Rodrigo Coppe Caldeira*
No �ltimo ano do pontificado de Bento XVI a Igreja Cat�lica relembrou os 50 anos do in�cio do Conc�lio Vaticano II (1962–1965). O conc�lio, convocado pelo papa Jo�o XXIII, foi uma busca de ultrapassar uma vis�o negativa do mundo moderno por parte da Igreja. Sugeriu nova rela��o entre a institui��o religiosa e o mundo. N�o mais condena��es, por�m um convite a todos que pudessem colaborar na constru��o de um mundo mais justo e fraterno. Al�m do tom convidativo presente nos documentos, apontou-se uma forma mais dialogal de lidar com as distintas denomina��es crist�s e tamb�m com as diferentes tradi��es religiosas. Uma compreens�o mais m�stica da Igreja, menos centralismo e mais colegialidade.
O tema da rela��o entre bispos e papa e a reforma da organiza��o administrativa da C�ria Romana tiveram especial resson�ncia. O mundo n�o era mais o mesmo. A centraliza��o que marcou a Igreja do s�culo 19 parecia n�o responder de maneira eficaz aos novos desafios. Como afirmou a soci�loga da �cole des Hautes �tudes, Dani�le Hervieu-L�ger, “tornou-se imposs�vel, desde a c�pula romana, manter todos os filhos de uma Igreja confrontada ao mesmo tempo com o secularismo crescente no mundo ocidental, com a crescente disparidade de situa��es das Igrejas nacionais e com o choque da concorr�ncia religiosa em escala global”.
Em 1963 o cardeal Frings, de Col�nia (Alemanha), acompanhado de perto pelo seu te�logo particular, Joseph Ratzinger, prop�s uma reforma. Seguiu-se a sugest�o da cria��o de um “conselho central dos bispos”, que ajudasse o papa no governo da Igreja, “acima” das inst�ncias curiais. Paulo VI recusou o projeto, realizando nos anos posteriores uma t�mida reforma. Al�m disso, chama particular aten��o o fato de que os textos resultantes das discuss�es conciliares refletiram formas diferentes de se pensar as rela��es entre as hierarquias eclesi�sticas.
Em busca de consenso, trazem trechos que foram inseridos por press�o de padres mais conservadores, e outros pelos mais teologicamente avan�ados. O pr�prio papa Paulo VI, com medo de que o primado petrino pudesse ser enfraquecido por interpreta��es maximizantes do papel dos bispos, interveio e inseriu uma “nota explicativa pr�via” na Constitui��o Dogm�tica Lumen Gentium sobre a Igreja. Tais “compromissos”, acrescentado � ideia de que o conc�lio seria “pastoral” e n�o teria objetivo de promulgar dogmas, como os 20 anteriores, originaram in�meras controv�rsias sobre os significados corretos dos textos.
Esse � o fundo hist�rico no qual irrompe a ren�ncia de Bento XVI e a escolha do novo papa. O tema da reforma da c�ria – central nas reuni�es cardinal�cias que preparam o conclave – n�o � novo. Relaciona-se intimamente com o papel do col�gio dos bispos no governo da Igreja e tem seu ponto nevr�lgico no processo de recep��o conciliar. O momento, na esteira da ren�ncia de Bento XVI, � nova oportunidade para aprofundar a reflex�o da Igreja como “comunh�o das igrejas locais”, uma das mais importantes intui��es do conc�lio. A ideia de que o papa n�o pode exercer sua governabilidade isoladamente parece tomar novo f�lego. Contudo, como o que chama aten��o no catolicismo � uma certa lentid�o e tranquilidade, como apontou Elias Canetti. Esperar que da situa��o atual surja uma “Primavera Vaticana” � um simples wishful thinking (desejo imagin�rio, em tradu��o livre).
* Historiador e professor do Departamento
de Ci�ncias da Religi�o da PUC Minas