
O Brasil prepara, para 2012, um feito in�dito em seu programa espacial: pela primeira vez, ir� colocar no espa�o, a partir do seu pr�prio solo, um foguete com um sat�lite a bordo.
Trata-se do Cyclone-4, foguete de fabrica��o ucraniana que deve ser lan�ado no ano que vem da base de Alc�ntara (MA), em uma parceria que come�ou a ser orquestrada em 2003. Pelo acordo, o Brasil entra com a base, e a Ucr�nia, com a tecnologia do foguete.
Um lan�amento bem-sucedido pode elevar o status dos dois pa�ses no cen�rio espacial global. No entanto, um dos dilemas do programa � quanto ao uso que o Brasil poder� dar ao Cyclone-4. Alguns especialistas ouvidos pela BBC Brasil consideram “altamente question�vel” sua viabilidade comercial.
Uma quest�o-chave � a capacidade limitada de carga do Cyclone-4: para a chamada �rbita geoestacion�ria, em que o sat�lite fica a 36 mil km de altitude e parado em rela��o a um ponto na superf�cie da Terra, o foguete s� consegue levar carga de 1,6 mil quilos, o que � considerado insuficiente para muitos sat�lites de comunica��o.
“O programa foi inicialmente proposto como uma empreitada de cunho comercial, e que deveria se sustentar com a venda dos servi�os de lan�amentos de sat�lites. Mas sua evolu��o n�o corrobora essa hip�tese”, disse Jos� Nivaldo Hinckel, coordenador do departamento de mec�nica espacial do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Fontes ligadas � ACS, empresa binacional criada pela parceria Brasil-Ucr�nia, admitem que ser� necess�rio encontrar um “nicho de mercado” para o Cyclone-4, j� que muitos sat�lites p�blicos e privados n�o cabem no foguete. Mas a empresa diz que j� est� participando de concorr�ncias internacionais e que negocia qual sat�lite participar� do lan�amento inicial do foguete.
Vantagem geogr�fica
Para Carlos Ganem, presidente da Ag�ncia Espacial Brasileira (AEB), o programa com a Ucr�nia “inaugura um tempo novo” para o Brasil e permitir� que o pa�s usufrua de sua vantagem geogr�fica.
Como Alc�ntara fica pr�xima � Linha do Equador, lan�amentos feitos ali permitem o uso eficiente do movimento de rota��o da Terra, gastando 30% a menos de combust�vel no envio de foguetes ao espa�o.

Al�m de serem considerados importantes pelo uso em telecomunica��es, os sat�lites s�o muito usados para coletar informa��es sobre clima, navega��o, ocupa��o de solo e monitoramento da regi�o amaz�nica.
“S�o essenciais para que o Brasil exer�a sua autonomia”, opinou Ganem, dizendo que o pa�s ambiciona ter sat�lites feitos em parceria com Argentina e �frica do Sul que possam ser lan�ados em Alc�ntara.
Para Hinckel, do Inpe, por�m, “� dif�cil justificar um programa espacial aut�nomo (como o do Cyclone) sem que o segmento de comunica��es geoestacion�rias seja contemplado”.
Fernando Catalano, professor de engenharia aeron�utica da USP de S�o Carlos, disse achar importante o desenvolvimento proporcionado � base de Alc�ntara, mas considera improv�vel que o lan�ador traga lucros de curto prazo para o Brasil ou que elimine a depend�ncia do pa�s para lan�amentos de sat�lites.
Preparativos
Do lado brasileiro, a ACS diz que est� preparando a parte estrutural de Alc�ntara para o lan�amento do Cyclone-4.
J� do lado da Ucr�nia, 16 empresas est�o contribuindo para a constru��o do foguete, na cidade de Dnipropetrovsk (centro-leste do pa�s). Segundo os projetistas, essa vers�o do Cyclone ter� alta precis�o e um aumento de 30% na capacidade de carregar combust�vel. O artefato ter� vida �til estimada de entre 15 e 20 anos.
Para Ganem, trata-se de “um lan�ador confi�vel, da escola sovi�tica”.
Para Catalano, � um foguete n�o muito grande nem muito caro, e a fam�lia Cyclone, existente desde 1969, tem um hist�rico bem-sucedido (em 226 testes de lan�amento, houve apenas seis falhas).
Segundo a ACS, outro ponto importante � que n�o haver� contato humano com o foguete na base. Isso impediria a repeti��o do ocorrido em 2003, quando uma explos�o no VLS (Ve�culo Lan�ador de Sat�lites) resultou na morte de 21 t�cnicos em Alc�ntara.
No entanto, Hinckel cita preocupa��es com o combust�vel propelente “altamente t�xico” que ser� usado no lan�amento. A ACS alega que n�o haver� manuseio do combust�vel – que vir� da China, via navio –, apenas de seu recipiente.
Tecnologia
Em aparente mostra da preocupa��o com a viabilidade comercial do projeto, telegramas diplom�ticos divulgados pelo site WikiLeaks apontaram recentemente que a Ucr�nia sugeriu aos Estados Unidos que lan�assem seus sat�lites a partir de Alc�ntara.
Os documentos indicam que os americanos condicionaram seu interesse pela base � n�o transfer�ncia de tecnologia ucraniana de foguetes ao Brasil.
O embaixador ucraniano em Bras�lia, Ihor Hrushko, disse � BBC Brasil (em entrevista pr�via ao vazamento do WikiLeaks) que formalmente n�o h� acordo para a transfer�ncia de tecnologia no Cyclone-4, mas sim expectativa de que a parceria bilateral continue “para que trabalhemos em conjunto em outros processos”.
Ele disse que transferir tecnologia n�o � algo de um dia para o outro, “� um processo duradouro, de anos”.
Mas ele afirmou que o Brasil � o “s�cio mais importante” da Ucr�nia no continente – tanto que, em 10 de janeiro, o presidente do pa�s, Viktor Yanukovich, telefonou � presidente Dilma Rousseff para falar sobre a expectativa de criar uma “parceria estrat�gica” com o Brasil a partir do foguete. Os dois presidentes esperam estar presentes no lan�amento do artefato.
A ACS, por sua vez, afirmou que a expectativa de transfer�ncia de tecnologia existe, mas ressaltou que n�o � esse o objetivo do tratado binacional.
Ainda que o interc�mbio tecnol�gico seja considerado importante para os especialistas consultados pela BBC Brasil, alguns destacam que a n�o transfer�ncia acabou estimulando o desenvolvimento de tecnologias brasileiras.
� o caso do sat�lite CBERS-3, que ser� lan�ado na China em outubro, com o objetivo de monitoramento ambiental e controle da Amaz�nia: suas c�meras foram produzidas em S�o Carlos (SP), com tecnologia nacional da empresa Opto.
