A ruptura dos Estados Unidos com seus aliados tradicionais do G7 abre caminho, no futuro, para uma ordem mundial dividida, na qual Donald Trump negociar� com os antigos inimigos de Washington e onde a rela��o EUA-China deve estabelecer o compasso do mundo.
"Estamos assistindo ao desmonte americano da ordem mundial e das institui��es cuidadosamente constru�das ap�s a Segunda Guerra Mundial?", questiona Fred Kempe do "think tank" americano Atlantic Council, referindo-se a uma ordem que estabelece equil�brio entre blocos, coordena��o internacional e alian�as intang�veis.
Ao romper qualquer estrutura multilateral em nome dos interesses americanos, colocar em xeque o livre-com�rcio mundial, seguir uma pol�tica externa conflituosa (com a den�ncia do acordo nuclear iraniano e a transfer�ncia da embaixada americana para Jerusal�m, por exemplo) e insultar tanto aliados quanto inimigos hist�ricos, Donald Trump bate forte na mesa para estar mais � vontade com o �nico que importa: Xi Jinping.
- Antiga ordem -
"Para Trump, existe apenas o G2: os EUA e a China. Na vis�o de Trump, a Europa deveria entender que a era da ordem econ�mica multilateral terminou", analisa o economista su��o Thomas Straubhaar, da Universidade de Hamburgo.
Se Washington e Pequim s�o advers�rios, o fato � que eles dividem a mesma desconfian�a pelo multilateralismo.
Donald Trump "viu que a antiga ordem da globaliza��o liberal se rompeu em 2008 (com a crise financeira). Ele acha que os Estados Unidos n�o s�o mais capazes de fornecer bens comuns ao mundo, tais como uma estrutura de com�rcio liberalizada e a seguran�a para seus aliados ocidentais. Ele v� os Estados Unidos comprometidos com uma s�rie de rela��es bilaterais, onde o d�ficit comercial � o principal tema", analisa, em conversa com a AFP, o economista brit�nico Lorde Meghnad Desai, afiliado aos trabalhistas.
"J� a China n�o quer o multilateralismo tradicional", destaca o presidente da institui��o francesa Asia Centre, Jean-Fran�ois Di Meglio.
"Ela estabelece toda uma variedade de estruturas, como a Organiza��o de Coopera��o de Xangai, ou o banco asi�tico de investimento para as infraestruturas. Isso isso vai dar, sem d�vida, origem a uma outra forma de governan�a, � estrutura flutuante e assim�trica, segundo os temas e as partes envolvidas", explicou.
"A estrat�gia de 'America First' (Am�rica primeiro) de Trump e (o slogan) 'o sonho chin�s' de Xi se baseiam na mesma ideia: que as duas superpot�ncias t�m total latitude para agir, segundo seu pr�prio interesses", analisa Brahma Chellaney, professor no Center for Policy Research de Nova D�lhi, em um artigo de opini�o publicado no final de maio.
Para ele, "a ordem mundial do G2 que eles est�o criando mal merece ser chamada de ordem. � uma armadilha, onde os pa�ses ser�o for�ados a escolher entre os Estados Unidos de Trump, imprevis�veis e adeptos da negocia��o bilateral, e uma China ambiciosa e predadora".
"A rela��o entre os Estados Unidos e a China moldar� o s�culo XXI", profetizava Barack Obama em 27 de julho de 2009.
Seu sucessor poder� tornar esse cen�rio realidade, mas de uma forma bem diferente daquela imaginada por Obama na �poca, quando o Ocidente unido esperava fazer a China aceitar suas regras do jogo.
- 'Armadilha de Tuc�dides'? -
Isso n�o significa que Washington e Pequim v�o-se entender para dividir o mundo em detrimento de europeus desorientados. Al�m de ainda n�o terem dado sua �ltima palavra, os europeus tamb�m divergem entre si.
Donald Trump parece pensar, por�m, que se dar� melhor cara a cara, liberado dos constrangimentos do multilateralismo. Est� negociando a quest�o do d�ficit comercial com Pequim de maneira mais construtiva do que, por exemplo, com Canad�, pa�s com o qual tem predominado a troca de acusa��es e insultos.
"Trump n�o se entende t�o mal com a China e com a R�ssia. Eles t�m diverg�ncias, eles podem se entender sobre alguns pontos. O exemplo da ZTE � gritante: (Washington) fez a guerra comercial com a China e, ao mesmo tempo, passamos a um acordo imprevis�vel com a ZTE", analisou Di Meglio, referindo-se ao gigante chin�s das telecomunica��es posto para fora do mercado americano e, finalmente, autorizado a reintegr�-lo ao fim de uma espinhosa negocia��o.
Se a ordem P�s-Segunda Guerra Mundial tinha como ambi��o, sobretudo, evitar um novo conflito planet�rio, o imperativo da paz parece menos urgente nesse novo poss�vel cen�rio. E alguns temem que o mundo caia na chamada "armadilha de Tuc�dides", conceito teorizado pelo americano Graham Allison, segundo o qual qualquer pot�ncia emergente entra inevitavelmente em conflito em um dado momento com a pot�ncia dominante.
Uma teoria rejeitada pelos chineses. "N�o existe essa armadilha de Tuc�dides. Mas, se os grandes pa�ses cometerem repetidamente os mesmos erros estrat�gicos, eles podem cair em uma armadilha desse tipo", considerou Xi Jinping em setembro de 2015.
Para Di Meglio, os chineses est�o "obcecados com n�o repetir os erros do passado. Eles veem a armadilha, v�o tentar evit�-la, mesmo que tenham, em algum momento, raz�es objetivas para uma confronta��o" por seus interesses estrat�gicos.