
No come�o as coisas eram boas, o trabalho nas fazendas de eucaliptos para transforma��o em carv�o na Zona da Mata mineira, que renderia R$ 2.500 por m�s, mais R$ 40 por forno de madeira queimada ao dia. O alojamento tinha cama, banheiro, refeit�rio, caf� da manh�, almo�o e jantar. Mas tudo mudou e o tombador de toras juiz-forano Victor Alan Os�rio, de 33 anos, conheceu a face mais cruel do subemprego em Minas Gerais, quando foi levado para outra fazenda do mesmo grupo, em Coronel Pacheco, na mesma regi�o, ingressando em trabalho degradante an�logo � escravid�o. “Desde o dia 10 de setembro de 2022, a empresa parou de fornecer a marmita. Se quiser comer, precisa fazer e tem de comer fria, porque n�o tem lugar de esquentar e nem onde sentar para comer. Precisa sentar nas toras, na sombra das �rvores ou debaixo do sol quente. Fiquei sem m�scara, trabalhando com um pano no nariz, cuspindo preto (da fuligem aspirada), at� receber a m�scara, mas quando o filtro acaba demora para trocar. No alojamento � cheio de escorpi�es e j� teve trabalhador mordido (ferroado)”.
O relato de Victor Alan ocorreu quando j� n�o recebia mais por produ��o nos dias de chuva, quando o trabalho era interrompido, e ao ficar sem receber o 13º sal�rio integral, situa��o que s� foi remediada quando ele e outros seis companheiros foram resgatados pela equipe do Minist�rio do Trabalho e Emprego (MTE), com refor�o da Pol�cia Rodovi�ria Federal, em fiscaliza��o nas fazendas do grupo ocorrida em 20 de setembro de 2022. O ano foi o que registrou mais resgates de trabalhadores desde 2013, em todo Brasil, sendo que contou com opera��es por todo territ�rio nacional, muitas delas simult�neas. Como a Opera��o Resgate II, no dia 4 de julho de 2022, quando o maior n�mero de trabalhadores foi resgatado, chegando a 337, sendo 146 advindos de tr�fico de pessoas, em uma a��o que contou com o MTE, Minist�rio P�blico do Trabalho (MPT), Minist�rio P�blico Federal (MPF), Defensoria P�blica da Uni�o (DPU), Pol�cia Federal (PF) e PRF.
Em Minas Gerais, a maior opera��o durou 12 dias, de 22 de agosto a 1º de setembro de 2022, e segundo o Minist�rio P�blico do Trabalho, resgatou 207 trabalhadores de condi��es an�logas � escravid�o, em sete munic�pios pr�ximos �s cidades de Arax�, Patos de Minas, Pouso Alegre e Po�os de Caldas.
Na opera��o em que Victor Alan foi resgatado, os fiscais do MTE emitiram sete guias de seguro-desemprego lavradas para os resgatados, assinalaram rescis�es e sal�rios atrasados que somaram R$ 64.277,15, al�m de emitir 16 autos de infra��o por v�rias irregularidades trabalhistas, como manter o empregado em regime an�logo � escravid�o, alojamento sem condi��es de conforto e salubridade, desconsidera��o de a��es de preven��o aos perigos das atividades, falta de condi��es de higiene, insufici�ncia de �gua pot�vel, alimenta��o e descanso insuficientes, falta de equipamentos de prote��o individual, inexist�ncia de instala��es sanit�rias nas frentes de trabalho, locais de refei��o em desacordo com m�nimo exigido, pausas para descanso escassas, inexist�ncia de exames m�dicos.
Sem �gua A idade avan�ada n�o ajuda a conseguir trabalho e a baixa escolaridade tamb�m contribui para reduzir as ofertas de emprego e aproximar trabalhadores de atividades degradantes como as exercidas em regime similar � escravid�o. Resgatados de uma fazenda na regi�o de Goian�, na Zona da Mata, Jos� Luiz dos Santos Cardoso, de 59 anos, e Fernando Raimundo Cruzeiro, de 49 anos, naturais de Juiz de Fora, se enveredaram por esse caminho duro de explora��o at� serem resgatados no fim de 2022, pelos fiscais do MTE.
“Estava desempregado e a empresa (que o explorou) contratando m�o de obra no alojamento. O registro foi no in�cio. Ia para o trabalho a p�, caminhando por tr�s horas. Para isso, tinha de acordar �s 4h. Na fazenda de eucalipto fazia carv�o nos fornos e (apesar do calor intenso) n�o tinha �gua, ent�o levava uma garrafa t�rmica de 5 litros. Tamb�m preparava a pr�pria comida, porque a empresa n�o dava mais. N�o tinha como conservar o alimento sem geladeira, ent�o a comida era fria. N�o existia banheiro, sobrando s� o meio do mato para urinar ou fazer coc�”, contou Jos� Luiz. O seu trabalho, enchendo os fornos e amontoando as toras era por produ��o de metro c�bico de lenha tombada. Ele n�o sabe dizer o valor do ganho por produ��o e afirma que em 2021 recebeu apenas uma parte do 13º.
Al�m da falta de condi��es cortando toras e as tombando at� os fornos de carv�o, sem alimento e �gua fornecidos pela empresa, Fernando Raimundo ainda tinha de levar as pr�prias ferramentas para utilizar na planta��o de eucalipto e na queima, se quisesse produzir e assim receber pelo dia trabalhado. “A empresa n�o fornecia as ferramentas de trabalho, nem machado e nem cavadeira. Desde o in�cio do contrato usava as pr�prias ferramentas e pagava at� a passagem para chegar na cidade”, afirma o trabalhador. Por cinco meses ele suportou o alojamento custeado pela empresa, mas n�o aguentou e em agosto de 2021 alugou uma casa humilde para ter mais conforto. Ele afirmou que recebia R$ 5 por metro c�bico de lenha cortada e R$ 1.800 por m�s, para uma jornada de trabalho que se iniciava �s 5h e terminava �s 14h, de domingo a domingo.
E neste ano exemplos de condi��es an�logas � escravid�o seguem sendo encontradas fartamente em Minas. Em uma das opera��es mais recentes do Minist�rio P�blico do Trabalho (MPT) sete trabalhadores foram resgatados, entre de 28 de fevereiro e 9 de mar�o deste ano, em fazendas de eucalipto para queima de carv�o de Tapira e Sacramento, no Alto Parana�ba, pelo Grupo Especial de Fiscaliza��o M�vel, integrado por MPT, MTE, Defensoria P�blica da Uni�o (DPU) e agentes da Pol�cia Federal (PF). “No barraco onde estavam alojados n�o h� condi��es m�nimas de habita��o: "telhado quebrado, coberto por uma lona, fia��o exposta, sanit�rio sem condi��es m�nimas de higiene, aus�ncia de arm�rios para guarda dos pertences dos trabalhadores, ilumina��o prec�ria", diz o relat�rio de inspe��o.