E agora, Drummond? O que voc� diria? Como traduziria em palavras, sentimentos do mundo, paix�o, espanto a mais nova amea�a a pairar sobre a Serra do Curral? Uma das respostas, com a volta no tempo, pode estar no poema “Triste horizonte”, aquele em que o mineiro de Itabira Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) escreveu, em 1976: “Esta serra n�o tem dono. N�o mais a natureza a governa. Desfaz-se, com o min�rio, uma antiga alian�a, um rito da cidade”.
Ambientalista e presidente da Funda��o France Libert�s, madame Miterrand, que visitou BH, era defensora da Serra do Espinha�o, a cordilheira reconhecida como Reserva da Biosfera pela Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura (Unesco) e da qual faz parte a Serra do Curral.
A Serra do Curral vista da Pra�a da Liberdade, em outros tempos (foto: John Passig/Arquivo EM)
“Danielle Miterrand nos ajudou a montar o dossi� com os estudos que fundamentaram o projeto enviado ao Itamaraty e, na sequ�ncia, � Unesco, sendo aprovado com louvor”, revela o bi�logo S�rgio Augusto Domingues, presidente da Funda��o de Parques Municipais e Zoobot�nica de Belo Horizonte.
Todos esses cap�tulos – e tantos outros de uma hist�ria escrita com sensibilidade, coragem, emo��o – fazem parte da Serra do Curral, denominada nos prim�rdios Serra das Congonhas, tombada como paisagem cultural pelo Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan) e conjunto paisag�stico pelo Conselho Deliberativo do Patrim�nio Cultural do Munic�pio de Belo Horizonte.
“Imposs�vel dissociar a Serra do Curral da capital e dos belo-horizontinos. � a moldura da cidade, est� no bras�o de BH, integrada � nossa vida por tudo o que representa como paisagem natural. De import�ncia t�o grande que, na �poca da constru��o de BH, a comiss�o chefiada pelo engenheiro Aar�o Reis (1853-1936) fez estudos minuciosos sobre os aspectos biof�sicos do maci�o para nortear o projeto”, diz o historiador Yuri Mello Mesquita, doutorando em hist�ria ambiental na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Vista da Serra do Curral na �poca do Curral del-Rey (foto: Arquivo EM)
Nos estudos, os integrantes da Comiss�o Construtora da Nova Capital detalharam informa��es sobre solo, nascentes, qualidade das �guas, dire��o dos ventos, regime de chuvas, temperatura e outros fatores que interferiam no antigo Curral del-Rei, que saiu de cena para dar lugar � capital, inaugurada em 12 de dezembro de 1897.
Constru��o da nova capital mineira
“A ideia de conquista da natureza na constru��o da nova capital de Minas incluiu o singelo arraial anterior a Belo Horizonte. Essa concep��o esteve presente nos textos do arquiteto Alfredo Camarate (1840-1904), membro da comiss�o construtora da nova capital, que registrou suas impress�es em cr�nicas”, conta Yuri Mesquita.
"Em texto de dia 18 de julho de 1894, Camarate descreveu o pequeno arraial como “algo pitoresco, incivilizado, com casas pobres”. Na vis�o dele, o lugarejo com “toda esta mis�ria, que prov�m mais do abandono do que da pobreza, � emoldurado numa vegeta��o opulenta”.
Apesar dessa descri��o, explica o historiador, as cr�nicas narram a beleza da paisagem natural da regi�o, “que merecia ser preservada nos arquivos da municipalidade futura ou nos da Secretaria da Agricultura; n�o em fotografias em tons de cinza, mas sim em pinturas feitas por artista conhecido”.
Caso contr�rio, “estas belezas deixar�o de ficar arquivadas, embora deixando em seu lugar as belezas que prov�m das futuras conquistas da civiliza��o”.
Em resumo, “a paisagem antiga deveria ser preservada em telas art�sticas que fizessem jus a suas cores e formosuras, pois, em seu lugar, outro tipo de beleza se instalaria, a civiliza��o que conquistaria a natureza da regi�o do antigo arraial Belo Horizonte”.
Explora��o de min�rio come�ou a partir de 1960
A Serra do Curral, dona de destaques como o Pico Belo Horizonte, n�o sofreu impactos at� a d�cada de 1960 – isso at� ser criada, em 1961, a Ferro Belo Horizonte S/A (Ferrobel), empresa criada pela lei 898/61 para explorar min�rio de ferro na mina das Mangabeiras.
“A Ferrobel, que deu origem � atual Urbel, com objetivo totalmente diferente, existiu at� 1979, tr�s anos antes da inaugura��o do Parque Municipal das Mangabeiras”, diz o historiador.
Na d�cada de 1970, quando Carlos Drummond de Andrade, residente no Rio de Janeiro (RJ), escreveu, em “Triste horizonte”, que “n�o voltarei para ver o que n�o merece ser visto”, os ventos come�avam a virar em rela��o � necessidade de preserva��o, embora sem a consci�ncia ambiental existente hoje.
Mas os belo-horizontinos sentiam na pr�tica os efeitos da minera��o. Com as detona��es na serra, o solo tremia, apareciam rachaduras nos pr�dios e muitas eram as reclama��es de moradores do Bairro Mangabeiras, na Regi�o Centro-Sul de BH.
Nascente do C�rrego Acaba Mundo, em Belo Horizonte, que tem sua origem na serra (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Realmente, a minera��o afetava o cotidiano das pessoas, o que leva o historiador a refletir sobre as a��es da Tamisa, mesmo sendo no munic�pio vizinho de Nova Lima.
“A minera��o na Serra do Curral sempre provoca traumas na regi�o do entorno, que cresceu muito ao longo das �ltimas d�cadas, com adensamento populacional e surgimento de novos bairros”, observa Yuri Mesquita, certo de que � vital lembrar a frase “Olhe bem as montanhas”, nome de uma exposi��o do artista mineiro Manfredo de Souzanetto denunciando a degrada��o do maci�o.
“A principal avenida da capital, a Afonso Pena, termina aos p�s da Serra do Curral, come�ando no Ribeir�o Arrudas. Nossas �guas v�m l� do alto, ent�o precisamos conservar, e n�o destruir. Do contr�rio, pode ocorrer o mesmo que na Itabira de Carlos Drummond, que ficou sem o Pico do Cau�”, ressalta.
Campanha SOS Serra do Curral
Em 1996, o Estado de Minas fez uma grande campanha para mobilizar a sociedade em torno da preserva��o do maci�o. Com o nome de “Serra do Curral, serra viva”, o jornal publicou uma s�rie de reportagens mostrando a situa��o do "marco geogr�fico mais importante da Regi�o Metropolitana de BH" e alertando para as consequ�ncias da remo��o da cobertura vegetal da serra, da terraplenagem e dos cortes e aterros e do desmonte das rochas, os quais eram vis�veis tanto do lado de Nova Lima como de Belo Horizonte, nas �reas abandonadas pela minera��o.
Lan�amento de livro
Nesta quarta-feira (11/5), �s 19h30, o acad�mico Lu�s Giffoni far� noite de aut�grafos na Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1466) para o novo lan�amento do livro “Serra do Curral” (Cole��o ‘BH: a cidade de cada um’, da Conceito Editorial).
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