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Estado de Minas PRECONCEITO

J� sofreu etarismo? Entenda a nova face de um velho problema

Com cada vez mais alunos acima dos 40 anos, sobretudo no ensino superior, discrimina��o por idade vira desafio para jovens, experientes e para escolas


22/04/2023 04:00 - atualizado 22/04/2023 07:27

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Cleusa Barros, 66 anos. Universit�ria de matem�tica da UFMG. Graduada em educa��o f�sica, deu aulas na �rea por 35 anos antes de resolver voltar a estudar. Hoje, � tamb�m atleta do Icex (foto: Marcos Vieira /EM/D.A Press )



Aos 66 anos, Cleusa Barros est� na segunda gradua��o na Universidade Federal de Minas Gerais. Formada em 1983 em educa��o f�sica, atuou por 35 anos como professora e se aposentou. N�o querendo deixar a mente parada, a atleta paral�mpica resolveu fazer o Exame Nacional do Ensino M�dio (Enem) e voltou para a UFMG em 2018, para cursar matem�tica.

Hoje, faz parte do grupo dos cerca de 600 mil universit�rios acima de 40 anos no Brasil. Uma turma com tend�ncia de crescimento e que, al�m das dificuldades naturais de retomar os estudos em uma fase mais avan�ada da vida, est� sujeita ao preconceito associado � idade, pr�tica que j� tem nome pr�prio: etarismo.
 
“Quis come�ar uma nova gradua��o depois que me aposentei, porque precisava fazer alguma coisa, n�o queria ficar parada. Mas j� vou fazer 67 anos, ent�o estou fazendo (as disciplinas) bem devagar, porque a minha mente j� n�o � mais aquela de quando eu era mais nova, requer mais esfor�o”, explica Cleusa.
 
Em Minas Gerais, ela faz parte de um grupo estimado em cerca de 55 mil pessoas, das quais 8 mil (14,4%) em universidades p�blicas e 47,1 mil (85,4%) em institui��es privadas, de acordo com o Censo da Educa��o Superior de 2021, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An�sio Teixeira (Inep).
 
O aumento do n�mero de pessoas acima de 40 anos nas universidades reflete o incremento da expectativa de vida no pa�s. De acordo com proje��o feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), o Brasil ter� 73 milh�es de idosos at� 2060. Um crescimento de 152% em rela��o 29 milh�es atuais, com uma expectativa de vida m�dia de 77 anos.
 
Para Jaime Almeida, professor universit�rio e diretor da c�lula de Diversidade e Inclus�o na FESA Group, que atua no mercado de recrutamento e sele��o, esse � um fator importante na constru��o de carreira das pr�ximas gera��es: com maior tempo de vida, maiores s�o as chances de mudan�a de profiss�o.
 
No entanto, pessoas acima de 40 anos ainda enfrentam barreiras como alunos no ensino superior diferentes das encaradas pelos jovens – e eles podem at� mesmo ser parte do desafio chamado etarismo. A colunista do Estado de Minas Alessandra Arag�o explica o que o termo significa: “Por defini��o, � a discrimina��o e o preconceito baseados na idade, geralmente das gera��es mais novas em rela��o �s mais velhas; tamb�m conhecido por idadismo ou age�smo”.
 
O termo ganhou mais evid�ncia recentemente, diante de um caso na Unisagrado, institui��o de ensino superior localizada em Bauru (SP), envolvendo a universit�ria Patr�cia Linares, de 45 anos, e tr�s jovens que gravaram um v�deo em que a discriminam devido � idade. Na grava��o, uma das alunas afirma que “40 anos n�o pode mais fazer faculdade”; outra completa, dizendo que “j� era para estar aposentada”.


Mais pessoas 40+ nas universidades

O desafio do etarismo se torna ainda mais importante na medida em que a tend�ncia � de aumento na participa��o de pessoas acima de 40 anos no ensino superior. “Para muitos, mas principalmente para as mulheres, a gradua��o � a realiza��o de um sonho. Um sonho protelado por diversos motivos, como cria��o de filhos, cuidados com a casa ou trabalho por necessidade”, explica a pedagoga e pesquisadora Camila Fernandes.
 
� foi o caso de Katia Torres, de 54 anos, e de Jo�o Ventura, de 44, ambos estudantes de jornalismo que tinham o sonho de se tornar profissionais da �rea desde a inf�ncia, mas tiveram que esperar para colocar o desejo em pr�tica. “Eu falava que, quando crescesse, queria ser jornalista. Mas minha fam�lia era muito pobre e isso dificultou meus estudos. Todos os meus amigos estudaram e passaram na faculdade, e eu acabei ficando para tr�s. Tinha o sonho de passar na federal, o que ainda n�o consegui, por n�o ter tido uma capacita��o melhor, mas com uma vida financeira mais equilibrada, pude come�ar o curso”, conta Katia.
 
“Eu falava, desde crian�a, que queria ser rep�rter sem nem ao menos saber o que era jornalismo, mas, por causa da minha perda de vis�o, que come�ou quando eu era muito novo, tive que parar os estudos aos 16 anos e s� voltei a estudar aos 25 para terminar o ensino m�dio. Essa � a minha primeira vez na UFMG como aluno”, diz Jo�o.

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Para ele, que � cego, usa uma bengala para se locomover e � um dos mais velhos da turma, o distanciamento dos colegas de classe no come�o da gradua��o se deu mais pela defici�ncia visual do que pela idade. “Al�m de ter entrado na universidade com 40 anos, tenho defici�ncia visual e sou um homem negro. No come�o, a galera que entrou comigo era toda muito nova, ent�o n�o teve uma aproxima��o muito natural, at� por conta dos assuntos. Mas a gente percebe, at� hoje, que muitos n�o se aproximam nem tanto pela idade, mas mais por conta da defici�ncia. Muitos tinham medo de n�o poder ajudar”, avalia.
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Sede de vida K�tia Torres, 54 anos. Universit�ria de jornalismo na PUC Minas. Graduada em rela��es p�blicas e com forma��o em gastronomia, voltou � universidade ap�s problemas de sa�de, para realizar um sonho antigo (foto: Leandro Couri/EM/D.A. Press)

Tratamento igual para todas as idades

De acordo com a pedagoga e pesquisadora Camila Fernandes, � essencial que universit�rios de idade mais avan�ada tenham as mesmas oportunidades que os mais jovens dentro das institui��es. “� importante que sejam inseridos e tenham as mesmas oportunidades, mas isso � feito? Os idosos s�o estimulados a participar de atividades acad�micas extras? T�m as mesmas oportunidades de concorrer a bolsas como os mais novos?”, questiona.
 
Cleusa Barros, que cursa matem�tica na UFMG, � uma das estudantes que aproveitam ao m�ximo o que a universidade pode oferecer. Paratleta premiada, ela integra a �rea atl�tica do Instituto de Ci�ncias Exatas (Icex) e j� recebeu v�rios pr�mios pela entidade, al�m de ter participa��o ativa em atividades acad�micas, como o programa “Os Descobridores da Matem�tica”, que se concentra no ensino da disciplina para crian�as. “J� competi muito pela atl�tica do Icex e eu estou sempre no meio da turma jovem. Teve um campeonato sub-20 em que fui competir e ganhei”, conta, entre risadas.

Virada


Katia Torres, que j� � graduada em rela��es p�blicas, tem forma��o em gastronomia e agora cursa jornalismo na PUC Minas, conta que decidiu dar uma virada na carreira depois que sofreu um acidente vascular cerebral. “Tive um AVC em 2018, e com isso repensei minha vida inteira. Decidi que ia fazer tudo o que tenho vontade. Fiquei com sede de vida”, conta. “Tive um chamado interno de atender �quela minha vontade de ser jornalista, queria realizar esse sonho. Estamos vivendo tanta coisa, em um cen�rio pol�tico t�o cheio, que � importante sair do nosso conforto e colocar a m�o na massa”, avalia.
 
A decis�o de mudar de carreira ap�s problemas de sa�de � recorrente. Ailson Santos, de 53, � jornalista e trabalha com consultoria na �rea da sa�de. Ap�s um c�ncer, decidiu que mudaria a vida de um milh�o de pessoas, e que a uni�o das �reas de comunica��o e de aten��o m�dica otimizaria o tempo desta meta.
 
“Tenho 25 anos de profiss�o com uma atua��o muito consistente na �rea da sa�de. Escolhi fazer gest�o hospitalar pensando na rela��o entre as duas carreiras: queria melhorar a jornada do paciente no ambiente hospitalar, o que exige muito da comunica��o. N�o mudei tanto de �rea assim, concorda?”
 
Ambos entraram na faculdade ansiosos e afirmam que a diferen�a de idade com o restante dos estudantes foi um choque a princ�pio, mas que n�o foi motivo de discrimina��o ou de preconceito, servindo at� como incentivador de abordagens. “Nunca tive problemas envolvendo discrimina��o por idade. Muito pelo contr�rio, alguns colegas de classe mais novos iam atr�s de mim para puxar conversa, porque eu j� tinha alguma experi�ncia”, conta Ailson.
 
“Mas confesso que, no primeiro dia (de aula), deu aquele frio na barriga e me perguntei: ‘O que estou fazendo aqui?’. Mas sempre sou bem acolhida. Minha experi�ncia em comunica��o, na �rea de rela��es p�blicas, tamb�m me ajuda muito na faculdade”, explica Katia, que entrou na PUC Minas com o benef�cio da Bolsa S�nior, criada como forma de incentivo � entrada de pessoas acima de 40 anos no ensino superior.

Novos significados para as profiss�es

Um dos principais incentivos para que pessoas acima de 40 anos entrarem para uma faculdade � a recoloca��o no mercado. De acordo com o publicit�rio e consultor de Diversidade da FESA Group Lucas Ribas, de 41 anos, o aumento da expectativa de vida representa uma chance a mais de lan�ar novo olhar e reinterpretar as profiss�es.
 
“Cada vez mais teremos profissionais longevos com carreiras ressignificadas”, afirma. “A busca por novas carreiras vem para que as pessoas n�o sejam profissionais frustrados. Se voc� come�a uma carreira muito jovem, acumula muitas experi�ncias com pouca idade, mas aos 40 fica sem perspectiva”, complementa.
 
Para ele, � importante que as equipes de trabalho sejam diversas para al�m de ra�a e g�nero. “Essas quest�es v�m sendo trabalhadas com maior foco nos �ltimos anos nas organiza��es, que est�o entendendo o poder e o impacto positivo da diversidade e da inclus�o de uma maneira mais ampla, estrutural”, explica Lucas.
 
“Diversidade n�o � caridade. Claro que � preciso dar espa�o social, mas tamb�m � preciso olhar para a produtividade e a sustentabilidade da empresa, que melhoram muito quando se tem uma equipe diversa”, diz Jaime Almeida, diretor da c�lula de Diversidade e Inclus�o na FESA Group.

O que motiva o etarismo?

A pedagoga e pesquisadora Camila Fernandes avalia que um dos motivos para o etarismo � a falta de educa��o sobre envelhecimento. “Sou professora do ensino fundamental nos anos iniciais e fa�o muitos trabalhos com meus alunos nessa perspectiva de educa��o para o envelhecimento, de tentar desconstruir o preconceito neles, fazendo com que vejam pessoas idosas de forma mais carinhosa e emp�tica. Como seres humanos, elas t�m os mesmos direitos que as crian�as”, afirma a pesquisadora.
 
“Eu diria que a entrada no mercado de trabalho de pessoas acima de 40 anos �, em geral, dificultada por um preconceito que j� existe h� d�cadas dentro das pr�prias empresas, talvez com raiz l� atr�s, quando a expectativa de vida era muito menor e a pessoa, quando se aproximava dos 40, 50 anos j� estava pr�xima da aposentadoria. Isso foi se perpetuando de forma que, hoje, a gente tem mantido um preconceito que n�o faz o menor sentido para a sociedade em que vivemos. Hoje, a expectativa de vida j� est� acima de 70 anos”, complementa Jaime Almeida.

Mulheres


A pedagoga Camila Fernandes tamb�m afirma que as mulheres sofrem mais com a discrimina��o pela idade no ensino superior. De acordo com ela, a universidade foi criada para homens jovens, conceito enraizado que cria dificuldades ainda maiores para universit�rias de mais idade.

“Quando chega uma mulher mais velha, ela causa estranhamento. Mas a gente esquece que, al�m de preparar para o mercado, a universidade tem seu aspecto social. Com certeza, essas mulheres sofrem muito quando s�o questionadas: ‘O que voc� est� fazendo aqui?’; ‘Roubou a vaga de um jovem?’. Como se n�o tivessem igualmente feito um exame e sido aprovadas em uma universidade. Elas t�m o direito de realizar seus sonhos, de encontrar uma nova profiss�o, ou de apenas buscar novos conhecimentos”, explica.
 
Para Thalita Matta, de 41 anos, o caso da Unisagrado foi, al�m de etarista, uma representa��o de misoginia que precisa provocar reflex�o. Jornalista, ela fez p�s-gradua��o em diversidade e inclus�o e hoje trabalha com consultoria na �rea, no Mais Diversidade.
 
“A situa��o me surpreendeu, porque remete a um preconceito com vi�s de g�nero, que considera o fim da vida da mulher junto com a idade reprodutiva. Ou seja, a mulher depois dos 40 n�o pode ter filho e, portanto, n�o serve para nada? Isso � muito antigo.”


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