Desde outubro, uma onda antiestablishment atingiu a Am�rica do Sul, agravando a crise de governos tanto de esquerda quanto de direita. A insatisfa��o, de cunho econ�mico ou pol�tico, derrubou a popularidade de quatro presidentes sul-americanos, o que ajudou a colocar ainda mais lenha na fogueira dos confrontos, que deixaram ao menos 38 mortos e 4.700 feridos.
"J� tivemos outros governos com pouca aprova��o, mas sem protestos desse tamanho. Agora, a baixa popularidade � uma causa e uma consequ�ncia. H� uma correla��o", disse ao Estado o cientista pol�tico Fr�d�ric Mass�, da Universidade Externado da Col�mbia, de Bogot�.
No Chile, o presidente Sebasti�n Pi�era assumiu o cargo em 2018 com 51% de aprova��o. Em outubro, pouco antes dos protestos, o �ndice era de 31%. O estopim da insatisfa��o foi de cunho econ�mico, o aumento do pre�o da passagem de �nibus: de 800 pesos (R$ 4,10) para 830 pesos (R$ 4,26). Ao longo das manifesta��es, a crise se somou a outras demandas populares, como a mudan�a da Constitui��o - que data da ditadura de Augusto Pinochet. Hoje, a popularidade de Pi�era est� em 12%.
No Equador, o estopim foi o an�ncio do corte dos subs�dios no pre�o do combust�vel, em vigor h� 40 anos, e a redu��o dos benef�cios do setor p�blico. O presidente Len�n Moreno, que contava com 65% de aprova��o quando assumiu o cargo, em 2017, chegou a 31% ap�s adotar ajustes econ�micos coordenados com o FMI.
A insatisfa��o popular tamb�m derrubou a popularidade de Iv�n Duque, presidente da Col�mbia, e de Evo Morales, da Bol�via. Em ambos os casos, a crise � mais pol�tica do que econ�mica.
Na Col�mbia, Duque assumiu em 2018 com 53,8% de aprova��o. Ap�s deixar de cumprir partes do acordo de paz fechado por seu antecessor com as For�as Armadas Revolucion�rias da Col�mbia (Farc) e ser acusado de negligenciar pol�ticas voltadas para l�deres camponeses, perdeu apoio. Pouco antes de os protestos come�arem, ele tinha aprova��o de apenas 26% dos colombianos.
Na Bol�via, o desgaste com o governo de Evo, que durou quase 14 anos, culminou com acusa��es de fraude na elei��o de 20 de outubro - as den�ncias foram comprovadas por uma miss�o da OEA. Isolado pelos protestos de rua, pela press�o do empresariado de Santa Cruz e sem apoio dos militares, ele renunciou e partiu para o ex�lio no M�xico.
A onda atual de protestos de largo espectro desafia tamb�m a an�lise tradicionalmente simplificada da hist�ria latino-americana. Nos anos 60, era a cruzada socialista de Fidel Castro contra o imperialismo ianque. Nos anos 80, houve a "d�cada perdida" da estagna��o econ�mica. Nos anos 90, a virada do neoliberalismo, seguida por uma "mar� rosa" de governos esquerdistas, nos anos 2000.
O p�ndulo pol�tico que oscilava entre esquerda e direita parece ter desaparecido. A onda de protestos tem obrigado os acad�micos a superar a simplifica��o hist�rica e buscar an�lises mais sofisticadas.
Michael Shifter, do centro de estudos Di�logo Interamericano, aponta o papel do celular nas manifesta��es recentes na Am�rica do Sul. Al�m de ajudar a concentrar multid�es, a era da informa��o trouxe exemplos de outros cantos do mundo, como Hong Kong, Fran�a e Iraque, e apresentou um padr�o de vida que muitos na regi�o deixaram de ter.
"� um ressentimento generalizado contra quem det�m servi�os", lembra Shifter. "Essas pessoas querem mais direitos e, muitas vezes, s�o quest�es dif�ceis de quantificar, como o acesso � Justi�a e a servi�os p�blicos de qualidade."
Em paralelo, segundo ele, as bolhas e a dissemina��o de not�cias falsas aumentam a radicaliza��o pol�tica. "As pessoas est�o com muita raiva, em um n�vel poucas vezes visto", afirma Shifter. "Al�m disso, parecem dispostas a tolerar um alto grau de viol�ncia."
Para Mass�, as manifesta��es est�o sendo instrumentalizadas por elementos extremos, mas analisar a crise exige muito mais do que isso. "S�o protestos contra diferentes tipos de governos. Os fatores em comum s�o a insatisfa��o e a vontade de ter mais voz dentro da pol�tica." (Colaboraram Carla Bridi e Murillo Ferrari)
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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