No dia 11 de fevereiro de 1990, Nelson Rolihlahla Mandela, o �cone da luta antiapartheid deixava a pris�o, ap�s 27 anos atr�s das grades. Tr�s d�cadas ap�s sua liberta��o, ainda ecoam hist�rias sobre os anos de c�rcere do homem que colocou fim ao regime segregacionista sul-africano.
Em seu primeiro dia de trabalho como carcereiro na Robben Island, ilha a leste da Cidade do Cabo onde ficavam os sul-africanos condenados � pris�o perp�tua, Christo Brand, ent�o com 18 anos, ouviu dos colegas que Mandela era um dos prisioneiros "mais perigosos da hist�ria da �frica do Sul". O ano era 1978.
Mas o que Brand viu foi algo bem diferente. A maior parte dos prisioneiros pol�ticos era de senhores amig�veis. De fam�lia rural afric�nder - descendente dos colonizadores holandeses -, ele tamb�m n�o acompanhava a pol�tica. "Nelson Mandela, para mim, era s� mais um nome", diz ele sobre o famoso prisioneiro que se tornou o primeiro presidente negro da �frica do Sul.
Em 12 anos de conviv�ncia, carcereiro e prisioneiro se tornaram s�lidos amigos. Brand at� fez pequenos favores a Mandela, como levar livros a amigos. Os detalhes da rela��o entre os dois est�o nas p�ginas do livro Mandela: Meu Prisioneiro, Meu Amigo, lan�ado em 2014. Aos 60 anos, Brand percorre o mundo para falar do amigo que lhe deu uma nova vis�o sobre sua na��o. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como foi seu primeiro encontro com Nelson Mandela?
A primeira vez que o vi foi em Robben Island, em 1978, quando nos informaram que conhecer�amos os maiores criminosos da �frica do Sul. Todos que deveriam receber senten�a de morte foram enviados para l�. Mas o que encontrei foram apenas homens idosos, amig�veis, humildes e muito educados. Naquele tempo, eu ainda n�o sabia quem era Nelson Mandela.
Quando percebeu quem realmente ele era?
Depois de um tempo trabalhando l�, comecei a ver o nome nos jornais e a entender sua luta. Ele tamb�m recebia muitas cartas e cart�es, da �frica do Sul e de outros pa�ses.
Quando se tornaram amigos?
Teve um dia em que Winnie (ent�o mulher de Mandela) trouxe um beb� a Robben Island. Era uma de suas netas. Quando ela entrou na cabine de visita��o, n�o deixamos que levasse a crian�a para dentro, porque n�o era permitido. Ent�o, o beb� ficou na sala de espera com uma mulher. Ao fim da visita, Mandela perguntou se podia tocar no beb�. Respondemos que n�o, mas ele insistiu. Um guarda ouviu aquilo e me mandou buscar o beb� rapidamente. Ent�o, eu disse a Winnie que Mandela queria v�-la novamente. Quando ela entrou na cabine, eu falei para a senhora que segurava o beb� que eu queria ficar com ele um pouquinho. E assim levei a crian�a at� Mandela e a colocamos em seus bra�os. Ele ficou surpreso. Pedimos que nunca contasse o fato a ningu�m, pois poder�amos perder nossos empregos. Com l�grimas nos olhos, ele segurou a netinha e a beijou. Por muitos anos, nem Winnie soube disso, pois Mandela manteve o segredo. Foi naquele momento que ficamos pr�ximos. Eu vi o ser humano, uma pessoa com sentimentos, com respeito, e n�o um terrorista perigoso como tinham dito.
Tamb�m ensinou o idioma afric�ner a Mandela, certo?
Sim, isso foi ap�s a mudan�a para a pris�o de Pollsmoor. Ali a comunica��o era melhor que em Robben Island, era menos restrita. Mandela sempre estava estudando. Ele me pedia ajuda com cartas, textos e queria aprender a falar afric�ner. Eu levei materiais e o ajudei a falar o idioma. Quando ouvi seu primeiro discurso em afric�ner ap�s a liberta��o, fiquei orgulhoso. O meu prisioneiro, que ajudei a estudar, estava falando a minha l�ngua t�o bem.
Como era essa conviv�ncia?
Havia dias em que eu entrava na cela dele e tomava caf�. Ele perguntava da minha fam�lia, e eu, sobre a sa�de dele. Mandela sempre encorajava os guardas a estudarem. Ele acreditava muito que a educa��o faria da �frica do Sul um pa�s melhor. Enviou at� uma carta � minha mulher para que ela me encorajasse a estudar. Ainda tenho essa cartinha.
Voc�s tamb�m tinham alguns c�digos, certo?
Os prisioneiros eram monitorados. �s vezes, eu tinha um gravador comigo que registrava toda a conversa e transmitia para o comando da pris�o. Ent�o, eu mostrava para ele de alguma forma que n�o pod�amos conversar sobre assuntos privados. Dizia, por exemplo, que n�o queria tomar caf�, que estava com pressa ou fazia alguns sinais, como tocar na minha orelha.
Qual a principal li��o que aprendeu com Mandela e gostaria de dividir?
A maior li��o � que as pessoas merecem respeito e devem ter igualdade de oportunidades. Nunca vou esquecer o quanto ele era humilde e o quanto queria que as pessoas tivessem oportunidade de estudar. Sua mensagem era a de que negros e brancos podem dar as m�os e trabalhar juntos.
Como foi a �ltima conversa de voc�s?
Foi uma conversa de dois amigos, alguns meses antes de ele morrer. Queria saber da minha fam�lia, das minhas coisas. N�o falamos nada sobre a pol�tica da �frica do Sul.
Por que o senhor decidiu escrever um livro sobre sua rela��o?
Mandela me incentivou muito. Ele dizia: n�s dois viemos de �reas rurais, vivemos a discrimina��o, chegamos a Robben Island, ele como prisioneiro e eu como guarda, e as pessoas devem conhecer essa hist�ria que vivemos. Foi seu �ltimo desejo em rela��o a mim. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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'Em Mandela, vi o ser humano, n�o um terrorista perigoso'
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