"Diziam que era o melhor lugar para se viver", lembra Luiz Martins Neto, ao explicar porque se mudou em 1989 para S�o F�lix do Xingu, na �poca um Eldorado de selva intocada, ouro e uma grande �rea ind�gena na Amaz�nia, que hoje luta contra seu hist�rico de desmatamento.
Martins Neto, de 54 anos, conseguiu sua primeira propriedade como muitos nessa �poca: com fogo e um fac�o.
"Naquele tempo, quanto mais voc� desmatava, melhor era a sua vida e mais terra voc� conseguia", explica em alus�o � pol�tica que incentivou a acelerada ocupa��o da maior floresta tropical do planeta, especialmente durante a ditadura militar (1964-85).
Hoje, o senhor Luiz integra um projeto modelo de agropecu�ria que aproveita �reas j� desmatadas e n�o tira espa�o da floresta. Tamb�m paga sua d�vida ambiental, recuperando a selva que o reformado C�digo Florestal, que entrou em vigor em outubro, o obriga a manter intacta e que j� alcan�a at� 80% de cada propriedade na Amaz�nia.
"A gente aprende a fazer as coisas direito", diz, com um sorriso orgulhoso debaixo do chap�u de palha. Em frente � sua pequena propriedade, cercada de grama e de um enorme tronco de castanheira, � vis�vel o legado do desmatamento do passado.
Esta � a hist�ria de muitos em S�o F�lix do Xingu: um munic�pio quase do tamanho de Portugal com 90.000 habitantes, do sudeste do estado do Par� (norte), onde territ�rios ind�genas e parques ocupam a metade do espa�o. Mas tamb�m � um polo minerador e pecuarista - h� mais de dois bilh�es de cabe�a de gado -, que atrai multinacionais para o Brasil, recordista em exporta��o de mat�rias-primas.
-- Ex-campe�o de desmatamento --
"A entrada do homem branco � como a onda do rio: vai avan�ando, avan�ando e nunca recua", suspira Amaury Bepnhoti Ayudjare, �ndio da etnia caiap�, cujo territ�rio � um grande manto de selva, do qual surgem pequenas aldeias em c�rculo ao redor de uma pra�a descampada.
Quase uma d�cada atr�s, a passagem dos caminh�es com madeira retumbava na cidade e o fogo que devastava a floresta quase impedia a vis�o.
"S�o F�lix do Xingu era o campe�o do desmatamento. Em 2008, o governo criou uma lista dos munic�pios que mais desmatavam e fomos o n�mero um, mas agora tamb�m � o que mais reduziu o desmatamento, que passou de 2.500 km2 no ano 2000 a 169 km2 no ano passado", explica o prefeito, Jo�o Cleber.
No entanto, n�o conseguiu sair da lista de grandes desmatadores devido ao grande tamanho de sua propriedade.
H� cinco anos e com o compromisso internacional de deter a devasta��o da floresta, o governo retirou o acesso ao cr�dito aos munic�pios que mais desmatam e aplicou o cerco � ind�stria: quem comprasse produ��o de �reas desmatadas seria penalizado.
"Foi fundamental a press�o sobre munic�pios e ind�stria, porque isso levou a um pacto contra o desmatamento entre os frigor�ficos, a prefeitura e os produtores rurais", destaca Ian Thompson, diretor do programa Amaz�nia da ONG The Nature Conservancy (TNC).
"A ind�stria da pecu�ria ocupou boa parte do territ�rio e causou boa parte do desmatamento, mas com uma produtividade muito baixa: um boi por hectare (o tamanho de um campo de futebol). Com melhor manejo, tentamos dobrar a produ��o sem desmatar mais", diz Thompson, � frente de v�rios projetos modelo financiados por grandes frigor�ficos, traders e supermercados, que precisam mostrar uma gest�o ecologicamente correta.
-- Cacau para ajudar a selva --
S�o F�lix vive, ainda, um boom do cacau, esp�cie nativa que ajuda a recuperar �reas desmatadas porque o cacaueiro � um arbusto cultivado na sombra de �rvores frondosas.
Um destes projetos, apoiado pela gigante multinacional Cargill, implanta cacau em 100 fazendas de pequenos produtores.
"� Cargill interessa produ��o sustent�vel e em grande quantidade, para n�s, garantir uma renda e recuperar �reas degradadas" para cumprir a lei florestal, explica Ilson Martins, presidente da cooperativa local de cacau Cappru.
"Queremos dar outra imagem � regi�o, o consumidor n�o quer produtos �s custas do desmatamento", afirma Wilton Batista, presidente do Sindicato de Produtores Rurais, protegendo-se do sol com um chap�u de caub�i.
Manter o desmatamento sob controle � uma tarefa herc�lea. Neste munic�pio de mais de 84.000 km2 e pouco mais de 80% de selva ainda preservadas, as terras ind�genas dividem o territ�rio e cruz�-lo implica um p�riplo atrav�s de munic�pios vizinhos.
A tecnologia, ao contr�rio, avan�a a toda velocidade. Na prefeitura, os t�cnicos analisam informa��es de sat�lite e o censo ambiental dos produtores, que neste munic�pio j� chega a 80% da �rea, para saber onde h� desmatamento e quem � o respons�vel.
Garantir um meio de vida que n�o atente contra a selva � um desafio. "� preciso encontrar uma forma de garantir a renda dessas pessoas que vivem na Amaz�nia (25 milh�es de habitantes), caso contr�rio, viveremos o caos", alerta o secret�rio da Agricultura de S�o F�lix, Denimar Rodrigues.
O desmatamento na Amaz�nia, que atingiu alarmantes 27.772 km2 em 2004 (�rea quase equivalente � da Alb�nia), fez do Brasil um dos grandes emissores de gases de efeito estufa, nocivos para o clima. O pa�s se comprometeu em 2009 a reduzi-lo em 80% para 2020, uma meta que est� perto de alcan�ar. Em 2012, o desmatamento caiu para 4.571 km2, o menor n�vel em d�cadas.