Desde que assumiu o poder na Hungria, em 2010, o primeiro-ministro Viktor Orb�n virou o pa�s de cabe�a para baixo: domesticou o Judici�rio, restringiu a liberdade de imprensa, reduziu os direitos civis e dificultou a atua��o de ONGs. Sob os olhos at�nitos da Uni�o Europeia e diante da anu�ncia da maioria de seus 10 milh�es de habitantes, ele transformou o pa�s na m�o mais conservadora da Europa.
A UE respondeu, mas de maneira lenta. A mo��o de censura, aprovada em setembro, que pode resultar em puni��es, ainda se arrasta nos escaninhos da burocracia de Bruxelas. Enquanto isso, Orb�n se segura internamente legitimado por uma economia aparentemente vigorosa. Quando assumiu, o crescimento econ�mico era de 0,7% ao ano. Hoje, o pa�s cresce 4,9% - um assombro para pa�ses da zona do euro.
Para boa parte dos h�ngaros, ter poder de compra � o que importa. � como pensa Csaba B, eleitor de Orb�n e contador de uma multinacional. "Se o pa�s vai bem economicamente, ent�o est� tudo bem. Voc� nunca vai agradar a todos. Orb�n pode fazer coisas ruins, mas � um bom capitalista."
Esta prosperidade, por�m, tem um custo. Um deles � a chamada "Lei da Escravid�o", implementada por Orb�n, que permite aos empregadores exigir anualmente 400 horas extras dos empregados - 150 horas a mais do que era permitido, ou um dia a mais de trabalho por semana. A decis�o provocou uma onda de protestos, mas segue em vigor.
Para os cr�ticos mais sutis, a Hungria se tornou um exemplo de democracia "iliberal". Para os detratores mais radicais, caminha a passos largos para uma ditadura. Tamanha aten��o internacional foi captada pelo governo brasileiro, que se sentiu atra�do pelos ventos que sopram em Budapeste. A aproxima��o tomou ares concretos em janeiro, na posse de Jair Bolsonaro - Orb�n foi o �nico l�der europeu presente em Bras�lia. Depois, o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, visitou a Hungria em abril. Em maio, foi a vez do chanceler, Ernesto Ara�jo. A Hungria � um dos pa�ses que Bolsonaro visitar� este ano.
O maior s�mbolo de como a democracia h�ngara vem descendo a ladeira � a cruzada de Orb�n contra a Universidade Centro-Europeia (CEU, na sigla em ingl�s). Fundada pelo magnata h�ngaro-americano George Soros, desafeto do premi�, a institui��o virou saco de pancada do governo. Reduto do liberalismo, foi submetida a uma gincana legal, com exig�ncias imposs�veis de cumprir - como a necessidade de uma sede no pa�s de origem, os EUA, e acordos bilaterais de credenciamento.
A cada obst�culo vencido, o governo h�ngaro criava mais barreiras, causando indigna��o do mundo acad�mico e atraindo a solidariedade de 17 vencedores do Pr�mio Nobel, que assinaram uma carta de apoio. At� Donald Trump, que n�o � f� de Soros, tentou ajudar. Em abril de 2017, uma manifesta��o em favor da CEU levou 80 mil pessoas �s ruas de Budapeste. N�o adiantou. Esgotadas todas as alternativas, em dezembro, a universidade anunciou sua mudan�a para Viena.
A decis�o pegou de surpresa a brasileira J�ssica Nogueira Varela, de 25 anos, que faz mestrado em estudos de g�nero na CEU. Segundo ela, a universidade foi escolhida em raz�o da diversidade, j� que re�ne estudantes de mais de 100 pa�ses. Apesar das amea�as de Orb�n, J�ssica acreditava que haveria um acordo. "Eu nunca pensei em desistir do curso. Na verdade, em nenhum momento passou pela minha cabe�a, por maiores que fossem as dificuldades e as limita��es."
Mas, com o tempo, a queda de bra�o foi piorando. Em outubro, veio o golpe de miseric�rdia. Um m�s ap�s J�ssica chegar a Budapeste, o governo baniu o estudo de g�nero na Hungria. Orb�n retirou o tema dos programas de mestrado e doutorado e as universidades foram proibidas de lan�ar novos cursos, sob a alega��o de que esse campo de pesquisa � "uma ideologia, n�o uma ci�ncia". Para o governo h�ngaro, "as pessoas nascem homens ou mulheres". E ponto.
A decis�o foi mal recebida pela Associa��o Brasileira de Antropologia (ABA), que enviou uma carta aberta ao premi�, manifestando desaprova��o. Pesquisadores brasileiros temem que a medida abra precedente para algo parecido no Brasil, uma vez que Bolsonaro costuma atacar o que chama de "ideologia de g�nero".
A professora h�ngara �va Fodor, pr�-reitora de ci�ncias sociais da CEU, teme que a persegui��o �s universidades seja replicada por outros pa�ses. "As a��es do governo h�ngaro s�o imprevis�veis. O que aconteceu com a CEU � uma viola��o da liberdade acad�mica. De agora em diante, nenhuma institui��o de ensino est� segura."
A d�cada de Orb�n representou tamb�m o ocaso da imprensa livre na Hungria. Em 2015, apenas 31 ve�culos eram pr�-governo. Hoje, s�o mais de 500. O �ltimo relat�rio da Freedom House, que monitora a democracia global, aponta que Hungria deixou de ser um pa�s "livre" e passou a ser classificado como "parcialmente livre".
Segundo a lista da organiza��o Rep�rteres Sem Fronteiras, que classifica a liberdade de imprensa em 180 pa�ses, a Hungria caiu 64 posi��es desde 2010, quando Orb�n assumiu, e ocupa hoje, a 87.� posi��o, atr�s de Serra Leoa e Timor-Leste - pouco � frente do Brasil, que est� em 105.� lugar.
Quem sofre a repress�o na pele � J�nos D�si, jornalista de 54 anos. "Comecei minha carreira nos anos 80. Fui testemunha do colapso do comunismo e de como constru�mos um Estado democr�tico, com uma imprensa livre. Naquela �poca, eu trabalhava em um jornal di�rio, o Magyar Nemzet. Escrev�amos o que pens�vamos. Mas este tempo acabou. O regime capturou a maior parte da m�dia", afirma J�nos, que culpa a lei de imprensa promovida pelo premi�.
Para D�si, que trabalha em uma r�dio de Budapeste, a maioria dos ve�culos de imprensa se tornou �rg�o de propaganda do governo. Quase tudo, segundo ele, passa pelo crivo do Minist�rio da Propaganda. "Na primeira parte da minha carreira, cobri a constru��o da democracia. Na �ltima, escrevo sobre como se constr�i uma ditadura."
Em abril de 2018, Orb�n foi eleito para um terceiro mandato com uma campanha que demonizava a UE, a ONU, Soros e os imigrantes. Sua vota��o foi arrasadora, obteve quase metade dos votos e venceu nos quatro cantos da Hungria. A maioria parlamentar que obteve nas urnas serviu para aprovar de imediato uma lei anti-imigra��o que criminalizou a ajuda aos refugiados.
Para Anna Vegh, da funda��o Artemisszi�, a nova legisla��o disseminou o medo. "H� uma desconfian�a e as pessoas est�o menos solid�rias", disse. Para limitar as ONGs de ajuda humanit�ria, o governo imp�s um imposto de 25% sobre a receita das institui��es que apoiam a imigra��o - a arrecada��o � destinada � defesa das fronteiras.
Recentemente, Orb�n apontou sua caneta para os moradores de rua. Em outubro, uma emenda constitucional proibiu pessoas de dormir ao relento. Sob pena de serem detidos ou terem seus pertences confiscados, a lei prev� multa e autoriza os policiais a conduzir os alvos, quase todos pobres, deficientes f�sicos ou ciganos, a centros de acolhimento.
Um desses abrigos � o Mened�kh�z Alap�tv�ny, em Budapeste, que atende 230 pessoas, oferecendo prote��o e assist�ncia m�dica. �kos Suranyi, o diretor, diz que a lei � desumana. A demanda por abrigos em Budapeste, segundo ele, pode colocar de 100 a 200 pessoas sob o mesmo teto na mesma noite. Por isso, muitos ainda preferem perambular em espa�os p�blicos. "� imposs�vel melhorar a vida deles aqui. Apenas tento fazer com que fiquem mais confiantes", diz Suranyi. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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