

Dados divulgados no Censo Demogr�fico na semana passada revelaram que Belo Horizonte tem mais de 108 mil domic�lios permanentemente n�o ocupados. O n�mero equivale a 20 vezes a popula��o em situa��o de rua na capital mineira, estimada em cerca de 5,3 mil pessoas pela prefeitura da cidade. A discrep�ncia cai, mas segue significativa, quando se leva em conta os dados considerados pelo programa Polos de Cidadania da UFMG, que apontam para cerca de 11,3 mil pessoas nas ruas de BH. Por essa contagem, o total de im�veis n�o ocupados equivale a 9,6 vezes o n�mero de pessoas sem-teto em BH.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) considera como domic�lio permanentemente vago os im�veis que n�o tinham moradores na data de refer�ncia do Censo. Em compara��o com o n�mero total, as resid�ncias vagas representam 10,62% em Belo Horizonte. Para o cientista social e membro da associa��o Arquitetas Sem Fronteiras Brasil, Eduardo Oliveira, � preciso ponderar sobre as caracter�sticas dos im�veis vazios, mas a discrep�ncia entre os dados relativos aos domic�lios e a popula��o em situa��o de rua chama a aten��o ainda assim.
“A gente tem que ter aten��o ao que � caracterizado como im�vel vazio. Tem im�vel de uso tempor�rio; abandonado; para loca��o e, durante o Censo n�o est� ocupado. Tem uma s�rie de situa��es que v�o ser caracterizadas como im�vel vazio. Nesse contexto, correlacionar a situa��o em popula��o de rua com o n�mero de im�veis vazios permite construir v�rias pondera��es a n�vel moral: como pode ter tanta casa sem ningu�m e tanta gente precisando de casa? Quando a gente olha para essa quest�o, se sabe, por exemplo, que se est� lidando com o que a gente chama de especula��o imobili�ria. Voc� tem dentro das cidades um processo de reserva de im�veis que � mantida imobilizada para que eles valorizem, para que adquiram mais valor para seus propriet�rios”, comenta.
Para o coordenador do Observat�rio Brasileiro de Pol�ticas P�blicas com a Popula��o em Situa��o de Rua/Polos-UFMG, Andr� Luiz Freitas Dias, a discrep�ncia entre a quantidade de im�veis vazios e de pessoas nas ruas mostra a car�ncia de uma pol�tica de habita��o eficiente na cidade. “Termos 11 mil pessoas em situa��o de rua em BH para mais de 100 mil espa�os ociosos � uma vergonha. A Prefeitura de Belo Horizonte n�o tem uma pol�tica p�blica estruturante de moradia para trabalhar efetivamente e garantir os direitos dessas pessoas vulnerabilizadas. Mesmo se a gente considerar essa conta que engloba as pessoas em situa��o de moradia prec�ria, mesmo assim as mais de 100 mil moradias ociosas seriam suficientes”, comentou.
Quem conhece na pele a situa��o n�o se impressiona com a discrep�ncia entre o n�mero de im�veis vazios e pessoas em situa��o de rua. Para o coordenador das a��es do Movimento Nacional de Popula��o de Rua em BH, Samuel Rodrigues, este � um dos obst�culos a ser ultrapassado para a garantia do direito � moradia. “Pela viv�ncia com as pessoas em situa��o de rua e sem-teto, a gente percebe que, faz muito tempo, h� mais casas dispon�veis do que gente sem casa. A gente precisa pensar a moradia como direito e n�o como posse, o problema � que quando a gente pensa em ocupar espa�os ociosos � muito complexo. Essa � uma das alternativas, que deve caminhar junto com a constru��o de moradias populares, com programas como o Minha Casa, Minha Vida”, disse � reportagem.
DISTIN��O ENTRE DADOS Entre o n�mero de 5.344 pessoas em situa��o de rua divulgado pela PBH e os 11.295 levados em considera��o pelo Polos de Cidadania h� uma diferen�a de mais de 100%. O coordenador do Observat�rio Brasileiro de Pol�ticas P�blicas com a Popula��o em Situa��o de Rua/Polos-UFMG, Andr� Luiz Freitas explica essa varia��o e por que avalia que o dado maior � mais confi�vel para se tratar o tema.
“Esses s�o dados fornecidos pela pr�pria prefeitura com base nas informa��es passadas ao Minist�rio de Desenvolvimento Social para a obten��o de recursos do governo federal. A pr�pria prefeitura, no entanto, contrata uma pesquisa que traz o n�mero de um pouco mais de 5.300 pessoas. A quest�o � que, quando normalmente � confrontada nesse sentido, ela responde que o n�mero usado corresponde aos dados da pesquisa nos �ltimos 12 meses. Mas, em se tratando da popula��o de rua, n�o � poss�vel fazer um levantamento que trabalhe s� com 12 meses, porque � uma popula��o que flutua bastante, que transita demais pelo territ�rio da mesma cidade e de outras cidades como da Regi�o Metropolitana. Esse dado de 11 mil � mais seguro”, avalia.
Freitas ressalta que o n�mero de pessoas em situa��o de vulnerabilidade no quesito de moradia � ainda maior quando se vai al�m dos que est�o em situa��o de rua e se engloba as pessoas que vivem em moradias prec�rias. De acordo com o Decreto 7.053, de 2019, a popula��o de rua no Brasil � compreendida como um grupo heterog�neo caracterizada pela extrema pobreza; a interrup��o e fragiliza��o de v�nculos comunit�rios e familiares; e a precariza��o das moradias. S� que nessa conta n�o fica muito claro como s�o determinadas as diferen�as entre a situa��o de rua. Se a gente fosse levar em considera��o a quantidade de moradias prec�rias e ocupa��es urbanas que temos nas nossas cidades, esse n�mero iria para a estratosfera”, pondera.
MORADIA COMO PRIORIDADE “Logo ap�s a realiza��o das olimp�adas em Los Angeles, em 1984, a cidade veio � fal�ncia e qualquer proximidade com o Rio de Janeiro n�o � mera coincid�ncia. Nos anos subsequentes, at� o final da d�cada, o contingente de pessoas em situa��o de rua era enorme e a� partiu da sociedade civil um movimento que depois se popularizou, que foi o Housing First, que aqui foi traduzido como ‘Moradia Primeiro’. Essa iniciativa prop�e de maneira muito simples que, para que voc� de fato garanta a dignidade e os direitos previstos na Constitui��o, a primeira coisa a se fazer � garantir a moradia e torn�-la um eixo condutor das outras pol�ticas que tamb�m dever�o estar presentes atuando intersetorialmente. A moradia associada � sa�de, inclusive � sa�de mental; � assist�ncia social; � educa��o; �s pol�ticas de trabalho e renda, mas, fundamentalmente, a moradia”, comenta o professor Andr� Luiz Freitas citando um movimento surgido nos Estados Unidos.
Para o professor da UFMG, a l�gica da moradia primeiro se associa � import�ncia de pensar em pol�ticas p�blicas que incluam a utiliza��o de im�veis vazios. A localiza��o � ponto que pesa a favor de domic�lios j� existentes, uma vez que se situam em �reas que j� contam com redes que permitem a aten��o multidisciplinar de acesso � sa�de, educa��o e oportunidades de trabalho.
“Acho que as pol�ticas habitacionais passam por ocupar esses im�veis, dar melhores condi��es. Frequentemente a gente ouve sobre projetos de constru��o de moradia popular nas periferias, mas a gente tem muitos im�veis ociosos na �rea central. Todas as pol�ticas p�blicas que temos no Brasil s�o territorializadas. No SUS, voc� pode ser atendido em qualquer lugar do pa�s, mas para um acompanhamento longitudinal, o SUS se organiza de forma territorializada, para moradia tamb�m funciona desta maneira”, analisa.
PROGRAMAS MUNICIPAIS A Prefeitura de Belo Horizonte afirma que n�o tem um levantamento sobre a quantidade de im�veis vazios na cidade, mas, segundo dados da Secretaria Municipal de Pol�tica Urbana, a maior parte deles est� concentrada na Regi�o Central. � justamente no Centro da capital que est�o focadas as pol�ticas habitacionais da administra��o municipal.
Em entrevista ao Estado de Minas, o diretor-presidente da Companhia Urbanizadora e de Habita��o de Belo Horizonte (Urbel), Claudius Vinicius Pereira, destacou que os esfor�os da PBH est�o concentrados no investimento em moradias populares no Centro e fazem parte das pol�ticas de revitaliza��o da regi�o.
“O que a gente est� fazendo � criar alguns instrumentos na pol�tica municipal de habita��o e organiza��o e zoneamento das cidades no sentido de auxiliar e incentivar as moradias populares no centro. N�s temos um programa de aquisi��o de im�veis em que os propriet�rios podem oferecer im�veis para n�s no Centro da cidade e vamos adquirir im�veis usados. Se a pessoa tem im�vel, especialmente com perfil de habita��o popular, vai poder vender para a prefeitura. Estamos agora regulamentando os tetos de compra para esse programa”, explicou.
O diretor-presidente da Urbel tamb�m destacou que a cidade investe no retrofit como instrumento para moderniza��o de pr�dios antigos e abandonados na �rea central e destina��o do espa�o a moradias populares. Pereira ainda disse que a PBH se inscreveu na Caixa Econ�mica Federal como proponente a 2 mil unidades do programa Minha Casa, Minha Vida.
Em mar�o, a prefeitura lan�ou o programa “Centro de Todo Mundo” visando � revitaliza��o da regi�o e anunciou medidas espec�ficas para habita��o, como a desapropria��o dos im�veis do Edif�cio Novo Sul Am�rica, popularmente conhecido como Edif�cio Sulacap, na Avenida Afonso Pena.
Sobre pol�ticas espec�ficas para a popula��o em situa��o de rua, Pereira citou o programa “Estamos Juntos”, parceria entre as Secretarias Municipais de Desenvolvimento Econ�mico e de Assist�ncia Social, Seguran�a Alimentar e Cidadania para a reintegra��o social. De acordo com a PBH, foram investidos cerca de R$ 3 milh�es no programa neste ano e est�o previstos mais de 800 atendimentos e reinser��es profissionais.
“Essas pessoas precisam ser inclu�das na cidade. Eu n�o posso simplesmente pegar uma pessoa que est� na rua e colocar num apartamento, porque existem essas despesas de �gua, de luz, de condom�nio. Com o Estamos Juntos, vamos treinar, colocar a pessoa num programa de capacita��o profissional, ela arruma um emprego, mantendo o bolsa moradia a�, futuramente, ela pode ser contemplada com uma unidade habitacional”, disse.
Conting�ncia contra o frio
A primeira semana de julho chegou quebrando recordes de frio. Nos dois primeiros dias �teis do m�s, Belo Horizonte registrou as menores temperaturas do ano. E, com a previs�o da continuidade de queda nas temperaturas, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) acionou plano de conting�ncia para atender � popula��o em situa��o de rua, que fica mais vulner�vel na �poca de frio. Pelo plano, a entrega de cobertores tamb�m � intensificada e a alimenta��o nos restaurantes populares � adaptada para a esta��o. Na segunda-feira, equipes da Secretaria Municipal de Assist�ncia Social sa�ram �s ruas para a entrega de mais unidades de cobertores. De acordo com a PBH, a a��o foi iniciada em maio e, desde ent�o, cerca de 2 mil cobertores j� foram entregues a partir de uma busca ativa realizada pelas equipes nas ruas ou demandas dos usu�rios. As equipes do Servi�o Especializado de Abordagem Social est�o presentes nas nove regionais da cidade, todos os dias das 8h �s 22h, orientando as pessoas em situa��o de rua a ir para as unidades de acolhimento socioassistencial. Al�m da intensifica��o da distribui��o de cobertores, o card�pio servido nos Restaurantes Populares e nas unidades de acolhimento est� sendo pensado para se adequar ao inverno. Preparos quentes como caldos, sopas e mingaus est�o sendo oferecidos, j� que ajudam a manter o corpo mais quente.
