"Algo mudou", diz Itzel Ram�rez, uma ativista da Cidade do M�xico que est� apenas h� tr�s anos vivendo em Ciudad Ju�rez, vizinha de El Paso, onde no dia 3 um supremacista matou 22 pessoas com um fuzil em um shopping center. Seis eram mexicanos. Itzel lembra que a escalada racista que a metr�pole mexicana vivia contra a onda de imigrantes centro-americanos e africanos se acumula em sua fronteira. "Voc� abria o jornal e via 'cubano estupra mulher' e depois n�o era verdade. Escut�vamos as pessoas culparem os hondurenhos, haitianos, a todos os que chegaram, pelos crimes", disse, com a franqueza que os nortenhos se orgulham de ter.
"Mas o que aconteceu no Walmart fez com que muitos reagissem. N�o sei se vai durar, n�o sei se � geral, racistas h� nos dois lados, apesar de que agora sabemos que ali tamb�m nos matam e nos matam por nossa apar�ncia. Nada mais."
"O racismo e o fascismo j� est�o aqui", destaca o escritor mexicano Daniel Herrera, da cidade de Torre�n, a 800 quil�metros de Ju�rez, mas que conhece bem a regi�o. "Fazia meses havia um sentimento de �dio para com os imigrantes."
Na sexta-feira, 9, o autor do massacre, Patrick Crusius, confessou que seu alvo eram mexicanos. Isso estimulou os imigrantes que tentam entrar nos EUA a se aproximar dos mexicanos. Em um restaurante de Ciudad Ju�rez, esta semana, dois cubanos acabaram cantando Querida de Juan Gabriel, uma can��o t�pica de um dos cantores mais famosos do M�xico.
H�ctor Mart�nez, de camisa azul e chap�u, rezava diante de uma cruz em mem�ria a Leonard Campos, de 41 anos. O atirador o matou quando estava com sua mulher, Maribel, fazendo compras no supermercado. Seu passaporte era americano, mas sua apar�ncia, sua cultura e seus amigos, mexicanos. "Ele era como eu", disse Mart�nez, entre l�grimas. "Eu n�o o conheci. Mas quero que todos saibam que ele era algu�m como eu. Vivo em El Paso h� mais de 20 anos, mas nasci em Ju�rez. Sou americano e tenho orgulho de ser, mas tamb�m sou mexicano."
A mesma coisa acontece do outro lado. "Uma amiga estava em uma loja ao lado do Walmart e me disse que quando escutou os disparos pensou que eram fogos", diz Vania Ortaga, uma estudante cujo namorado vive em El Paso. "Aqui em Ju�rez estamos acostumados com tiros. Mas nunca em El Paso!"
El Paso era uma das cidades mais seguras dos EUA. Em 2018, morreram menos de 20 pessoas. Agora, em apenas um dia mataram 22. E n�o foi nenhum dos mexicanos "narcotraficantes ou estupradores" da ret�rica que Donald Trump promoveu desde o in�cio de sua campanha. Foi um racista de 21 anos que se inspirou nos discursos do presidente americano para executar a matan�a. Seu manifesto repete, em partes, frases textuais de Trump.
"Nenhuma palavra de Trump aos pedestres. Visitou sobreviventes do massacre por 15 minutos e partiu", lia-se na capa do El Diario de Ju�rez no dia seguinte � visita de Trump a El Paso. O jornal de uma das cidades mais perigosas do mundo, Ciudad Ju�rez, publicou tamb�m na mesma edi��o a lista das v�timas sem distin��o de nacionalidades. Nas p�ginas internas h� mais hist�rias de mortes em Ju�rez que, como os mortos de El Paso s�o t�o seus como os da cidade vizinha. S�o uma comunidade. Aqui, onde todos os dias h� assassinatos, em sua fronteira h� cruzes que lembram as mulheres assassinadas que as fizeram tristemente famosas. A tristeza n�o tem bandeira. No shopping ao lado do Walmart, na entrada de uma loja de roupas, h� um letreiro em ingl�s e espanhol: "proibido portar armas de fogo"
Ciudad Ju�rez se chamava Paso del Norte at� 1888, quando o governo de Porfirio D�az decidiu mudar o nome da cidade para homenagear o ex-presidente mexicano.
Os membros dessa comunidade receberam Trump com frieza. No dia em que ele chegou, parecia um dia qualquer. Alguns l�deres da comunidade haviam convocado um boicote silencioso contra Trump e o cumpriram. Trump n�o saiu �s ruas, n�o fez discurso, nem mencionou os nomes das cidades. Ficou apenas por 15 minutos e foi embora.
Efeito pol�tico
O presidente mexicano, Andr�s Manuel L�pez Obrador, nem sequer mencionou as v�timas nesse dia de sua confer�ncia di�ria, na qual passou uma hora e quarenta minutos falando da hist�ria mexicana e da temporada de furac�es. At� mesmo fez piadas.
A indiferen�a dos presidentes dos pa�ses que formam a maior comunidade binacional do Hemisf�rio Ocidental coincidiu com a visita de Beto O'Rourke, aspirante � candidatura democrata � presid�ncia dos EUA, que foi ao M�xico assistir ao funeral de uma das v�timas mexicanas. "Somos uma �nica comunidade", disse em espanhol em Ciudad Ju�rez, onde chegou a p� dos EUA.
Na fronteira, em La L�nea, se observa uma placa que indica o limite entre os dois pa�ses. Os agentes migrat�rios dos EUA desejam bom dia a uma jovem mexicana que diz que vai a El Paso jantar com um amigo. Uma mexicana logo atr�s se surpreende. Tamanha gentileza dos agentes americanos na fronteira � novidade.
No dia da visita de Trump, um jovem dirigiu de Houston um ve�culo enfeitado com um a imagem de Trump vestido de Rambo. Estava armado com uma AR-15, disse o jornalista Alfredo Corchado, de Dallas Morning News, e estacionou diante de um centro de imigrantes. O detiveram, mas minutos depois o deixaram ir. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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