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Estado de Minas

Guerra de Biafra, o buraco negro da mem�ria da Nig�ria


postado em 13/01/2020 15:13

Diekoye Oyeyinka, 33 anos, � um dos autores nigerianos mais promissores de sua gera��o.

Frequentou as melhores escolas e, no entanto, como a grande maioria de seus colegas de turma, nunca ouviu falar de Biafra antes dos 14 anos.

N�o foi na sala de aula, onde a hist�ria era ensinada, e sim nos dormit�rios dos estudantes que ele se inteirou de um momento importante de seu pa�s.

"Um estudante distribuiu panfletos em favor da independ�ncia de Biafra. N�o sab�amos o que era!"

O adolescente n�o sabia que tais apelos � secess�o circularam ap�s a independ�ncia do pa�s, a partir de 1960.

Ent�o, entre 1967 e 1970, o sudeste da Nig�ria foi palco de um dos conflitos mais sangrentos do s�culo XX.

Ele ignorava que os generais do grupo �tnico Igbo de uma prov�ncia rebelde, a Rep�blica de Biafra, proclamaram sua independ�ncia em 30 de maio de 1967, desencadeando uma guerra civil de uma atrocidade incomum e um terr�vel per�odo de fome que deixaria mais de 1 milh�o de mortos - talvez at� 2 milh�es, pois nunca houve uma contagem definitiva.

O pa�s de cerca de 200 milh�es de habitantes nesta semana recorda os 50 anos ap�s o fim da guerra, sem uma �nica comemora��o do Estado, sem mem�ria ou missa oficial.

"A hist�ria do nosso pa�s tem sido muito brutal, a gera��o antiga sofreu grandes traumas", explica Diekoye Oyeyinka.

"N�s a varremos para debaixo do tapete, como se n�o existisse. Mas sem conhecer o passado, vamos repetir os mesmos erros", reconhece.

� para impedir que a "hist�ria pol�tica se repita indefinidamente" que o romancista decidiu escrever "A dor do gigante", uma obra fascinante sobre a primeira pot�ncia da �frica, de 1950 a 2010, no qual a guerra civil "� o evento mais importante".

- "Nossa hist�ria, nosso conflito" -

Diferentemente da escritora Chimamanda Ngozi Adichie, com "Meio Sol Amarelo", ou do literato Chinua Achebe, com "There was a country" ("Havia um pa�s", in�dito em portugu�s), Diekoye Oyeyinka � um dos poucos autores nigerianos que n�o pertence � etnia igbo a escrever algo sobre a guerra de Biafra.

"Um dia, um amigo igbo me olhou com desprezo e disse: 'Voc� n�o pode escrever nossa hist�ria, o conflito � nosso!'", conta o escritor. "Se n�o curarmos esses traumas, a Nig�ria � uma bomba prestes a explodir".

Embora no restante do pa�s alguns n�o lembrem da guerra, em Enugu, ex-capital da rep�blica de Biafra, os dias 13, 14 e 15 de janeiro de 1970, s�o inesquec�veis. Essas datas correspondem respectivamente aos dias de rendi��o, capitula��o e do famoso discurso do general Gowon, que na �poca estava no poder, sobre n�o existirem "nem vencedores ou perdedores".

Da mesma forma, os que viveram esse momento n�o esquecem do ex�lio for�ado de 13 anos do coronel Chukwuemeka Odumegwu Ojukwu, l�der antes do conflito, e de sua pris�o por 10 meses.

Cinquenta anos depois, as bandeiras de Biafra seguem vis�veis no alto dos edif�cios e ao longo das estradas, antes de serem destru�das pelas for�as militares, mantidas por todo o territ�rio.

Os igbo, terceiro maior povo da Nig�ria, depois dos iorub�s e hau��s, se sentem marginalizados, ou �s vezes tratados de maneira inadequada pelo governo de Muhammadu Buhari, ex-general do norte do pa�s, que por sua vez acabou com as esperan�as do �nico candidato igbo � presid�ncia por meio de um golpe de Estado em 1983.

"Se Alex Ekwueme, que foi vice-presidente durante o golpe, tivesse chegado ao poder, o fantasma de Biafra j� teria sido enterrado h� muito tempo", ressalta o professor Pat Utomi, ex-conselheiro de Ekwueme e, atualmente, personalidade em�rita na Nig�ria. "No in�cio dos anos 1980, os pr�prios igbo j� tinham quase se esquecido da guerra. Por�m, agora, a nova gera��o � muito mais amargurada".

- "Muito mais dividido" -

O fechamento recente do aeroporto de Enugu e a apreens�o de produtos de lojas de igbo por parte da alf�ndega no come�o de dezembro em Lagos aumentam o sentimento de exclus�o e das incertezas independentistas, apoiadas dessa vez pela nova gera��o, que n�o viveu a guerra civil.

H� dois anos os movimentos separatistas igbo voltaram a surgir, sendo o mais importante deles o "Movimento Independentista para os Povos Ind�genas de Biafra", que mant�m v�rias campanhas nas redes sociais.

"N�o falar disso e n�o escrever sobre esse assunto � dar espa�o para uma hist�ria inventada e para a desinforma��o", afirma Utomi, em entrevista � AFP. "Hoje em dia a Nig�ria est� mais dividida do que antes da guerra civil. N�o aprendemos nada".

Ap�s anos de suspens�o, o atual governo retomou o ensino da disciplina de Hist�ria como mat�ria obrigat�ria para alunos entre os 10 e 13 anos.

"� essencial que possamos reconstruir nossa identidade e nossos valores patri�ticos", reconhece Sonny Echono, secret�rio-geral do minist�rio da Educa��o.

- Sem vers�o oficial -

As escolas, no entanto, n�o t�m professores qualificados, e a guerra civil, que nunca teve uma vers�o hist�rica oficial aprovada, segue sem fazer parte do programa escolar.

"Devemos falar sobre ela para as nossas crian�as", disse Egodi Uchendu, professor de Hist�ria na Universidade de Nsukka, cidade onde os combates come�aram, em 1967. "Os nigerianos do sudeste n�o viveram a guerra da mesma forma como ela foi vivida em outras regi�es do pa�s. Temos que ouvir todas as vers�es da hist�ria".

Chika Oduah, jornalista americana-nigeriana, percorreu o pa�s para recolher uma s�rie de relatos das v�timas e testemunhos de soldados, os quais publica em um site chamado "Biafran War Memories".

Para muitos dos que conversaram com a jornalista, foi a primeira vez que falaram sobre a morte dos seus familiares, al�m de relatos de como tiveram que beber da pr�pria urina ou viver escondidos por anos na floresta.

"Um velho soldado do norte ficou aos prantos ao relembrar da morte do seu irm�o", conta Oduah.

Aos 17 anos, quando vivia nos Estados Unidos, a pr�pria jornalista descobriu que sua m�e havia passado dois anos em um campo de refugiados durante a inf�ncia. At� ent�o, a jornalista nunca soube disso.

"Todo mundo queria olhar para frente, pensar no futuro, e n�o no passado", observa a jornalista. "Por�m, � necess�rio falar sobre isso, sen�o nunca ficaremos curados desse assunto".


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