O soci�logo e jornalista americano Tom Mueller passou os �ltimos tr�s anos entrevistando cerca de 200 agentes e ex-agentes p�blicos americanos que denunciaram, por vias legais na maioria das vezes, comportamentos inadequados, conduta impr�pria de superiores e corrup��o institucional em importantes �rg�os.
Em seu livro Crisis of Conscience: Whistleblowing in an Age of Fraud (Crises de consci�ncia, o ato de denunciar em uma era de fraudes, em tradu��o livre), Mueller diz que os "whistleblowers", denunciantes de m�s pr�ticas em �rg�os p�blicos, s�o quase uma institui��o da democracia americana desde os pais fundadores, no s�culo 18. "Apesar disso, eles s�o estigmatizados", diz Mueller nesta entrevista ao Estado. "As pessoas costumam torcer pelos denunciantes em filmes de Hollywood, mas n�o enxergam a destrui��o que acontece de fato na vida deles."
O senhor entrevistou mais de 200 denunciantes para escrever seu livro. Por que os denunciantes delatam?
Muitos denunciantes, incluindo os ligados � ag�ncias de Seguran�a Nacional, que eu acreditava serem radicalmente diferentes na forma e na subst�ncia, eram membros da mesma esp�cie: a de pessoas com consci�ncia, que enxergam que alguma coisa est� errada, n�o se conformam com a corrup��o institucional e se sacrificam para denunciar aquilo, por meios legais e institucionais, n�o para promo��o individual. Se sacrificam, tentando permanecer an�nimas, e sofrem as graves consequ�ncias por causa de sua crise de consci�ncia.
O senhor disse que essa � uma "categoria rara de seres humanos". Por qu�?
A maioria de n�s, quando nos deparamos com um caso hipot�tico, achamos que far�amos a coisa certa, assim como os denunciantes. Mas, quando estamos dentro de uma equipe forte e unida, por ordem de um l�der carism�tico, a maioria n�o tem a clareza de pensamento ou a for�a de car�ter para resistir �s a��es do grupo e fazer a coisa certa. A maioria n�o entende as terr�veis perdas que os denunciantes sofrem. As pessoas costumam torcer pelos denunciantes em filmes de Hollywood, mas n�o na vida real. Isso porque n�o enxergam a destrui��o que acontece de fato na vida deles e as terr�veis consequ�ncias do ato de denunciar.
Quais s�o as consequ�ncias?
Todos os 200 denunciantes que entrevistei sofreram terr�veis consequ�ncias por seus atos de consci�ncia. Perderam seus empregos, seu patrim�nio, sua vida pessoal ficou esfacelada, foram perseguidos, presos e denunciados. Desde o in�cio da den�ncia nos Estados Unidos, os denunciantes do governo que colocam seus nome e rosto em suas revela��es n�o se sa�ram bem, principalmente os da comunidade de intelig�ncia. Eles s�o tipicamente manchados pela m�dia, processados e demitidos.
O senhor tem exemplos?
In�meros. Patrick Eddington, um ex-funcion�rio da CIA que revelou que sua ag�ncia e os militares estavam encobrindo a exposi��o dos soldados americanos a toxinas durante a Guerra do Iraque de 1991, foi processado e teve sua casa invadida por agentes do FBI. Por uma d�cada n�o conseguiu emprego. Eddington voltou ao servi�o p�blico, mas foi exce��o. Em 2007, quatro altos funcion�rios da Ag�ncia de Seguran�a Nacional denunciaram, por meio de canais oficiais, fraudes e m� conduta na ag�ncia que facilitaram os ataques de 11 de setembro. Foram identificados, tiveram suas casas invadidas por agentes do FBI e suas vidas pessoais devassadas, foram amea�ados de processos e tiveram as carreiras no servi�o p�blico encerradas. O Departamento de Justi�a de Barack Obama empregou agressivamente a Lei de Espionagem para processar funcion�rios que compartilharam informa��es classificadas com jornalistas, em alguns casos nomeando os pr�prios jornalistas como co-conspiradores.
Por que muitos denunciantes ficam estigmatizados?
Porque a lealdade � uma das emo��es humanas mais poderosas, e a aplicamos acriticamente, mesmo em contextos em que n�o deveria existir. Se voc� descobrir que sua irm�, uma enfermeira de um hospital local, pratica eutan�sia em pacientes idosos sob seus cuidados, voc� permanece leal a ela e n�o informa a pol�cia? Ou se voc� � membro da m�fia e, depois de muitos crimes, se cansa do assassinato e denuncia seus companheiros �s autoridades, deve ser considerado traidor? As respostas aqui parecem claras no plano abstrato, mas, em nosso est�mago, n�o importa quantas vidas um denunciante salve, ainda temos aquela pequena voz de lealdade em nossas mentes sussurrando: "Sim, mas eles cruzaram a linha, e merecem o que recebem em troca".
Como o senhor recebeu a not�cia de uma dela��o sobre a liga��o de Donald Trump para o presidente da Ucr�nia a uma semana do lan�amento do seu livro?
Foi surpreendente pela dimens�o que a den�ncia tomou. Muitos observadores descreveram este caso como sem precedentes. Eu discordo fortemente. No meu livro, eu detalho como numerosos insiders da seguran�a nacional delataram graves irregularidades e pagaram um pre�o terr�vel em seu trabalho e em sua vida privada - mesmo quando fizeram suas dela��es estritamente por meio de canais oficiais.
Como v� a rea��o do governo ao atual vazamento?
Quando falava sobre o vazamento de informa��es sobre a Guerra do Vietn� feito por Daniel Ellsberg [denunciante que revelou os Pap�is do Pent�gono], Richard Nixon dizia que tais "atos de consci�ncia" eram indefens�veis, um crime de trai��o. O grupo mais pr�ximo de Nixon levou a s�rio a hip�tese de "causar danos corporais" a Ellsberg. Trump faz eco disso, inclusive dizendo que esse "espi�o" deveria ser tratado como os espi�es eram nos bons velhos tempos - o que implica que ele deve ser apagado. Isso � uma afronta aos valores americanos de freios e contrapesos, que v�m desde os pais fundadores da na��o, e da qual a den�ncia faz parte.
Concorda com Daniel Ellsberg que dizia que "o vazamento n�o � uma trai��o, mas um ato final de patriotismo"?
Isso depende do que foi vazado. Se algu�m vazar planos secretos de armas nucleares para os russos, isso � trai��o, n�o patriotismo. Mas se algu�m vazar, como Ellsberg, provas de mentiras oficiais, de m�s pr�ticas e irregularidades cometidas por uma s�rie de presidentes e outras altas autoridades que estavam perpetuando uma guerra ileg�tima e imposs�vel de se vencer, sem d�vida, eles s�o patriotas.
O senhor defende que o ato de denunciar � um dos alicerces da democracia dos EUA. Por qu�?
Os pais fundadores desta na��o s�o os exemplos cl�ssicos de denunciantes. Eles agiram para denunciar a Coroa brit�nica e deixaram gravados na Constitui��o a prote��o e at� o incentivo da den�ncia. Os fundadores trataram os denunciantes com grande respeito e aprovaram leis que os protegiam. Os pr�prios fundadores se comportaram como denunciantes. Pense nisso: eles, conscientemente e sob enorme risco, negaram a autoridade de seu divino monarca, o rei George III, para seguir uma autoridade superior: verdade e justi�a. Eles quebraram sua lealdade � M�e Gr�-Bretanha para seguir lealdades mais altas � sua nova na��o e � humanidade. Eles acreditavam na import�ncia soberana do indiv�duo e da consci�ncia individual. Eles afirmaram n�o apenas o direito, mas o dever de cada indiv�duo de revelar irregularidades que colocam o p�blico em perigo. Para mim, isso � um evidente comportamento de denunciante. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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