
“Eu tive uma crise de p�nico que foi seguida de outras v�rias. Perdi 30kg. N�o atentei contra minha vida porque a minha m�e chegou na hora.”, “Aproveita que voc� t� passando mal e v� se pega um atestado longo, pra eu poder contratar algu�m pro seu lugar.”, “A presen�a daquele aluno na sala de aula me assustava.”, “� muito dif�cil algu�m (da dire��o) reconhecer que a gente se afasta porque estamos doentes.”, “Isso mata a gente aos poucos.”
Estes s�o relatos de professores da rede p�blica de ensino de Belo Horizonte e Minas Gerais. Profissionais obrigados a conviver com medo, agress�es, amea�as e persegui��es em um ambiente cada vez mais insalubre: as salas de aula. Todos esses problemas levam ao adoecimento dos docentes e, em consequ�ncia, ao afastamento deles do trabalho. A falta de apoio das institui��es de ensino e a insinua��o de que os afastamentos s�o motivados por pregui�a deixam os professores ainda mais desamparados.
Na rede municipal, de acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), em 2022, com o retorno integral ao regime de trabalho presencial, em m�dia 605 professores foram afastados por m�s, um �ndice de 4% do total. J� em janeiro e fevereiro deste ano, a m�dia foi de 315 profissionais afastados por m�s, o que corresponde a 2%.
Afastamento
Ainda segundo a PBH, as doen�as com maior incid�ncia s�o as do aparelho respirat�rio, suspeita ou confirma��o de COVID-19, al�m de transtornos mentais e comportamentais. A Organiza��o Internacional do Trabalho (OIT) determina que o �ndice m�dio de afastamento aceit�vel internacionalmente varia entre 1,5% at� 4%.
Leia tamb�m: Homem morre em batida entre carros e caminh�o na Grande BH
O governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Planejamento e Gest�o (Seplag), informou que o principal motivo para aus�ncia de professores s�o afastamentos legais, podendo ser por sa�de, aposentadoria, entre outros previstos em legisla��o. Por�m, a Classifica��o Internacional de Doen�as (CID) dos afastamentos, por licen�a-sa�de, � sigiloso. “Por isso, esses dados espec�ficos n�o s�o registrados no Sistema de Administra��o Pessoal, n�o havendo, portanto, como estratificar com os n�meros solicitados”, explicou a Seplag, em nota.

Motivos
A especialista em educa��o, Priscila Boy, explica que as doen�as respirat�rias podem estar associadas �s condi��es f�sicas das escolas. “Tem muito professor que usa giz, isso sempre foi um problema, o pozinho do giz. Temos escolas com mofo, mal cuidadas e sucateadas. Todo esse ambiente contribui para as doen�as respirat�rias. Isso � fato.”
Ela lembra ainda que os professores ficam longos per�odos dentro da sala de aula, em ambientes sem ventila��o ou com ventilador e ar-condicionado sem limpeza regular, circulando com poeira.
Em rela��o aos transtornos mentais e comportamentais, Priscila destaca que os docentes vivem momentos de muito estresse. “Dar aula n�o � uma coisa f�cil, simples. S�o muitos alunos. Eles s�o muito cobrados pela administra��o por resultado e pela comunidade externa. Agora estamos vivendo momentos de tens�o em rela��o � viol�ncia. � um ambiente bem estressor de v�rios lados. O professor sofre ataque de todos os lados: o aluno cobra, a gest�o cobra e a comunidade externa tamb�m.”

Pandemia
A especialista aponta ainda os desafios enfrentados pelos professores durante a pandemia da COVID-19. Segundo ela, eles tamb�m foram motivo de “um estresse enorme” e destaca dois fatores principais: a ansiedade de n�o dominar tecnologias e ter que domin�-las a qualquer custo e a falta de intera��o com os alunos.
“O professor foi pego totalmente de surpresa. Alguns n�o sabiam manejar bem a tecnologia. Professor tendo que fazer slides, dominar ferramentas e plataformas para aulas remotas, que n�o s�o a mesma coisa que a aula presencial. Existe ainda a falta de intera��o humana. Alunos com c�meras fechadas, o professor dando aula para ningu�m. Muitas vezes, os alunos n�o participavam, n�o estavam ali presentes, estavam fazendo outras coisas. Sempre com as c�meras fechadas. Isso fez muito mal para a sa�de emocional do professor.”
Priscila ressalta que tudo isso foi agravado pelo medo da morte por COVID. “Muitas pessoas perderam a vida. E esse medo tamb�m rondou os professores, principalmente quando eles pensavam na volta (ao modelo presencial)”, pontua.
Os problemas enfrentados durante a pandemia ainda estavam sendo resolvidos, quando os docentes tiveram que lidar com mais um agravante: o medo decorrente das amea�as de massacre.
“Agora, na escola, eles se sentem, a todo momento, amea�ados. As not�cias que a gente v� sempre mostram alunos que se revoltam contra os professores. �s vezes, o ambiente ali n�o est� bom, (o aluno) sofreu bullying e debita na conta do professor a n�o interven��o, n�o ter visto ou n�o t�-lo defendido (dessa situa��o).”
Para a especialista, isso mexe com o emocional do profissional. “Ele fica de sobreaviso, alerta, totalmente vulner�vel diante das amea�as invis�veis que ele sabe que s�o contra ele.”
A reportagem pediu �s for�as de seguran�a do estado um balan�o de quantas amea�as, com apreens�o de adolescentes, foram registradas de janeiro a abril deste ano. Em nota, o governo de Minas informou que “n�o s�o divulgados n�meros atrelados a poss�veis casos de amea�as de massacres em escolas estaduais para preservar as investiga��es policiais e a consequente identifica��o e puni��o de eventuais autores, visando sempre a prote��o priorit�ria da comunidade escolar e da popula��o em geral”.
Um mapeamento, feito pelo jornal Estado de Minas na primeira quinzena de abril, mostra que desde o ataque a uma creche em Blumenau, Santa Catarina, no dia 5, pelo menos 20 adolescentes foram apreendidos em Minas Gerais por suposto envolvimento em amea�as de massacre ou por estarem portando armas em escolas do estado.
Na semana passada, apesar de ao menos 12 jovens terem sido alvos de opera��es da Pol�cia Civil, por suspeita de envolvimento em amea�as de viol�ncia contra institui��es de ensino, houve queda no n�mero de apreens�es. At� 19 de abril, dois adolescentes foram apreendidos: um em Juiz de Fora, na Zona da Mata; e outro em Lagoa da Prata, Regi�o Centro-Oeste do estado.

Desabafo
Gleidiane Freitas, de 42 anos, � professora h� 10. Trabalha em duas escolas da rede estadual em Ribeir�o das Neves, na Grande BH
“Tive um travamento das costas para a perna. Ficava sentindo dores, formigamento com uma recorr�ncia que eu acho que era por causa da carga hor�ria puxada, por eu ficar muito tempo em p�.
Eu j� tive um problema anterior de h�rnia, em 2014, operei, fiz fisioterapia e ficou tudo tranquilo. No final de fevereiro e come�o de mar�o deste ano as dores voltaram. Vi que tinha alguma coisa errada. Fui ao m�dico, justamente, para n�o chegar a 'travar'.
Procurei o atendimento de urg�ncia, tomei rem�dio e depois voltei novamente. Foram tr�s ou quatro atestados de uns tr�s, quatro dias. Esses atestados foram "picados" porque eu sentia dor, tomava medica��o na esperan�a de melhorar. N�o melhorava e eu tinha que voltar novamente.
Esses dias pegaram muitas segundas-feiras, que eram dias em que eu tinha aula na turma e a diretora veio questionar. Nessa escola, eu dou aula de pr�ticas experimentais, referente a qu�mica, f�sica, biologia e matem�tica. Eu teria que descer com os alunos para o laborat�rio. Por causa dos atestados, seria meu segundo encontro com eles e n�o deu tempo de descer.
Ela veio questionar, na frente dos alunos, por que eu n�o desci. Disse que eu levava os atestados todos “picados” e n�o conseguia contratar professor para colocar no meu lugar. Disse que eu estava atrapalhando o desempenho dos alunos. "Aproveita que voc� t� passando mal e v� se pega um atestado longo, pra eu poder contratar algu�m pro seu lugar". Isso tudo na frente da turma, dentro da sala de aula. Nesse momento, eu fiquei muito transtornada, j� n�o estava me sentindo bem. Mas n�o estava sentindo a dor que eu estou sentindo at� hoje.
Sa� chorando da sala e desse dia para c�, estou em cima da cama at� hoje. Isso aconteceu dia 17 de abril. Eu “travei” totalmente, perna e coluna. J� tomei todas as medica��es poss�veis para dor, n�o tem mais o que tomar. Fui ao meu neurocirurgi�o, ele me passou um rem�dio de tratamento. T� tomando uns rem�dios que s�o tipo morfina e a dor n�o passa.
Conversei com a psic�loga, contei para ela o que aconteceu. Estamos esperando a resson�ncia. Mas como eu n�o tive nenhum trauma f�sico, n�o escorreguei, nem ca�, para eu ter "travado" dessa forma, s� pode ter sido pelo meu transtorno psicol�gico. Nunca fiquei t�o mal assim, nunca passei por isso. N�o sou uma professora que enrola. N�o recebi nenhum suporte da escola. Nada. Mandei para a diretora o atestado, ela s� me mandou um ok. N�o perguntou como eu estava. Nunca vivi, nesses 10 anos, o que eu estou vivendo nessa escola. Isso abala muito o nosso psicol�gico.
Sobre o clima de medo pelas amea�as de massacre nas escolas. "Voc� n�o pode brincar com vidas, pagar para ver. � uma quest�o muito s�ria. A gente fica muito desprotegido. A gente estava vivendo assim: escutava qualquer gritaria e todo mundo ficava muito apreensivo.”