
"Mo�o. Os �ltimos j� partiram. Fim de semana (25 e 26 de mar�o) saiu dois �nibus cheio de pe�o para as firmas. Agora n�o t� achando mais ningu�m aqui, nem na ro�a. Foi todo mundo para S�o Gotardo, Jo�o Pinheiro, Goi�s. Mas at� quem sai (� dispensado do trabalho nesses locais) fica por l� mesmo, procura (outra ocupa��o) por l� mesmo, s� volta aqui em meio de ano, em fim de ano (sic)".

A afirma��o por telefone de uma respons�vel por um dep�sito de material de constru��o de Pint�polis, no Norte de Minas, foi em tom debochado. A conversa revela uma mazela que segue mesmo ap�s cerco do poder p�blico e as den�ncias de que o Brasil e Minas Gerais bateram recordes de uma d�cada em resgates de trabalhadores em subemprego. A escassez de m�o de obra que se sujeita a uma dura explora��o a que a mulher se referiu ocorre nessa regi�o por excesso de demanda. E a informa��o se repetiu em contatos feitos no mesmo ramo, nas cidades pr�ximas de S�o Francisco, S�o Rom�o, Luisl�ndia, Urucuia, Arinos e Bras�lia de Minas.
Uma amostra de que mesmo com as den�ncias de liberta��es recordes, relatos de condi��es subumanas e multas pesadas no Brasil e em Minas Gerais – o estado l�der dessa mazela –, o aliciamento obscuro e criminoso do subemprego na luta pela sobreviv�ncia continua aquecido nos bols�es mais pobres. No Brasil, de acordo com dados do Minist�rio do Trabalho e Emprego (MTE), a m�dia de resgates de trabalhadores em situa��o an�loga � escravid�o entre 2013 e 2021 foi de 1.463 pessoas (veja o quadro), sendo que em Minas Gerais, no mesmo per�odo, essa raz�o foi de 554 por ano, o que representa 38% do total nacional, o maior volume entre os estados. Em 2022, com o resgate de 2.575, o Brasil bateu um recorde, superado apenas em 2013, quando ocorreram 2.808 registros, mas superando a m�dia do per�odo em 76%. O mesmo ocorreu em Minas Gerais, com 1.071 pessoas resgatadas no ano passado, contra 1.132 em 2013, mas 93% acima da m�dia desde aquele ano.
O Estado de Minas conversou com pessoas que exploram o subemprego em pequenas cidades do Noroeste e do Norte de Minas, que s�o as maiores regi�es emissoras de trabalhadores explorados como escravos no estado. Eles afirmaram que os trabalhadores poderiam aceitar sal�rios abaixo do mercado, de R$ 1.900 para pedreiros (geralmente chega a R$ 4 mil) e R$ 1.300 para ajudantes (normalmente por volta de R$ 2.200).
Durante as apura��es, ficou claro que os documentos dos trabalhadores seriam recolhidos para anota��es e devolvidos quando terminasse a empreitada, uma forma comum de manter as pessoas produzindo, mesmo insatisfeitas, segundo informam os agentes do MTE e do Minist�rio P�blico do Trabalho (MPT).
As condi��es de alojamento, alimenta��o e higiene propostas n�o davam garantias exigidas pela legisla��o trabalhista, mas eram propositadamente descritas como duvidosas, o que n�o criou qualquer constrangimento para os recrutadores desses trabalhadores. Pelo contr�rio. “� assim mesmo, a gente sabe, eles mesmos sabem, n�o tem nada de novo para eles nisso, n�o”, disse outro encarregado, desta vez procurado em S�o Francisco, no Norte de Minas, o principal emissor de trabalhadores mineiros em condi��es an�logas �s de escravo em Minas Gerais – 166 pessoas desde 2017.
O homem disse que n�o tinha mais turmas e que tinha gente em Caratinga, na Zona da Mata, Arax�, no Alto Parana�ba e at� em Belo Horizonte.
A sujei��o continuada dos trabalhadores a condi��es t�o degradantes tem v�rias causas apontadas na disserta��o de mestrado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora em Inova��o e Direitos Humanos de Glaucy Ribeiro. “O sofrimento causado por essa explora��o pode marcar permanentemente. Mas a liberdade, �s vezes, tamb�m se mostra traumatizante, uma vez que muitos destes escravos se veem libertos, mas sem recursos para construir uma nova vida. Por isso, nessa situa��o de vulnerabilidade, alguns retornam ao estado anterior, voltando a ser escravos”, indica.
Ainda de acordo com o trabalho cient�fico, as pessoas n�o s�o escravizados por serem negras, brancas ou amarelas. “Mas (o s�o) por estarem mais vulner�veis dentro do sistema econ�mico global. Al�m disso, a m�o de obra � farta. N�o existe problema encontrar pessoas que aceitam se submeter �s condi��es impostas pelos empregadores, mesmo sal�rios baix�ssimos. Afinal, pouco � melhor que nada. Como diz o ditado: � melhor pingar do que faltar”.