais celebra��es religiosas na Par�quia S�o Judas Tadeu.
“Quando a gente sente o chamado da f�, n�o tem como fugir, s� mesmo aceitar e ir adiante. � uma resposta de amor na liberdade de um filho batizado de Deus”, afirma o seminarista, que fez o ensino m�dio no Col�gio S�o Miguel Arcanjo e compreende a jornada religiosa como um processo s�rio. “Quero servir o povo de Deus, seguir os passos de Jesus Cristo”, resume, destacando a miss�o de um padre: “governar, santificar e apascentar o rebanho”.
Menos candidatos ao sacerd�cio
No Sacej, em Belo Horizonte, vivem e estudam 60 seminaristas, a maioria na faixa dos 20 anos. Cinco jovens vieram de pa�ses africanos (foto: Leandro Couri/EM/D.A. Press)
Enquanto o n�mero de batizados aumenta proporcionalmente � popula��o, o n�mero de candidatos ao sacerd�cio caiu de 114.058 (2019) para 111.855, em 2020, com exce��o da �frica. O n�mero de seminaristas na Am�rica diminuiu 4,2%. Conforme dados da Regional Oeste 1 da Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), h� 21.812 padres no Brasil. Seminaristas, no pa�s, s�o 8.041, dos quais 625 em Minas Gerais, para o total de 12.013 de par�quias.
Em Minas, o n�mero de semin�rios � proporcional ao de dioceses e arquidioceses. Conforme a Organiza��o dos Semin�rios e Institutos do Brasil (Osib) do Regional Leste 2 da CNBB, cada uma das 28 dioceses e arquidioceses tem seu pr�prio semin�rio – algumas apenas com a proped�utica e complementa��o em conjunto com os semin�rios maiores. No estado, o mais antigo est� em Mariana (Regi�o Central), primeira vila, cidade, capital e diocese de Minas Gerais.
No caso espec�fico do Sacej, na capital, onde h� tamb�m uma casa dedicada aos padres mais idosos e a Capela Cora��o Eucar�stico de Jesus, vivem e estudam 60 seminaristas, a maioria mineiros na faixa dos 20 anos, e mais, segundo o reitor, padre Evandro Campos Maria, “dois do Maranh�o, um de Pernambuco e cinco da �frica (dois de Mo�ambique e tr�s de S�o Tom� e Pr�ncipe”. O reitor explica que o n�mero de seminaristas, o qual considera expressivo, vem se mantendo est�vel nos �ltimos anos. As ordena��es s�o de sete a oito padres por ano.
No Brasil, considerado um dos pa�ses mais cat�licos do mundo, embora em queda no n�mero de padres e de fi�is cat�licos, � mais do que frequente os padres falarem nas missas: “A messe � grande, mas os oper�rios s�o poucos”, no sentido de despertar as voca��es. Em entrevista ao site de not�cias do Vaticano, o presidente da Comiss�o dos Minist�rios Ordenados e da vida CNBB, dom Jo�o Francisco Salm, demonstrou preocupa��o. “T�m ca�do muito as voca��es da vida consagrada, com congrega��es que est�o com membros praticamente todos idosos. � preocupante porque dentro de 10, 15 anos, n�o teremos uma reposi��o com novas voca��es”.
Como despertar as voca��es? Quem responde � o presidente da Organiza��o dos Semin�rios e Instituto Filos�fico-Teol�gicos do Brasil (Osib), padre Vagner Jo�o Pacheco de Moraes. “A promo��o de eventos para divulgar as voca��es, por parte da Igreja Cat�lica, como este terceiro ano vocacional do Brasil que estamos vivendo, s�o modos de despertar e conscientizar as pessoas para as voca��es”, afirma o dirigente da organiza��o vinculada � Comiss�o para os Minist�rios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB.
Canal poderoso para chegar aos fi�is
De m�os dadas com o povo de Deus ou de m�os postas em ora��o, seminaristas, padres, bispos e todo o clero encontram na tecnologia um poderoso canal de evangeliza��o. “Trata-se de um instrumento muito importante para chegar aos fi�is”, acredita o seminarista Kaik Ribas, de 27, belo-horizontino criado em Contagem (RMBH) e agora no primeiro ano de teologia – vale destacar que os cursos de teologia e filosofia para os alunos do Sacej s�o ministrados na PUC Minas.
Formado em comunica��o social (jornalismo) nessa universidade, Kaik, mais velho de quatro irm�os, teve na fam�lia v�rias refer�ncias que o levaram � vida religiosa, a exemplo dos tr�s primos padres, entre eles Adilson Leite, vig�rio for�neo da Regi�o Episcopal Nossa Senhora Aparecida, na Arquidiocese de BH.
O grande incentivo para seguir a vida religiosa, ressalta Kaik, veio da av�, Maria das Gra�as Macedo Ribas, de 81, residente em Contagem. Nos momentos de d�vida, “que n�o foram poucos”, l� estava a av� para apoiar, ouvir, aconselhar. Na adolesc�ncia, ele teve uma experi�ncia vocacional numa ordem religiosa, depois se afastou at� que, aos 18, foi cursar comunica��o.
“Vivi o tempo de jovem, mas o anseio de ser padre nunca me abandonou. Pulsava aqui dentro”, diz Kaik com o dedo indicador no peito. Terminada a gradua��o, entrou para o semin�rio e se declara muito realizado e feliz, conciliando os estudos com a Pastoral da comunica��o. “Tudo ocorreu no tempo que Deus quis, n�o no meu tempo.”
ENTREVISTA
(foto: Leandro Couri/EM/D.A. Press)
Padre Vagner Jo�o Pacheco de Moraes
Presidente da Organiza��o dos Semin�rios e Instituto Filos�fico-Teol�gicos do Brasil (Osib)
“As redes sociais favorecem a evangeliza��o”
O que a Igreja Cat�lica tem feito para despertar as voca��es para a vida religiosa?
O testemunho sempre foi um grande meio de despertar as voca��es. Creio que o zelo pela Igreja, pelos religiosos, e a promo��o de eventos para divulgar as voca��es, como, por exemplo, este terceiro ano vocacional do Brasil que estamos vivendo, s�o modos de despertar e conscientizar as pessoas para as voca��es.
No Brasil, hoje, � poss�vel saber se h� mais jovens do meio rural do que do urbano nos semin�rios? Por qu�?
Creio que seja poss�vel, por meio de uma boa estrutura das diversas casas formativas, com os dados, sempre atualizados, dos jovens em discernimento vocacional nos semin�rios. Tendo um arquivo de informa��es bem alimentado, essas informa��es s�o sempre acess�veis, de modo pr�tico, inclusive. Em n�vel nacional, evidentemente, a propor��o entre pessoas do �mbito rural ou urbano depender�, majoritariamente, da pr�pria localiza��o e perfil de suas respectivas dioceses.
Os jovens vivem imersos no universo digital. As redes sociais favorecem a evangeliza��o?
Com certeza, elas favorecem a evangeliza��o. Por�m, pressup�em um grande discernimento: as redes sociais oferecem muitas informa��es, por�m nem sobre uma boa forma��o, para administrar as informa��es recebidas. Ent�o, diria que as redes sociais auxiliam a evangeliza��o, por�m n�o podem jamais se isolar e se distanciar da comunidade eclesial.
Qual o princ�pio b�sico para a vida religiosa?
O desejo sincero de seguir a Jesus Cristo e renunciar a si mesmo para servir a Ele e aos irm�os, por meio da Santa Igreja.
A chegada do papa Francisco, que completou 10 anos como chefe da Igreja Cat�lica, estimulou a entrada de mais jovens nos semin�rios?
De modo particular, na igreja do Brasil, tivemos a gra�a de receber o santo padre, j� em seu primeiro ano de minist�rio com a Jornada Mundial da Juventude. O entusiasmo do papa, com certeza, tem reverberado at� hoje no cora��o de muitos jovens que se aproximam de nossos encontros vocacionais e dos semin�rios de nossa diocese.
receba nossa newsletter
Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor