
Amanh� � o Dia de Padre Eust�quio, com muitas homenagens ao beato que, mesmo tendo morado pouco mais de um ano e quatro meses em Belo Horizonte, tem sua hist�ria entrela�ada � vida da capital e ao cora��o de muitos mineiros. Al�m de ser palco de obras sociais e religiosas a cargo do sacerdote holand�s, BH, onde ele terminou seus dias, tem um significado maior: ocorreu aqui o milagre, reconhecido pelo Vaticano, para lhe dar a gl�ria dos altares por meio da beatifica��o.
Prestes a completar 81 anos, dona Leda Melo se sente uma pessoa aben�oada. Ela e toda a fam�lia. Em julho de 1943, ent�o um beb� de poucos meses, a menina Leda foi batizada por Padre Eust�quio (1890-1943), na Capela Curial Cristo Rei, localizada nas proximidades do Aeroporto Carlos Prates, na Regi�o Noroeste da capital. Naqueles tempos, BH tinha 211,3 mil habitantes. “Ainda n�o havia a Igreja Padre Eust�quio, hoje Santu�rio Arquidiocesano da Sa�de da Paz. Um m�s depois do meu batizado, Padre Eust�quio morreu”, conta a belo-horizontina, que, diariamente, vai ao templo para fazer suas ora��es e rezar pela canoniza��o do beato.
No santu�rio arquidiocesano, que receber� amanh� (30/8) uma multid�o de cat�licos mineiros e 12 holandeses parentes do Beato Padre Eust�quio para as homenagens pelos 80 anos da sua morte, h� um painel gigantesco com a figura do religioso cujo lema era “Sa�de e Paz”. Diante do retrato, dona Leda, com um sorriso, repete o que aprendeu nas palavras escritas e nas frases ouvidas durante oito d�cadas: “Era um homem caridoso, que deixou um legado de amor”.
Nos bancos da igreja, em volta do memorial – onde se encontram os restos mortais de Padre Eust�quio, falecido em BH em 30 de agosto de 1943, ap�s ser picado por um carrapato –, por todo canto h� gente em momentos de reflex�o. Com os bra�os abertos diante da imagem do beato, a professora aposentada Maria de Lourdes Santos Ribeiro Teixeira lembra que Padre Eust�quio era devoto de Nossa Senhora de Lourdes, nome que orgulha a mineira natural de Oliveira (Regi�o Centro-Oeste), e de S�o Jos�. “Estou aqui, hoje, para agradecer. Cresci ouvindo falar sobre Padre Eust�quio, primeiramente na voz da minha madrinha, que me deu, nos meus dias de crian�a, um santinho dele.”

TEMPLO Numa das salas do santu�rio, h� uma fotografia em preto e branco mostrando Padre Eust�quio, com paroquianos, em volta da maquete da futura igreja, que se tornou santu�rio arquidiocesano em 2014, batizado “da Sa�de e da Paz” pelo arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo. O terreno para a constru��o do templo foi doado pelo ent�o prefeito de BH, Juscelino Kubitschek (1902-1976), mas Padre Eust�quio n�o teve tempo de ver a obra que marca o Bairro Padre Eust�quio. Participou apenas do lan�amento da pedra fundamental.
A fotografia se torna, para a equipe do Estado de Minas, uma porta de entrada para a hist�ria do religioso holand�s, que chegou a BH em 2 de abril de 1942 depois de passar por Po� (SP) e cidades da Regi�o do Alto Parana�ba (MG). Na capital mineira, ficou por pouco mais de um ano e quatro meses – ap�s seis dias aqui, tomou posse como vig�rio da Par�quia S�o Domingos, onde hoje � o Bairro Padre Eust�quio. “Belo Horizonte tornar-se-ia para Padre Eust�quio o campo do apostolado mais fecundo e mais salutar. Se em todos os lugares onde esteve, mesmo de passagem, procurou fazer bem ao pr�ximo, f�sica e espiritualmente, em Belo Horizonte seu zelo n�o conhecia limites”, escreveu, em 1944, o padre Ven�ncio Hulselmans, no livro “Padre Eust�quio – O vig�rio de Po�”.
O livro descreve as caracter�sticas f�sicas do beato: “Alto, de complei��o robusta, pesco�o curto e forte, com cabe�a de touro. Sobrancelhas espessas e pesadas sombreavam os olhos profundos e penetrantes, que conservava sempre semicerrados. O nariz bem proporcionado, assim como a boca larga, dava a impress�o, ao mesmo tempo, de for�a e de bondade. Vestido com o h�bito branco da Congrega��o dos Sagrados Cora��es, era, em verdade, uma figura impressionante. Falava pausadamente, inclinando a cabe�a para o lado, e fechava com frequ�ncia os olhos, o que lhe dava um certo ar de abstra��o”.

TODO LUGAR Ao caminhar pela principal rua do bairro, a movimentada Rua Padre Eust�quio, o visitante vai encontrar papelaria, imobili�ria, ag�ncia de ve�culos, escola e padaria com o nome do religioso holand�s, sem falar no grande n�mero de Eust�quios e Eust�quias residentes, assim como em toda a capital e regi�o metropolitana. Com�rcio local mais antigo, a Padaria Padre Eust�quio completou 77 anos e mostra uma sauda��o, em bal�es metalizados dourados, para o Dia de Padre Eust�quio.
“Temos uma hist�ria muito bonita ligada ao beato, pois Padre Eust�quio esteve aqui para aben�oar o in�cio da constru��o do estabelecimento, fundado por meus av�s, Francisco Leite e Rosa Zandona. Meu pai se chama Jonas Eust�quio em homenagem a ele”, conta Abra�o Leite, propriet�rio da padaria em sociedade com a mulher, Priscila Coelho. Devoto, ele informa que o religioso � uma refer�ncia para a regi�o e para o estabelecimento, que tem cartaz com a foto do padre e objetos dos prim�rdios da padaria, como bule, fog�o e fotos.
Se foi uma cidade de plenitude pastoral para o Bem-aventurado, BH marcou seu final de vida. Em 25 de agosto de 1943, ele foi internado ap�s ser picado por um carrapato, morrendo cinco dias depois no Sanat�rio Minas Gerais (atual Hospital Alberto Cavalcanti), na capital. O enterro, com multid�o nas ruas, ocorreu em 31 de agosto, no Cemit�rio do Bonfim, tornando-se o t�mulo um lugar de preces e devo��o.
Mais tarde, em 31 de janeiro de 1949, ocorrem a exuma��o e o traslado dos restos mortais de Padre Eust�quio para a capela mortu�ria, na entrada da Matriz dos Sagrados Cora��es, hoje conhecida como Igreja Padre Eust�quio. E, diante da fama de santidade, h�, em 5 de fevereiro de 1956, o in�cio dos trabalhos preliminares para instaura��o do processo de canoniza��o de Padre Eust�quio.
J� a beatifica��o do sacerdote holand�s s� foi poss�vel gra�as � cura do padre Gon�alo Bel�m Rocha (1923-2007), de BH, portador de um c�ncer na garganta. Em 1962, por intercess�o de Padre Eust�quio, ele recebeu um milagre reconhecido pela Igreja. Em 2006, em entrevista ao Estado de Minas, padre Gon�alo se perguntou: “Por que eu fui escolhido por Deus? Tenho no��o da minha pequenez, sou sens�vel, embora com 1,80 metro de altura. N�o � f�cil, tudo isso mexe muito com a gente”.
Padre Bel�m, que fumou cigarros durante 58 anos e conseguiu abandonar o v�cio havia 13 anos, nunca encontrou as respostas para as suas indaga��es. “Acho que recebi um pux�o de orelhas de Deus.” A cerim�nia de beatifica��o ocorreu em 15 de junho de 2006, no est�dio do Mineir�o, em BH, teve a presen�a do padre Gon�alo Bel�m Rocha, que morreu um ano e meio depois, aos 83 anos.

ENCONTRO EM MACA�BAS J� em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de BH, houve um momento marcante na vida de Padre Eust�quio e de uma comunidade religiosa. Pouco antes de morrer, em 1943, ele esteve, como de outras vezes, no tricenten�rio Mosteiro de Nossa Senhora da Concei��o de Maca�bas, onde vivem freiras enclausuradas, para se encontrar com a irm� Maria da Gl�ria do Cora��o Eucar�stico (1903-1986). Na �poca, a monja, que passou quase meio s�culo presa ao leito, v�tima de uma grave enfermidade, j� estava incapacitada de se locomover.
Quase duas d�cadas depois, em 13 de setembro de 1962, foram a Maca�bas seis sacerdotes do tribunal que investigava os feitos extraordin�rios de Padre Eust�quio, incluindo o ent�o vice-postulador da causa de beatifica��o, padre Alfredo, para ouvir o depoimento da irm� Maria da Gl�ria. Faziam parte do grupo monsenhor Juvenal Hon�rio dos Santos (juiz), padre Jos� Campos Tatson (promotor da f�), padre Frei Bruno Goottens (juiz), padre Arnaldo Ribeiro (presidente) e padre Jos� Raimundo de Freitas (not�rio).
Est� no arquivo de Maca�bas o seguinte registro: “Foi um acontecimento muito not�vel no Mosteiro, que trouxe � comunidade santas alegrias. � a primeira beatifica��o a ser feita no Brasil, e o Mosteiro de Maca�bas teve a insigne honra de receber membros do Tribunal. A S�ror Maria da Gl�ria ir� contribuir com seus depoimento para eleva��o do Padre Eust�quio � honra dos altares”.
Tantos anos depois, a hist�ria do encontro de Padre Eust�quio com a irm� Maria da Gl�ria tem uma vers�o n�o oficial guardada com carinho no Mosteiro de Maca�bas. Ao final da �ltima conversa, os dois teriam se comprometido numa quest�o: o que morresse primeiro “visitaria” o outro. Pois logo ap�s o falecimento, ocorrido em 30 de agosto de 1943, uma das freiras, chamada Benedita, teria escutado a irm� Maria da Gl�ria conversando com uma pessoa. Ao entrar no quarto e encontr�-la sozinha, ouviu dos seus l�bios que Padre Eust�quio havia estado ali.
DEPOIMENTOS
Em nome do beato
"Eu e uma multid�o de devotos j� consideramos Padre Eust�quio santo, sendo a conclus�o do processo de canoniza��o mera formalidade que, um dia, ser� anunciada pelo Vaticano. Basta ver a quantidade de pessoas batizadas de Eust�quio ou Eust�quia em raz�o de gra�as alcan�adas pelos pais por intercess�o do Bem-aventurado. Minha religi�o � umbandista e fiz quest�o de tatuar nas costas a imagem do beato, porque o legado dele n�o se resume somente ao catolicismo. Padre Eust�quio � nome de bairro, � nome de rua, � nome de gente, � at� nome informal de templo religioso, j� que o Santu�rio Arquidiocesano da Sa�de e da Paz � mais conhecido por Igreja Padre Eust�quio. Ali�s, o santu�rio tem esse nome em raz�o do beato, pois era assim que ele se despedia dos amigos, desejando a todos 'sa�de e paz'. Viva Padre Eust�quio!".
Paulo Henrique Lobato, jornalista
Um canal espiritual
“H� d�cadas, acompanho a hist�ria de Padre Eust�quio, ou�o depoimentos emocionados de pessoas que se dizem agraciadas com milagres, incluindo o padre Gon�alo Bel�m, conhe�o outras tantas cujos antepassados conviveram com ele e participo de coberturas jornal�sticas importantes. Entre essas, a cerim�nia de beatifica��o no est�dio do Mineir�o, em 2006, as celebra��es em 30 de agosto, em BH, e a peregrina��o dos mineiros, em abril, � Holanda, onde o religioso nasceu. Com o passar dos dias, eu me conven�o de que, al�m de candidato a santo, ele era uma pessoa realmente especial, dessas que t�m energia poderosa e um canal ‘espiritual’ direto com a esfera divina. Acredito que, independentemente da religi�o de cada um, ser� uma grande honra para Minas ter Padre Eust�quio nos altares de todo o mundo.”
Gustavo Werneck, jornalista