
Marco Ant�nio Amato, mais conhecido como Marquito, � o idealizador e organizador do evento medieval de Ouro Preto. Carioca, ele conta que era assessor de imprensa no Rio de Janeiro, quando “chutou o balde” e veio para Minas Gerais, que diz amar. S�o 15 anos morando em Santa Rita. No seu ateli�, ele treina pessoas para forjaria. Segundo ele, esta � uma arte que vem se perdendo.
“Da� que nasceu o Prosa Cortante, uma forma de troca de informa��o entre os ferreiros e cuteleiros”.
Segundo ele, a ideia da feira medieval surgiu ap�s uma viagem a Toledo, na Espanha, principal polo de forjaria no mundo. No local, percebeu que era poss�vel fazer igual em Minas Gerais. Neste fim de semana, aconteceu a quinta edi��o do evento.
“O Prosa Cortante come�ou no meu ateli�, l� no Centro. Primeiro ano umas 15 pessoas, depois umas 50. O segundo encontro foi quando teve o acidente de Mariana. Depois foi crescendo. Nessa, a gente foi para Toledo, na Espanha, vimos uma feira medieval e pensamos ‘vamos botar essa est�tica l�, que � tudo ao mesmo tempo que voc� v� aqui agora’. Essa � a ideia, s� artes�os. E a� que nasceu o Medieval Ouro Preto.”
A forjaria remonta at� a era pr�-medieval. Desde os fen�cios, romanos. � uma curti��o para quem gosta da est�tica medieval, come�a no s�culo V, com a queda do Imp�rio Romano do Ocidente, em 476, e termina no s�culo XV, com a tomada de Constantinopla pelo Imp�rio Otomano, em 1453.
“A gente se comunica no Brasil inteiro, porque forjarias mesmo, s�o poucas. Ent�o a gente vai trocando figurinhas, trocando informa��es. A gente n�o ret�m o conhecimento. Assim algumas pessoas foram pedindo para participar da feira, o que � um prazer. Temos forjadores que vieram de S�o Paulo, Curitiba, de todo canto. Tem at� um tatuador de Pernambuco. N�o � ferreiro, mas se encantou com a quest�o do artes�o, de fazer manualmente”.

Marquito destacou ainda o potencial tur�stico da festa, que “vende” Santa Rita de Ouro Preto para o Brasil. Segundo ele, em 2022, cinco mil pessoas estiveram na feira. Para 2023, a estimativa era de um p�blico 30% maior.
“A ideia � trazer o turista para conhecer aqui e Ouro Preto, que tem um charme todo especial. Aproximando o pessoal daqui por conta de uma festa l�dica, acaba que o pessoal conhece Ouro Preto, passeia e vai vendo as atra��es que tem”.
O que chama a aten��o � que mesmo com o grande sucesso da feira, somente tr�s pessoas tomam frente na organiza��o: Marquito, sua esposa e seu s�cio, Domingos.
“A gente tem algumas dificuldades, mas o pessoal gosta e a gente consegue juntar todo mundo, que � apaixonado pelo neg�cio”.
Combate medieval
O evento contou com combates amistosos de luta medieval. O combate consiste em tipos de batalha. O famoso 1x1, onde dois duelistas se enfrentam, sem nenhuma interfer�ncia. Ou tamb�m, lutas de grupos em 16x16, 21x21 ou tamb�m pequenos ex�rcitos se enfrentando. A maior batalha j� vista nessa modalidade de esporte, no Brasil, foi de 150x150.
A meta do Combate Medieval depende do modo de batalha. No duelo, a meta � a pontua��o, sendo que apenas “golpes limpos” s�o contabilizados. Portanto, apenas encostar a arma no rival n�o conta, tem que ser um golpe que realmente atinja o advers�rio. J� no duelo, o objetivo � simplesmente derrubar os rivais.
Em Outro Preto, Cec�lio Moreira da Cunha Filho, de Barbacena, se encantou pela hist�ria, pelos filmes medievais e cavaleiros. Com isso, come�ou a fazer armadura de cota de malha em 2011 por divers�o. Nisso, conheceu o HMB, ou combate medieval hist�rico, que chegou ao Brasil em 2017, e se apaixonou.

Cec�lio conta que come�ou fazendo sua pr�pria armadura, por n�o ter condi��es de comprar uma, e quando se deu conta estava fazendo as vestes para o Brasil inteiro.
“Eu larguei meu emprego e vivo disso at� hoje. Eu fa�o armaduras medievais para o esporte e sou um dos atletas mais veteranos no pa�s”, falou.
De acordo com Cec�lio, sua armadura pesa aproximadamente 25 quilos e � inspirada num modelo utilizado na Alemanha, em 1368. Ele explicou, ainda, que existem v�rias categorias dentro do esporte — duelos, MMA, combate em grupo — e que as armas utilizadas s�o reais.
“O combate medieval hist�rico consiste em vestir uma armadura medieval real, n�o s�o armaduras inventadas, n�o s�o feitas da nossa cabe�a, n�o s�o fantasia. Tem uma prova arqueol�gica mostrando que era feito desse jeito, com esses mesmos materiais. � a�o, tecido, couro, tudo real, tem regras de seguran�a, existe uma federa��o brasileira desse esporte, da qual eu sou filiado, e hoje somos mais de 80 atletas no Brasil”.
Cec�lio j� viajou para mais de 15 cidades para lutar e dar palestras em escolas e faculdades. Na feira medieval de Santa Rita de Ouro Preto, as lutas que estavam acontecendo eram amistosas, mas ele ressaltou que em campeonatos os combates s�o s�rios e os nocautes n�o s�o incomuns.
“Cada modalidade tem uma contagem de pontos diferentes. S�o quatro ju�zes e cada round tem, aproximadamente, 1:30 minuto. Contam os pontos e quem fizer mais pontos ganha”.

Tatuagem Handpoke
A feira medieval de Ouro Preto tamb�m contou com um tatuador vindo de S�o Paulo que tatua h� cinco anos, sendo dois deles com a t�cnica n�rdica chamada Handpoke. Trata-se de um tipo de tatuagem usada no Egito e na Escandin�via que n�o utiliza m�quina e � feita � m�o. Breno Monteiro Pereira, conhecido como Hafr, pega o lado dos vikings e cria uma arte tradicional da �poca, inspirado em achados arqueol�gicos, principalmente nas inscri��es r�nicas. Tudo pautado na hist�ria, com bastante estudo da cultura para fazer a arte da forma mais tradicional poss�vel.
Hafr conta que a tatuagem handpoke pode demorar de 20 a 30 minutos em caso de um desenho pequeno e de 40 minutos a uma hora uma arte grande. E o tatuador n�o faz decalque, a tattoo � feita diretamente � m�o. A t�cnica nasceu milhares de anos antes de Cristo. Existem alguns achados arqueol�gicos disso, mas o mais famoso � a m�mia �tzi, que foi encontrada h� 3.500 anos com mais de 55 marcas de tatuagem handpoke pelo corpo.
“Eu seguro a agulha direto com a m�o e fa�o ponto por ponto � m�o na pele. O bom dessa t�cnica � que ela � muito menos agressiva para a pele, ent�o d�i menos. Demora um pouco mais, porque � um trabalho mais devagar, mas fica um trabalho que dura tanto quanto uma tatuagem atual. A m�quina de tatuagem vai furar cerca de 60 ou 70 vezes por segundo, a minha m�o vai ser tr�s ou quatro, por isso d�i menos. E, como eu estou com a m�o, eu tenho a sensibilidade da espessura da pele e da regi�o que eu vou tatuar para saber se eu peso mais ou menos a m�o.”

Casamento Medieval
Na edi��o do ano passado, houve at� um casamento no Ouro Preto Medieval. O ouro-pretano R�mulo de Paula, m�sico e cervejeiro, apaixonado pela cultura n�rdica, se casou no evento em 2022.
R�mulo conta que aconteceu uma pequena festa em uma taverna com os expositores e, por coincid�ncia, ele e sua esposa se encontraram com um artes�o que possui conhecimento dos ritos n�rdicos e, de forma espont�nea, foi comprar uma alian�a e acabou se casando no evento.
“Fomos comprar algumas coisas com ele, nos interessamos pelas alian�as e eu brinquei com ele ‘voc� vai me casar’, ele respondeu que tinha tudo para fazer um casamento. N�s registramos o casamento em v�deo. Ficou meio marcado, todo mundo comenta ‘teve at� casamento aqui’. E hoje ter� renova��o de votos. O casamento n�rico � algo muito pautado no trabalho manual, ent�o envolve muito a ideia de unir-se com a pessoa para construir algo.”
Cervejeiro, R�mulo tamb�m vende sua cerveja Conde de Bobadela no Ouro Preto Medieval. Para o evento, ele cria uma garrafa espec�fica com r�tulo do evento com uma arte diferente todos os anos.
“� uma cerveja que � feita 50 litros por ano somente. Ela demora seis meses para ficar pronta, curtida em carvalho franc�s. Ent�o, � uma cerveja bem especial e bem boa para o frio, porque ela tem 11% de �lcool, bem quente, para tomar devagar”, contou R�mulo.
Formado em viol�o pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), R�mulo tem uma banda chamada O Canto de Yotun, que possui um repert�rio que varia entre per�odos hist�ricos e de fantasia de jogos, s�ries e filmes. Os instrumentos s�o: violoncelo, violino, viol�o de 12 e 6 cordas, bandolim, Jouhikko (instrumento scandinavo), flauta irlandesa, vozes e percuss�o. “O nosso primeiro show foi no evento, no ano passado, e foi incr�vel”, falou.
Cutelaria
V�rias barracas da feira viking contava com facas e espadas. Uma fam�lia de Juiz de Fora participa de todas as edi��es do evento em Ouro Preto. O pai, Oswaldo Sixel, exp�s algumas armas de guerra da �poca viking, do s�culo VIII ao XI. O trabalho � fruto de uma pesquisa. Em 2020, ele foi convidado para expor seu trabalho em um livro, que foi publicado em 2021. A partir do estudo, criou uma Sax tipo 3, de a�o mola e o cabo em chifre de cervo que comprou de fazendas de ca�a da Argentina.
O mais interessante nisso tudo � que seu filho, Diego Sixel, de apenas nove anos, j� � apaixonado pela cutelaria e ajuda o seu pai na oficina.
“Ele est� me acompanhando e faz faca tamb�m. No ano passado, ele me ajudou a fazer uma, acompanhando o processo. J� mexe na lixadeira e tem a faca dele tamb�m. Ele chegou na oficina um dia, perguntou se tinha papel e caneta, dei um l�pis para ele e desenhou modelos de faca. Eu peguei um peda�o pequeno de a�o que j� estava pronto, fiz o contorno do a�o e falei para ele fazer os modelos dentro. Ele fez tr�s, escolhemos qual ele gostou mais e fizemos juntos”, contou Oswaldo.
Diego disse que mexe em lixadeira, furadeira, parafusadeira, martelo e forja na oficina. “� um pouco dif�cil de fazer, mas quando se entende fica f�cil. Quando voc� forja o a�o e bate nele, o a�o fica quente e mole, a� voc� pode bater nele com o martelo e ir moldando”.

Hidromel
A primeira bebida do mundo tamb�m estava presente na festa medieval em Ouro Preto. Nascido em C�rdoba, na Argentina, e morador de Santo Ant�nio do Leite h� 16 anos, Leandro Leonel Constantino � apicultor, mestre cervejeiro e artes�o. Ele produz pr�polis e gosta de ser autossustent�vel. Al�m disso, exp�s o famoso hidromel.
O hidromel � feito basicamente de �gua, mel e fermento. S�o 18 dias de fermenta��o durante seis meses ou um ano. A bebida possui um teor alco�lico que varia entre 7% e 15%, mas a que ele faz � entre 9% e 10%.
Leandro se identifica muito com a cultura medieval, mais especificamente com os B�rbaros, que habitavam o norte da Europa em uma regi�o conhecida como Germ�nia. Os germ�nicos eram formados por v�rios povos que, a partir do s�culo III d.C, migraram e invadiram as terras do Imp�rio Romano do Ocidente.
“Me sinto um b�rbaro, que era mal falado pelas pessoas. Mas eles n�o foram ruins. Era uma comunidade que vivia sua vida e chegou um cara imperialista que quis mudar tudo aquilo. Acho isso ruim”, disse Leonardo.
Com tanto tempo morando em Minas Gerais, o cervejeiro conta que j� se sente mineiro de cora��o. “Eu sempre fui artes�o. Conhe�o um pouco da Am�rica Latina, o meu pa�s todo, Chile e o Brasil me chamava muito a aten��o. Tinha medo do idioma, mas eu vim e no meio do caminho eu encontrei a minha companheira, que me trouxe aqui para Minas. Amo o Brasil. � uma cultura maravilhosa, cheia diversidade e troca de ideias.”

Recria��o hist�rica
O casal Marcelo Mendes Casariego e Roberta Batista, do Rio de Janeiro, exp�s um trabalho de recria��o hist�rica em que pegam achados da era viking que est�o expostos nos museus de Oslo e da Noruega e fazem a reprodu��o mais fiel poss�vel em cima desses achados.
Em Ouro Preto, os artes�os tinham as tradicionais canecas e outros objetos no tom mais natural poss�vel da madeira. Seus produtos j� foram para exposi��es na Fran�a, Inglaterra, Nova York e Portugal.
“Come�ou como hobbie. Tem um grupo de reprodu��o hist�rica da era viking que a gente j� praticava e estudava achados arqueol�gicos e reproduzia. O Marcelo come�ou a gostar de trabalhar com madeira e a partir da� virou neg�cio”, contou Roberta.

Um TCC que virou moda
Adriane Cristina saiu de Curitiba, sua terra natal, para expor seu trabalho na feira medieval de Ouro Preto. Formada em design e moda, com p�s-gradua��o em Modelagem e moulage, ela criou uma marca de roupa medieval a partir de seu trabalho de conclus�o de curso. Seu TCC foi roupas com inspira��es medievais para eventos tem�ticas. Ap�s se formar, colocou a ideia no papel.
“Eu n�o fa�o medieval hist�rico e sim inspira��es medievais, porque o objetivo da marca � que algumas pe�as possam ser utilizadas no dia a dia. Ent�o, a pessoa n�o vai gastar dinheiro numa pe�a apenas para ir num evento. Algumas pe�as, ela pode utilizar no dia a dia tamb�m”, contou Adriane.

Adriane dava aula na mesma institui��o que se formou, UniSenai, mas saiu h� duas semanas e agora vai se dedicar 100% � sua empresa. “Eu costuro h� 22 anos. J� tive empresas de uniforme para empresa. S� mudei o foco”, disse.
J� � a segunda vez que a costureira vai � Santa Rita de Ouro Preto expor seu trabalho. Adriane foi para o distrito na edi��o passada junto de sua fam�lia e aproveitou para fazer um turismo por Minas Gerais.
“Fomos para Ouro Preto, Tiradentes, Resende Costa, Itatiaia e neste ano veio apenas eu e minha irm�, mas pretendemos fazer a mesma coisa. Minas � encantador”, contou.